Vários autores, profundamente comprometidos com a causa palestiniana, deram ordens para que os seus livros, depois do ataque terrorista a Israel em 7 de outubro de 2023, fossem traduzidos para o hebraico. Por outro lado, fizeram questão, numa espécie de atitude provocatória, de colocar os seus livros disponíveis para tradução na China. Esses autores estão, no fundo, rejeitando o diálogo direto com o público de Israel, o que pode ser interpretado como uma forma de censura ou uma atitude de "silenciamento" do outro lado. Isso é problemático porque, se realmente acreditam num debate construtivo sobre a questão palestina, deveriam estar dispostos a atingir um público mais amplo, incluindo aqueles que possuem um papel central no conflito. A China, para além de ser no mínimo uma ameaça permanente à Europa e à América, não é um modelo democrático ou humanista. Muitos desses ativistas, ao adotarem essa postura, estão a favorecer potências autoritárias em nome de uma luta ideológica simplificada. A simpatia por regimes autoritários, que impõem censura interna e controlo sobre a liberdade intelectual, demonstra uma desconexão com os valores da liberdade e dos direitos humanos, que foi uma criação Europa-América.
Abusos policiais devem ser condenados. Mas a ideia de que uma simples revista de rotina, realizada num contexto de alto risco, seja um trauma intolerável mostra uma desconexão com o mundo real. A polícia não está ali para agradar sensibilidades, mas para garantir a ordem, muitas vezes lidando com situações imprevisíveis e potencialmente perigosas. Esse tipo de discurso vem de pessoas que, em geral, nunca enfrentaram uma situação de perigo real e que enxergam o mundo por uma lente teórica, mais preocupadas com narrativas ideológicas do que com a eficácia prática das instituições. Como se a criminalidade pudesse ser combatida apenas com boas intenções e diálogo. Mas para alguns, parece que a polícia deveria comportar-se como assistentes sociais até mesmo nas situações mais delicadas, ignorando completamente as dinâmicas do crime e da violência. A sociedade atual, especialmente no Ocidente, tornou-se intolerante a qualquer deslize, por menor que seja, transformando gestos impulsivos em batalhas morais.
O beijo de Rubiales foi um ato inadequado? Sem dúvida. Mas a reação desproporcional, com a exigência de sua "execução pública" e a politização extrema do episódio, revela um traço preocupante dos tempos modernos: a ausência de proporcionalidade e de um sentido de perspectiva. Antigamente, situações como essa eram resolvidas com uma chamada de atenção, um pedido de desculpa, e seguia-se em frente. Hoje, porém, há uma necessidade quase ritual de expiação pública, como se cada erro exigisse uma purga simbólica. É o triunfo do moralismo sem nuances, que não distingue entre um gesto inconveniente e uma verdadeira agressão.
Esse tipo de sensibilidade excessiva bloqueia debates importantes e impede que sociedades enfrentem os seus próprios problemas, não da forma como eles são, mas da forma como eles queriam que fosse. No fundo, é um reflexo do nosso tempo: prevalece a emoção sobre a razão, e qualquer desconforto transforma-se num pretexto para vitimização, em vez de ser um ponto de partida para a melhoria. Abrir as fronteiras de braços abertos baseando-se numa espécie de culpa histórica do Ocidente, ignora completamente a realidade da integração e os riscos de um efeito boomerang social e político. A imigração descontrolada, sem critérios ou planeamento, pode gerar bolsas de exclusão, tensões culturais e até radicalização.
O argumento da "dívida histórica" também é problemático. Se formos segui-lo até às últimas consequências, teríamos de reescrever toda a História e redistribuir populações pelo mundo com base em injustiças do passado. Mas o mundo não funciona assim. A responsabilidade de um país é, antes de tudo, com seus próprios cidadãos e com a preservação da ordem social. Isso não significa rejeitar a imigração, mas sim geri-la com critério e sem ilusões.
Essa hipocrisia é uma característica de muitos movimentos ideológicos ocidentais que se autoflagelam. Paradoxalmente, aligeiram impunemente aqueles que são mais repressivos em nome de uma causa política, que muitas vezes acabam sacrificando os próprios princípios. O que falta aqui é uma reflexão honesta sobre as contradições internas de tais posicionamentos, que acabam por ser mais prejudiciais à causa que dizem apoiar do que à posição que criticam. Essa obsessão com questões ideológicas, muitas vezes distantes da realidade concreta, acaba por desvirtuar o empenhamento que importa manter para o bem-estar social e político das pessoas. Fica-se tão preso à "luta simbólica" por causas, como pelo ativismo em torno de uma Palestina que não está isenta das culpas dos seus líderes. Em vez de atenderem às necessidades concretas das pessoas canalizam a energia em batalhas ideológicas que, em muitos casos, não trazem resultados concretos ou melhorias para a vida das pessoas.
Esse distanciamento da realidade é uma característica de boa parte da "esquerda" ideológica atual, que muitas vezes prefere concentrar-se em questões identitárias ou virtuais, em vez de se envolver com o que realmente afeta a maioria das pessoas no dia a dia. Isso, por sua vez, alimenta a sensação de que a política se tornou uma arena de teatro e disputas ideológicas, em vez de um espaço para resolução prática de problemas sociais reais. Além disso, a retórica política baseada em ideologias muitas vezes cria uma espécie de blindagem que impede uma avaliação crítica e objetiva das consequências das políticas que essas pessoas defendem. Quando as propostas ideológicas falham em trazer melhorias reais para a sociedade, esses mesmos indivíduos preferem culpar fatores externos (como a "opressão sistémica" ou uma suposta "conspiração") em vez de reconhecer a sua própria ineficácia. O problema é que isso mina a credibilidade e a eficácia dos movimentos progressistas como um todo, afastando-os daqueles que mais precisariam de soluções pragmáticas e eficazes.
Esta abordagem ideológica, em vez de ajudar, acaba alimentando uma desconexão cada vez maior entre a política e a vida concreta das pessoas, deixando de lado aquilo que realmente poderia mudar as condições de vida de uma forma significativa. Muitas vezes a luta ideológica acaba por ser usada para desviar a atenção de problemas muito mais urgentes, como a corrupção e a má gestão pública. Quando a corrupção não é adequadamente enfrentada e punida, e quando as pessoas condenadas por atos de corrupção são tratadas como exceções ou casos isolados, a sensação de impunidade cresce. Isso cria um círculo vicioso: as instituições enfraquecem, a confiança do público diminui, e o país vai-se desclassificando nos rankings internacionais, refletindo uma degradação no funcionamento da sua democracia e da sua economia.
No entanto, muitos desses mesmos ativistas que se concentram em questões ideológicas ou causas externas, como a Palestina ou a luta contra o "neocolonialismo", frequentemente ignoram ou minimizam problemas internos como a corrupção, a falta de accountability e a ineficiência nas políticas públicas. A retórica ideológica torna-se numa forma de distração, que desvia o sentido de responsabilidade para enfrentar as questões mais prementes da política doméstica. O impacto disso não é pequeno. A falta de ação efetiva contra a corrupção, combinada com o desinteresse em resolver problemas reais, prejudica a estabilidade política e social de um país.
Em vez de fortalecer a democracia e os valores progressistas, essa abordagem ideológica superficial acaba criando uma atmosfera de impunidade e incompetência, onde as reformas necessárias não se concretizam. Quando a gestão política não consegue resolver os problemas concretos da sociedade, a própria credibilidade do sistema entra em colapso, o que prejudica a confiança dos cidadãos e a reputação internacional do país. Esse tipo de contradição é realmente notável, e não deixa de ser um exemplo clássico da hipocrisia que muitas vezes permeia debates ideológicos. A crítica ao uso de botas de pele que têm uma durabilidade impressionante e um impacto ambiental muito menor do que os produtos descartáveis da indústria da moda, ilustra a incoerência de uma visão que se foca em questões superficiais, enquanto ignora a realidade das suas próprias escolhas de consumo.
A ironia é que muitas dessas pessoas, ao se opor a produtos como as botas de pele por motivos éticos, frequentemente compram produtos de grandes corporações, como a Nike, que têm uma história de exploração da mão de obra em países com condições de trabalho extremamente precárias. As suas escolhas de consumo contribuem para sistemas de produção que não só são prejudiciais aos trabalhadores, mas também têm impactos ambientais significativos devido à produção em massa e descarte rápido de produtos. No entanto, essas mesmas pessoas não estão dispostas a enfrentar a complexidade dessa realidade, preferindo se concentrar em símbolos mais visíveis, como o uso de determinados materiais.
É esse tipo de "purismo ideológico" que muitas vezes enfraquece qualquer tipo de movimento progressista. Em vez de encarar a complexidade do mundo e reconhecer que as escolhas de consumo e produção estão interligadas de maneira muito mais profunda e complicada do que se imagina, essas pessoas preferem condenar escolhas individuais que, na prática, têm um impacto muito menor do que as suas próprias decisões de consumo em escala global. A verdadeira mudança exige uma reflexão profunda e uma ação que vá além de atitudes superficiais ou gestos simbólicos. O que fica evidente é que, ao invés de realmente abordar os problemas sistémicos de uma forma prática, essas críticas muitas vezes se tornam uma forma de "purificação moral" que ignora as implicações mais amplas e complexas das escolhas que todos fazemos, incluindo os próprios críticos.
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