sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Edmund Burke e a Revolução Francesa

 

Por mais respeitável que um ativista de esquerda tributário dos ideais da Revolução de 1789 seja, Edmund Burke nunca se impressionaria. Ele sempre afirmou que a monarquia britânica pedia meças à República Francesa. Burke foi um dos primeiros críticos da Revolução, argumentando que mudanças radicais e abruptas levam sempre a uma desordem social. O que ele dava importância era à Tradição, e à prudência que providenciava por uma evolução gradual do processo político. Ele via a Revolução Francesa como um afastamento perigoso dos valores que sustentavam a ordem social e política, acreditando que a busca por uma igualdade absoluta só resultaria em tirania e caos. Em contraste, a monarquia britânica, segundo Burke, exemplificava uma estabilidade construída sobre a continuidade das instituições e das tradições, evitando os excessos que ele associava à Revolução.

Essa perspectiva é relevante quando se considera o legado das duas nações. A monarquia britânica manteve uma certa estabilidade e evolução política ao longo dos séculos, enquanto a França passou por várias mudanças radicais e tumultuosas após a revolução. Burke argumentaria que essa estabilidade é uma prova de que a evolução lenta e cuidadosa, em vez de uma revolução abrupta, é mais sustentável para o desenvolvimento social e político. A preferência pelas ideias de Burke, que valorizam a continuidade e a prudência, em oposição aos ideais revolucionários mais radicais, revela uma preferência por um caminho mais equilibrado e menos disruptivo na busca por justiça e progresso social. Essa é a preferência das pessoas que se classificam como moderadas. Daí que seja duvidosa a afirmação de que Rousseau e toda a comandita do Terror da Revolução Francesa, afinal os inventores dos Direitos Humanos, sejam pura e simplesmente exemplos a seguir.

Associar Rousseau e outros pensadores que influenciaram a Revolução Francesa, como os jacobinos, aos melhores exemplos da moderação progressista, pode ser uma simplificação. Embora eles tenham sido fundamentais para o desenvolvimento de conceitos como liberdade, igualdade e direitos humanos, há uma complexidade em suas ideias que não se encaixa perfeitamente nas categorias políticas que utilizamos hoje. Jean-Jacques Rousseau, por exemplo, embora tenha influenciado profundamente os ideais revolucionários, também defendia uma forma de retorno a uma ordem mais natural e comunal, o que não necessariamente se alinha com as ideias progressistas e revolucionárias da esquerda contemporânea. Seus pensamentos sobre a "vontade geral" e a necessidade de um governo forte para garantir a liberdade coletiva têm um caráter que pode ser interpretado como autoritário, mas também emancipatório, dependendo do contexto. A Revolução Francesa, especialmente durante o período do Terror, liderado por figuras como Robespierre, assumiu um caráter violento e radical que, para muitos, traiu os princípios de liberdade e direitos humanos que originalmente motivaram a revolução. As medidas autoritárias e a repressão daqueles que eram vistos como inimigos da revolução contradizem diretamente os ideais de direitos humanos universais que também surgiram desse movimento.

É interessante notar que, embora os ideais da Revolução Francesa sejam frequentemente associados à esquerda política, os próprios líderes do movimento não se viam necessariamente como "esquerdistas" no sentido moderno do termo. Eles estavam mais preocupados com o derrube do Ancien Régime e com a construção de uma nova ordem social que, em sua visão, corrigisse as injustiças e desigualdades daquela época. Assim, a associação simples e direta de Rousseau e dos líderes do Terror com a esquerda política é, de facto, problemática. Eles eram mais uma síntese de ideias que buscavam uma nova ordem social, e essa busca envolvia ao mesmo tempo elementos igualitários e métodos autoritários que não se encaixam facilmente na dicotomia categórica: esquerda_direita.

Os impulsos egoístas e a indiferença em relação às condições dos outros destacam-se na história, o que pode levar à conclusão de que, em essência, a humanidade carece de uma bondade inerente. A expressão "a exceção confirma a regra" é frequentemente usada para destacar que a bondade ou o altruísmo são raras. Esta é a visão do pessimista antropológico, onde a natureza humana é vista predominantemente como negativa, em que os atos de bondade são apenas desvios pontuais de um comportamento que não tem nada a ver com a bondade. Apesar de gestos individuais de generosidade, a estrutura subjacente da sociedade e da história está marcada por exploração, violência e uma busca incessante pelo poder. Diz-se de forma desassombrada que, a igualdade jacobina apregoada com tanto alarido, é gente a mangar com gente. 

Os céticos são assim, para com movimentos que proclamam ideais de igualdade. Cultivam uma desconfiança profunda em relação às motivações que os impulsionam. De facto, muitos críticos argumentam que, por trás do discurso sobre igualdade e justiça social, muitas vezes se escondem interesses próprios e uma tentativa de obter vantagens à custa do esforço dos outros. Edmund Burke era o que fazia, de certo modo para com o movimento revolucionário francês, vendo nele não uma busca genuína por justiça, mas uma destruição da ordem social em nome de um poder centralizado e tirânico. Para Burke, os revolucionários, ao prometerem liberdade e igualdade, acabavam por concentrar o poder nas mãos de uma nova elite, usando a retórica igualitária como uma fachada para camuflar as suas próprias ambições e tendência para explorar a sociedade de uma maneira diferente.

É legítimo pensar que ninguém dá nada a ninguém, especialmente se considerarmos o contexto histórico e as motivações políticas que influenciaram os autores da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Muitos dos redactores e líderes da Revolução Francesa eram profundamente ressentidos com a nobreza e o sistema de privilégios do Antigo Regime, que mantinha uma rígida hierarquia social e uma distribuição desigual de poder e recursos. O ódio à nobreza e ao clero, que eram vistos como os pilares de uma sociedade injusta e opressiva, foi um motor poderoso para a mobilização revolucionária. É possível que, mais do que um compromisso autêntico com a igualdade para todos, o que movia muitos desses revolucionários fosse um desejo de derrubar essa elite e redistribuir o poder. A retórica igualitária pode ter sido, em parte, um instrumento para justificar essa mudança radical, canalizando o ressentimento e a frustração das classes menos privilegiadas contra aqueles que simbolizavam o antigo regime.

Burke via nos revolucionários um desejo de destruição e vingança contra as classes dominantes, mais do que um amor genuíno pela liberdade e igualdade. De certa forma, isso sugere que o impulso igualitário estava, ao menos parcialmente, envenenado pelo ressentimento e pela sede de poder, mais do que fundamentado em uma convicção sincera nos valores que pregavam. Dessa perspectiva, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão poderia ser vista não apenas como um marco do progresso humano, mas também como uma arma ideológica contra uma ordem que precisava ser destruída, movida mais pelo ódio ao privilégio do que por um amor autêntico pela igualdade universal.

Durante a Revolução Francesa a escassez de alimentos e a especulação sobre os preços dos bens de consumo eram problemas graves, especialmente nas cidades como Paris, onde a população enfrentava a fome enquanto os comerciantes e proprietários se beneficiavam da crise. Muitos desses comerciantes e proprietários viam na instabilidade política e económica uma oportunidade para acumular riqueza, armazenando produtos essenciais e vendendo-os a preços exorbitantes. Esse comportamento exacerbava a miséria do povo, que já sofria com a inflação e a desvalorização da moeda. O açambarcamento era uma das principais causas de revolta entre as classes mais baixas, que viam nisso uma traição ao espírito de igualdade e fraternidade proclamado pela Revolução. Essa realidade contribuiu para o radicalismo da revolução e a ascensão de líderes como Robespierre, que defendiam medidas drásticas contra os "inimigos do povo" internos e externos. A Lei do Máximo Geral, por exemplo, foi uma tentativa de controlar os preços dos alimentos e outros bens essenciais para evitar essa especulação, mas a sua implementação foi difícil e muitas vezes ineficaz.

 Esses eventos revelam uma contradição entre os ideais revolucionários de igualdade e a prática económica daqueles que ainda se agarravam a seus interesses pessoais. Enquanto a Revolução pregava liberdade e justiça para todos, muitos que tinham meios económicos exploravam a situação para seu próprio ganho, o que alimentava a desconfiança e o ódio populares. Isso mostra como, muitas vezes, os interesses materiais podem prevalecer sobre os princípios ideológicos, mesmo em tempos de mudanças radicais.

Sem comentários:

Enviar um comentário