sábado, 1 de fevereiro de 2025

Abou Sangaré, o guineense em Paris que protagoniza o filme Souleymane




O filme Souleymane retrata a história de Abou Sangaré, um jovem guineense que migra para Paris em busca de melhores oportunidades e, sobretudo, de um futuro mais digno. A obra destaca temas como a precariedade da vida dos imigrantes, o racismo e a luta por sobrevivência em um ambiente hostil e indiferente. Abou chega à capital francesa cheio de esperança, mas rapidamente percebe que a sua condição de imigrante irregular limita suas possibilidades. Ele encontra trabalho em condições precárias, muitas vezes explorado, e enfrenta o desafio de se adaptar a uma cultura que frequentemente o marginaliza.

O filme explora como Abou tenta equilibrar a sua identidade cultural guineense com a necessidade de se integrar à sociedade francesa. Ele luta para manter contacto com suas raízes, mas também sente a pressão de se transformar para ser aceite. Abou enfrenta barreiras legais, incluindo o constante medo da deportação. Sua luta para conseguir documentos que legalizem a sua estadia é um dos temas centrais, mostrando o impacto psicológico dessa insegurança constante. Apesar dos obstáculos, Abou encontra momentos de solidariedade e apoio em pequenos gestos e em amizades improváveis. Esses momentos humanizam sua experiência e mostram a complexidade da condição de imigrante. A história de Abou reflete a realidade de muitos imigrantes que chegam à Europa em busca de melhores condições de vida, mas enfrentam exploração e racismo estrutural. O contraste entre as expectativas de Abou ao deixar a Guiné e a realidade dura em Paris é uma reflexão sobre a fragilidade dos sonhos frente às adversidades.

Souleymane busca romper com estereótipos ao mostrar Abou como um ser humano complexo, com medos, esperanças e uma enorme vontade de prosperar. O filme expõe as condições sub-humanas enfrentadas por muitos imigrantes irregulares, particularmente na Europa Ocidental. Em Paris, a cidade frequentemente vista como símbolo de progresso e oportunidades, a realidade de Abou Sangaré revela o outro lado: exclusão, invisibilidade e desigualdade.

A narrativa evidencia como sistemas burocráticos muitas vezes reforçam a marginalização. Em uma cena emblemática, Abou enfrenta um tratamento desumanizador ao tentar aceder aos serviços públicos, sendo tratado como um número, e não como uma pessoa.

Ao explorar a origem de Abou, o filme vai ao encontro das causas que levam pessoas a arriscar tudo para buscar uma nova vida. A Guiné, com a sua história de exploração colonial e desafios contemporâneos, aparece como um pano de fundo crucial para entender a migração. Abou chega a Paris num autocarro de longo curso. Mal põe o pé em terra firme olha para a Torre Eiffel de longe, um símbolo dos sonhos que o trouxeram ali. A cena evoca a dualidade entre a promessa de um novo começo e o prenúncio das dificuldades.

Em uma cena brutalmente honesta, Abou é contratado para trabalhar como lavador de pratos num restaurante parisiense. Qualquer trabalho serve para começar a sobreviver. Uma das cenas mais emocionantes ocorre quando Abou conhece um grupo de imigrantes que compartilham comida e histórias num parque. Esse momento contrasta com a solidão da sua jornada inicial, mostrando que, mesmo em condições difíceis, existem redes de apoio. Num controlo de documentos Abou é parado pela polícia. Em um momento onírico, Abou imagina voltar à Guiné, com a família a recebê-lo como um herói. A sequência é interrompida pela realidade: ele está dormindo em um canto de um prédio em ruínas.

O filme Souleymane não oferece soluções fáceis ou finais felizes previsíveis, mas apresenta uma narrativa que obriga o espectador a olhar para as consequências da globalização, do colonialismo histórico e das disparidades económicas. Basta uma poderosa história individual, como a de Abou Sangaré, para entender os desafios sociais mais amplos.

Comprando o Mundo a dólar, assim vai Trump

 


Não é uma brincadeira. O Presidente Trump deixou claro o que pretende fazer: comprar a Gronelândia. Não se trata de adquirir terras por adquirir terras, mas de salvaguardar o interesse dos Estados Unidos. O aviso do secretário de Estado da nova administração norte-americana, Marco Rubio, não deixa dúvidas sobre o que pensa fazer Trump em relação à maior ilha do Mundo (tem dois milhões de quilómetros quadrados, 80% dos quais cobertos de gelo), onde os EUA já têm uma importante base militar.
A ameaça de Trump sobre a Gronelândia, região autónoma da Dinamarca, surgiu ainda antes de tomar posse, numa conferência de imprensa onde não excluiu até a possibilidade de uma intervenção militar. Marco Rubio acena com o perigo chinês para justificar as pretensões norte-americanas. “Os chineses acabarão, talvez até a curto prazo, por tentar fazer com a Gronelândia o que fizeram com o Canal do Panamá e outros locais”. Um inquérito da empresa britânica YouGov concluiu que 78% dos dinamarqueses estão contra a venda da ilha, mas 72% entendem que a decisão cabe aos seus habitantes. Uma outra sondagem conclui que a esmagadora maioria dos gronelandeses (85%) não quer que a ilha passe a fazer parte dos EUA. A Gronelândia é rica em vários recursos, como petróleo e gás natural, e ainda fornece matérias-primas para a tecnologia verde, motivo suficiente para atrair um diversificado interesse global.

Há precedentes. Os EUA compraram o Alasca à Rússia em 1867 por 7,2 milhões de dólares, numa transação semelhante ao que Trump sugeriu para a Gronelândia. Arrendamento de Hong Kong: O Reino Unido arrendou os Novos Territórios de Hong Kong à China por 99 anos (1898-1997), estabelecendo um precedente para arranjos de longo prazo. Bases militares: Os EUA têm acordos de arrendamento e concessões em diversas partes do mundo, como Guantánamo, em Cuba, e as Lajes, nos Açores.

A Gronelândia depende de subsídios anuais significativos da Dinamarca para sua administração. Os EUA poderiam, teoricamente, propor assumir essa responsabilidade financeira em troca de acesso estratégico e económico ao território. Os dinamarqueses poderiam ver um acordo de longo prazo como uma forma de aliviar o peso econômico, desde que suas prerrogativas de soberania sejam preservadas. Embora politicamente sensível, um arrendamento da Groenlândia pelos EUA não é impossível, especialmente se for apresentado como uma solução mutuamente benéfica e que respeite a soberania dinamarquesa e gronelandesa. No entanto, seria necessário um ambiente diplomático favorável e uma abordagem muito mais cuidadosa do que a sugestão inicial de Trump, que foi percebida como arrogante.

Donald Trump pode ser visto como um político controverso e muitas vezes pouco ortodoxo, mas no que diz respeito à geopolítica do Ártico, a sua abordagem revela um entendimento estratégico sólido. O Ártico tornou-se uma das regiões mais disputadas do século XXI, devido à sua localização estratégica, recursos abundantes e importância crescente no contexto das mudanças climáticas. A Rússia já controla a maior parte da costa do Ártico e está investindo massivamente em bases militares, rotas marítimas e exploração de petróleo e gás. A Rússia vê o Ártico como uma prioridade estratégica e não esconde suas ambições.

Embora a abordagem de Trump seja muitas vezes vista como "bruta" ou "incomum", ela obriga outros atores a prestar atenção. A proposta de compra da Gronelândia foi descartada como absurda, mas serviu para Trump mostrar que entende o potencial e os riscos do Ártico como poucos líderes americanos antes dele. Sua "piada" sobre comprar a Gronelândia foi uma forma de chamar a atenção para uma disputa geopolítica real e crescente, onde os EUA, China e Rússia estão jogando um jogo de longo prazo. Ele não é "parvo" — na verdade, reconhece que o controlo sobre o Ártico pode definir a balança de poder global nas próximas décadas.

A Esquerda em Portugal


Em Portugal, um partido que mantém fielmente a linha da velha esquerda é o Partido Comunista. Ao passo que a Nova Esquerda é liderada pelo Bloco de Esquerda (BE) seguido do Partido dos Animais e Natureza (PAN). O Partido Comunista Português (PCP) é, de fato, um dos últimos bastiões da velha esquerda tradicional, permanecendo fiel à defesa de uma agenda centrada na luta de classes, na proteção dos direitos da classe trabalhadora e na rejeição de agendas que considera secundárias ou "desviantes" da questão central do salário. O PCP é caracterizado por um discurso ainda enraizado no marxismo-leninismo clássico, o que, em muitos sentidos, o coloca em contradição com a Esquerda actual.


Para o PCP, questões como as causas do feminismo interseccional, a teoria queer ou o ambientalismo extremo são frequentemente vistas como distrações que fragmentam a luta contra o capitalismo. O PCP tem uma base histórica sólida em setores como a indústria e os sindicatos, especialmente entre operários e trabalhadores rurais. No entanto, essa fidelidade à linha tradicional tem levado o partido a perder relevância junto das gerações mais jovens e urbanas, que tendem a se identificar mais com as preocupações identitárias da Nova Esquerda. O BE tem uma forte preocupação ambiental, frequentemente ligada à crítica do modelo capitalista de consumo e exploração. No entanto, essa ampla agenda identitária, por vezes, enfraquece a sua capacidade de se comprometer com a classe trabalhadora, que se sente desamparada em questões materiais, como salários, habitação ou segurança no trabalho. O PAN é um caso peculiar dentro da política portuguesa. Embora não seja explicitamente um partido de esquerda em termos clássicos, muitas de suas posições se alinham com a Nova Esquerda. Diferentemente do PCP e, até certo ponto, do BE, o PAN tem pouca ou nenhuma preocupação com questões económicas estruturais ou com a luta de classes, preferindo focar-se em mudanças de estilo de vida, consumo sustentável e bem-estar animal.

Em Portugal, como em muitos outros países, a tensão entre a velha e a Nova Esquerda reflete uma mudança geracional e cultural. Se a velha esquerda, representada pelo PCP, enfrenta um declínio devido à incapacidade de se renovar e de dialogar com as novas gerações, a Nova Esquerda, liderada pelo BE e pelo PAN, enfrenta o desafio de entender as verdadeiras preocupações materiais da maioria da população. O futuro da esquerda em Portugal dependerá, em grande parte, da capacidade de conciliar as questões identitárias e ambientais com as necessidades materiais e económicas. Construir uma narrativa que não apenas critique o neoliberalismo, mas que apresente soluções concretas para as desigualdades estruturais. Essa conciliação, no entanto, não será fácil, pois o fosso cultural entre a velha e a nova esquerda parece, a cada dia, mais profundo.

Por outro lado, em relação ao tema da imigração, a esquerda portuguesa não tem sabido fazer a leitura correta dos 50 deputados do CHEGA, um partido xenófobo de extrema direita. Ou seja, a leitura do pulsar das preocupações da maioria do cidadão comum tem passado ao lado da atenção da Nova Esquerda. Ora, o fenómeno migratório destes últimos anos, que não é exclusivo de Portugal, ou até que Portugal não é dos países mais atingidos, como países europeus onde partidos de extrema-direita mais a sério conseguem canalizar os medos e as ansiedades da população, muitas vezes em torno da imigração e da identidade nacional.

A falha de leitura da esquerda sobre o CHEGA e a imigração tem a ver com o tradicional irrealismo dos setores da sociedade mais intelectualizados. A Nova Esquerda, particularmente representada pelo BE, tende a adotar um discurso pró-imigração incondicional, enraizado em princípios de solidariedade internacional e direitos humanos. Embora esses valores sejam louváveis, muitas vezes há uma desconexão entre esse discurso e as preocupações do cidadão comum, que sente os impactos diretos da imigração em termos de competição por empregos, pressão sobre os serviços públicos e integração cultural. É uma negligência crónica em relação às preocupações mais profundas das pessoas . Em vez de abordar pragmaticamente os impactos sociais, envereda pela retórica das fobias, como a xenofobia.

Foi a alienação do "pulsar popular" por parte da esquerda que empurrou essa grande fatia da população, que nas últimas eleições legislativas contabilizou 1.2 milhões para o CHEGA. A esquerda, por outro lado, parece relutante em lidar com essas questões de maneira direta, preferindo discursos moralistas que alienam o eleitorado mais conservador ou inseguro. Seja como for, não pode ser a esquerda a culpada de tudo, mas tem dado o seu contributo para que tanta gente tenha depositado o seu voto num partido tão medíocre. O CHEGA tem explorado a narrativa de que as elites políticas e intelectuais estão desconectadas das necessidades do "português comum". A defesa incondicional da imigração pela esquerda é frequentemente retratada como uma imposição dessas elites.

Para muitos, a imigração em grande escala é entendida como uma ameaça à cultura e aos valores nacionais. Essa preocupação é frequentemente explorada pela extrema-direita para reforçar o medo de uma "substituição cultural". Mas a Esquerda devia começar por reconhecer que esses medos são legítimos, e não rotulá-los imediatamente como xenófobos. Em vez de desqualificar as preocupações dos cidadãos como xenofobia, a Esquerda precisa reconhecer que há receios legítimos associados à imigração, como a pressão sobre a habitação, saúde e segurança. Um discurso que acolha essas preocupações demonstra empatia e disposição para encontrar soluções equilibradas. O que se deve fazer é defender uma imigração regulada e sustentável. A Esquerda pode propor políticas de imigração baseadas em critérios claros e justos, que garantam que os migrantes possam ser integrados de forma digna e que não sobrecarreguem os recursos locais. Por exemplo, criar programas de formação e integração no mercado de trabalho para os migrantes. Ao invés de insistir numa retórica demagógica, quais treinadores de bancada que ignoram as dificuldades práticas do terreno da governação, a esquerda deveria adotar um tom mais pragmático e próximo da realidade vivida pelos eleitores, demonstrando como a imigração pode ser benéfica, mas também como será gerida para minimizar os impactos negativos.

Em conclusão. A esquerda está metida numa encruzilhada. Se a Esquerda portuguesa, especialmente os partidos da Nova Esquerda, não ajustarem o seu discurso para refletir as preocupações reais do eleitorado, correm o risco de continuar a perder terreno para o CHEGA. O desafio não é apenas combater a extrema-direita, mas oferecer uma alternativa credível e empática que equilibre solidariedade internacional com responsabilidade nacional. Essa mudança exigiria coragem para romper com alguns dogmas e adotar uma abordagem mais matizada e realista sobre a imigração, que tem relutado em abordar.