Há razoabilidade na crítica que se faz a certas correntes ideológicas contemporâneas, especialmente aquelas que se deixam levar por uma visão moralista e idealista da política, sem levar em conta as duras realidades do poder. Há uma tendência, em certos círculos progressistas, de acreditar que a política pode ser conduzida apenas pelo imperativo moral, ignorando as estruturas de poder, os interesses estratégicos e as limitações inerentes à natureza humana e às sociedades. Maquiavel já alertava para a diferença entre o que deveria ser e o que realmente é. Ele argumentava que um governante eficaz deve entender a natureza instável e muitas vezes cruel do mundo político, sabendo equilibrar a moral com a necessidade. O erro de alguns bem-pensantes é acreditar que basta estar do lado "certo" da História para que as coisas funcionem, como se o simples apelo à justiça social fosse suficiente para ter razão.
Essa mentalidade, de certa forma, reflete a formação de muitos intelectuais, que se intitulam de esquerda, que passaram por instituições de elite e, muitas vezes, veem o mundo como uma extensão do meio académico e burguês no qual cresceram. Como consequência, tendem a subestimar a importância do realismo político, da negociação dura e da própria ambiguidade moral que permeia o jogo do poder. Isso ilustra bem o abismo entre a visão idealista de certos setores do espectro político e realidade concreta do mundo. Maquiavel diria que a ordem vem antes da justiça, porque sem ordem não há justiça possível. Que a política não pode ser movida apenas por ideais abstratos. Se não houver um controlo racional, o próprio sistema pode colapsar, alimentando reações xenófobas e fortalecendo políticos populistas, que depois serão os mesmos que esses bem-pensantes tanto temem.
O efeito boomerang está aí para quem quiser ver. Essa é a grande questão. Se aceitarmos o argumento da "dívida histórica" como justificação para políticas migratórias irrestritas, então nunca haverá um momento em que essa dívida estará quitada. Pelo contrário, quanto mais concessões são feitas, mais se reforça a ideia de que o Ocidente tem uma culpa infinita a expiar. Uma culpa que nunca poderá ser completamente redimida. O mais curioso é que essa lógica parece ignorar que a História não é um tribunal com sentenças eternas. As potências ocidentais cometeram abusos no passado? Sim. Mas também foram responsáveis por avanços científicos, tecnológicos e sociais que beneficiaram o mundo inteiro. Além disso, muitas das nações que hoje enviam emigrantes também tiveram histórias de conquistas, escravidão e dominação sobre outros povos. Para não ir mais longe temos o caso do Império Otomano, que foi quem dominou antes a Palestina. Então, porque é que só o Ocidente deve carregar esse fardo perpétuo?
Pensamentos como esse nunca chegam a resolver problema nenhum. Em vez de resolver, perpetuam o problema e o sentimento de culpa. E quanto mais essa narrativa se espalha, mais ela alimenta ressentimentos. Os ocidentais começam a se cansar de carregar um peso que não pediram. Se essa "dívida" nunca pode ser quitada, então talvez seja hora de questionar se ela faz sentido nos termos em que é apresentada. Afinal, sociedades saudáveis não vivem de autoflagelação, mas sim de projetos de futuro baseados na realidade e não em penitências simbólicas. Essa narrativa que demoniza exclusivamente os europeus ignora o facto de que todos os povos, em algum momento da História, conquistaram, escravizaram e cometeram atrocidades. O Império Otomano, os mongóis, os árabes, os chineses, os astecas, os zulus — todos tiveram períodos de expansão violenta e dominação sobre outros povos. Mas, curiosamente, a culpa histórica parece ser um fardo reservado apenas aos europeus e seus descendentes. Além disso, essa visão seletiva esquece ou minimiza as enormes contribuições europeias para a humanidade: a ciência moderna, os direitos humanos, a filosofia iluminista, a Revolução Industrial, a medicina, a democracia representativa. É como se o Ocidente fosse julgado apenas pelos seus erros e nunca pelos seus acertos.
Tudo isto tem muito a ver com o próprio sucesso do Ocidente. Como dominou o mundo por séculos, ele se tornou o alvo preferencial de críticas. E, paradoxalmente, foi o próprio pensamento crítico ocidental, vindo de sua tradição filosófica e humanista, que deu origem a essa autoconsciência hipercrítica que hoje o coloca na berlinda. Nenhuma outra civilização produziu uma crítica tão feroz contra si mesma. No fundo, essa autoflagelação não tem fim porque, para alguns, admitir que o Ocidente também teve méritos significaria abandonar uma narrativa conveniente, que dá à culpa um valor político e ideológico. Mas a História não é um tribunal moral. Ela é complexa, cheia de zonas cinzentas, e reduzir tudo a um esquema simplista de "vilões e vítimas" é um erro que impede um entendimento mais profundo do mundo.
O Ocidente está doente com uma doença que Ele próprio criou. Vítima de um excesso de consciência histórica, em vez de servir de ensinamento, tornou-se um fardo paralisante. Essa necessidade de expiação, levada ao extremo, faz lembrar as fraquezas que levaram grandes civilizações à decadência. O peso da culpa enfraquece a confiança em si, degradando a coesão social. Essa autoflagelação não é natural nem universal. Outras civilizações, mesmo tendo cometido atrocidades, não vivem com amarguras dessas. Os turcos não pedem desculpa dia sim dia não pelo Império Otomano. Os árabes não batem no peito pelo tráfico de escravos que dominaram por séculos. E a China não se angustia pelos massacres e repressões de seu passado imperial. Apenas o Ocidente parece viver nessa eterna penitência.
Essa doença, para além dos sintomas de cansaço, é suicidária. Porque uma sociedade que se vê como culpada por existir acaba abrindo mão da sua própria defesa, de seus valores e até de sua continuidade. Já bastando ser atacado pelos seus inimigos externos, ainda agrava as suas fraquezas com autoflagelações. Maquiavel diria que uma civilização que deixa de acreditar em si encaminha-se inexoravelmente para o precipício. A autoflagelação tem os seus fautores: os paladinos ativos de uma contracultura gerada nos ‘campus’ universitários e outros areópagos culturais que se derramaram nos relvados dos centros das melhores capitais. É a contracultura das ‘novas identidades’, novas categorias de pertencimento, muitas vezes elevadas a um estatuto quase sagrado. Ora, isso despertou o demónio que estava adormecido: o nacionalismo identitário. Se o nacionalismo, que em sua forma saudável representa um sentimento de continuidade histórica e pertencimento a uma cultura comum, também tem a sua forma doentia, que se demoniza pela opressão.
O curioso é que as novas identidades estão a começar a deixar de ser enaltecidas. Isso gerou um paradoxo: as mesmas sociedades que promoveram essa nova mentalidade são as que, ironicamente, estão agora mais vulneráveis às forças que querem manter as antigas identidades de pertença. Essa fragmentação não seria um problema em si, se não fosse acompanhada de ataques de parte a parte. Os identitários nacionalistas europeus rebelaram-se contra a destruição deliberada dos alicerces culturais que sustentaram as sociedades ocidentais por séculos. Porque acreditam que, no longo prazo, uma sociedade que não acredita em si mesma se torna incapaz de se defender, tanto cultural como geopoliticamente. Quando uma civilização passa a negar os seus próprios fundamentos e troca um sentido de identidade coletiva por uma fragmentação constante, ela se enfraquece e se torna presa fácil de forças mais determinadas e coesas. O destino do Ocidente dependerá de sua capacidade de reencontrar um equilíbrio entre abertura e preservação do essencial. Essa postura é um exemplo claro de um tipo de ativismo ideológico que, muitas vezes, parece não ser guiado por uma lógica de coerência ou autenticidade intelectual, mas sim por uma agenda política que, paradoxalmente, pode mostrar-se contraditória.
Pensamentos como esse nunca chegam a resolver problema nenhum. Em vez de resolver, perpetuam o problema e o sentimento de culpa. E quanto mais essa narrativa se espalha, mais ela alimenta ressentimentos. Os ocidentais começam a se cansar de carregar um peso que não pediram. Se essa "dívida" nunca pode ser quitada, então talvez seja hora de questionar se ela faz sentido nos termos em que é apresentada. Afinal, sociedades saudáveis não vivem de autoflagelação, mas sim de projetos de futuro baseados na realidade e não em penitências simbólicas. Essa narrativa que demoniza exclusivamente os europeus ignora o facto de que todos os povos, em algum momento da História, conquistaram, escravizaram e cometeram atrocidades. O Império Otomano, os mongóis, os árabes, os chineses, os astecas, os zulus — todos tiveram períodos de expansão violenta e dominação sobre outros povos. Mas, curiosamente, a culpa histórica parece ser um fardo reservado apenas aos europeus e seus descendentes. Além disso, essa visão seletiva esquece ou minimiza as enormes contribuições europeias para a humanidade: a ciência moderna, os direitos humanos, a filosofia iluminista, a Revolução Industrial, a medicina, a democracia representativa. É como se o Ocidente fosse julgado apenas pelos seus erros e nunca pelos seus acertos.
Tudo isto tem muito a ver com o próprio sucesso do Ocidente. Como dominou o mundo por séculos, ele se tornou o alvo preferencial de críticas. E, paradoxalmente, foi o próprio pensamento crítico ocidental, vindo de sua tradição filosófica e humanista, que deu origem a essa autoconsciência hipercrítica que hoje o coloca na berlinda. Nenhuma outra civilização produziu uma crítica tão feroz contra si mesma. No fundo, essa autoflagelação não tem fim porque, para alguns, admitir que o Ocidente também teve méritos significaria abandonar uma narrativa conveniente, que dá à culpa um valor político e ideológico. Mas a História não é um tribunal moral. Ela é complexa, cheia de zonas cinzentas, e reduzir tudo a um esquema simplista de "vilões e vítimas" é um erro que impede um entendimento mais profundo do mundo.
O Ocidente está doente com uma doença que Ele próprio criou. Vítima de um excesso de consciência histórica, em vez de servir de ensinamento, tornou-se um fardo paralisante. Essa necessidade de expiação, levada ao extremo, faz lembrar as fraquezas que levaram grandes civilizações à decadência. O peso da culpa enfraquece a confiança em si, degradando a coesão social. Essa autoflagelação não é natural nem universal. Outras civilizações, mesmo tendo cometido atrocidades, não vivem com amarguras dessas. Os turcos não pedem desculpa dia sim dia não pelo Império Otomano. Os árabes não batem no peito pelo tráfico de escravos que dominaram por séculos. E a China não se angustia pelos massacres e repressões de seu passado imperial. Apenas o Ocidente parece viver nessa eterna penitência.
Essa doença, para além dos sintomas de cansaço, é suicidária. Porque uma sociedade que se vê como culpada por existir acaba abrindo mão da sua própria defesa, de seus valores e até de sua continuidade. Já bastando ser atacado pelos seus inimigos externos, ainda agrava as suas fraquezas com autoflagelações. Maquiavel diria que uma civilização que deixa de acreditar em si encaminha-se inexoravelmente para o precipício. A autoflagelação tem os seus fautores: os paladinos ativos de uma contracultura gerada nos ‘campus’ universitários e outros areópagos culturais que se derramaram nos relvados dos centros das melhores capitais. É a contracultura das ‘novas identidades’, novas categorias de pertencimento, muitas vezes elevadas a um estatuto quase sagrado. Ora, isso despertou o demónio que estava adormecido: o nacionalismo identitário. Se o nacionalismo, que em sua forma saudável representa um sentimento de continuidade histórica e pertencimento a uma cultura comum, também tem a sua forma doentia, que se demoniza pela opressão.
O curioso é que as novas identidades estão a começar a deixar de ser enaltecidas. Isso gerou um paradoxo: as mesmas sociedades que promoveram essa nova mentalidade são as que, ironicamente, estão agora mais vulneráveis às forças que querem manter as antigas identidades de pertença. Essa fragmentação não seria um problema em si, se não fosse acompanhada de ataques de parte a parte. Os identitários nacionalistas europeus rebelaram-se contra a destruição deliberada dos alicerces culturais que sustentaram as sociedades ocidentais por séculos. Porque acreditam que, no longo prazo, uma sociedade que não acredita em si mesma se torna incapaz de se defender, tanto cultural como geopoliticamente. Quando uma civilização passa a negar os seus próprios fundamentos e troca um sentido de identidade coletiva por uma fragmentação constante, ela se enfraquece e se torna presa fácil de forças mais determinadas e coesas. O destino do Ocidente dependerá de sua capacidade de reencontrar um equilíbrio entre abertura e preservação do essencial. Essa postura é um exemplo claro de um tipo de ativismo ideológico que, muitas vezes, parece não ser guiado por uma lógica de coerência ou autenticidade intelectual, mas sim por uma agenda política que, paradoxalmente, pode mostrar-se contraditória.
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