sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Querer


O querer na vita ativa tem de ser preservado, mesmo sabendo quão problemática é a noção de vontade e ação espontânea. Na obra de Hannah Arendt, a noção de querer na vita ativa é fundamental e deve ser preservada, mesmo que a ideia de vontade livre e de ação espontânea apresente desafios. A vita ativa é um dos conceitos centrais na filosofia de Arendt, e engloba três atividades humanas principais: labor, trabalho e ação. Entre essas, a ação é a mais elevada porque é onde a verdadeira liberdade e o poder de iniciar algo novo se manifestam.

A vontade, o querer, tem um papel crucial, pois é a faculdade que o ser humano tem para agir. Para Arendt, a ação é essencialmente espontânea e se distingue por sua imprevisibilidade e capacidade de criar algo inédito. No entanto, a noção de "vontade livre" é, de facto, problemática. Ela reconhece as dificuldades filosóficas em torno da ideia de liberdade e de vontade, especialmente diante das forças sociais, históricas e internas que influenciam as decisões humanas. Esse dilema remonta a pensadores como Santo Agostinho, que identificava a vontade como um aspeto da alma humana em conflito. Nietzsche questionou o próprio conceito de livre-arbítrio.

Ainda assim, para Arendt, é vital preservar a vontade e a capacidade de ação espontânea, pois é por meio delas que se mantém a dignidade e a responsabilidade da vida pública e política. A espontaneidade da ação é a essência da liberdade humana e, sem ela, os indivíduos se tornam sujeitos à repetição automática de normas e estruturas, incapazes de mudança ou inovação. A vontade e a ação permitem que as pessoas rompam com o ciclo de necessidades e circunstâncias preestabelecidas, conferindo-lhes o poder de começar algo novo, uma das características mais importantes da condição humana.

Arendt reconhece que a liberdade é difícil de definir e alcançar de forma plena, especialmente em sociedades complexas onde normas, costumes e sistemas de poder limitam a ação individual. No entanto, para ela, essa dificuldade não anula a importância de aspirar à liberdade e ao querer que a acompanha. A preservação da vontade na vita ativa é, portanto, uma resistência à passividade e à conformidade, um esforço para manter viva a capacidade humana de julgamento, iniciativa e renovação. Assim, mesmo que a vontade livre e a ação espontânea sejam conceptualmente desafiadoras e sujeitas a múltiplas interpretações, elas são elementos fundamentais na visão de Arendt para que a ação política e a liberdade não se percam. Sem a preservação do "querer" e da ação, a vita ativa se reduziria ao trabalho e ao labor, perdendo sua dimensão mais humana e política, que é a de participar na criação do mundo comum e na construção de novas realidades.

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