Parece que estamos num novo ciclo de efervescência social, em que manifestações se tornam quase um reflexo automático diante de qualquer questão política, económica ou social. Isso pode ser visto como um sintoma de insatisfação difusa, mas também como um sinal de que as sociedades estão fragmentadas e polarizadas, sem canais institucionais eficazes para a resolução de conflitos.
Já houve momentos assim na História – o Maio de 68 na França, as grandes manifestações nos EUA contra a Guerra do Vietname, ou até mais recentemente, os protestos de 2011 (Primavera Árabe, Indignados na Espanha, Occupy Wall Street). O problema é que muitos desses movimentos, apesar da mobilização intensa, não conseguiram produzir mudanças estruturais duradouras, porque lhes faltava um projeto claro ou porque foram cooptados pelo sistema.
Muitas vezes, agitar águas pantanosas apenas espalha o lodo sem purificá-las. A sensação de constante agitação pode criar a ilusão de mudança, quando, na verdade, só amplia o caos e a desorientação coletiva. O problema é que essas manifestações, muitas vezes sem liderança clara ou objetivos realistas, acabam em terreno fértil para oportunistas, ou populistas, sejam políticos ou grupos que se aproveitam da confusão para ganhar influência. Além disso, o desgaste provocado por protestos contínuos pode levar à banalização do próprio ato de manifestação, tornando-o inócuo, esvaziado de qualquer impacto significativo. E no fundo, há um efeito colateral preocupante: em vez de canalizar as energias para soluções construtivas, o excesso de manifestações pode contribuir para um cansaço generalizado e uma descrença na possibilidade de qualquer transformação real.
Pode haver muitas razões legítimas para protestar, mas, quando a estrutura social já está corroída, gritar não muda nada — apenas dá mais ruído ao colapso. Lembra o fim de outras civilizações que chegaram a um ponto em que a contestação se tornou permanente, mas sem força para evitar o desmoronamento. No fim do Império Romano do Ocidente, por exemplo, havia revoltas, protestos e disputas internas constantes, mas nada disso reverteu a decadência. O mesmo aconteceu na União Soviética nos anos 80: o povo podia estar insatisfeito, mas já não havia energia coletiva para salvar o sistema.
Ao cidadão comum, eu diria de bom senso, o melhor é abrigar-se e deixar os foguetes passar por cima até os ânimos acalmarem. Quando a irracionalidade toma conta das ruas e das instituições, muitas vezes o melhor é ter a prudência do velho camponês: cuidar da própria casa, manter-se discreto e esperar que a poeira assente. Os grandes ciclos históricos mostram que momentos de agitação raramente trazem benefícios imediatos para o cidadão comum. São tempos perigosos, onde quem grita mais alto nem sempre tem razão, e onde a violência e a destruição muitas vezes substituem qualquer possibilidade de reforma real.
A História mostra que nova ordem virá, e aqueles que conseguirem adaptar-se têm mais probabilidade de encontrar um lugar nela. O darwinismo filosófico faz todo o sentido: a sobrevivência, mais do que a resistência cega, depende da capacidade de ler os sinais da mudança e ajustar-se ao inevitável. E há algo libertador no reconhecimento da nossa própria insignificância no meio das colossais forças da História. Se o nosso impacto é do tamanho de um nanómetro, talvez o melhor seja agir como tal: discreto, eficiente e resiliente. A poeira das grandes transições pode ser sufocante para quem se expõe demais, mas para quem sabe esperar, ela eventualmente assenta.
A História ensina que nenhuma nova ordem mundial nasce do nada ou apenas da vontade popular — ela é sempre o resultado de confrontos a que a correção chama negociações entre as grandes potências. O equilíbrio de forças é o que define o rumo do mundo, seja pela diplomacia, seja pela guerra. O curioso é que, apesar das mudanças tecnológicas e sociais, o mecanismo continua o mesmo desde a Paz de Vestfália. Depois veio o Congresso de Viena; Versalhes; Yalta; Potsdam. Agora, com o declínio da hegemonia ocidental e a ascensão de novos polos de poder, especialmente a China e os BRICS, a tendência é que essa nova ordem seja moldada mais por interesses multipolares do que por uma única potência dominante.
É claro que não será pacífica, a avaliar pelos protagonistas ainda existentes. Mandela aparece um de cem em cem anos. Os protagonistas atuais não têm nem a grandeza de um Mandela nem a visão de um Metternich ou um Roosevelt. O que vemos são líderes movidos por interesses imediatistas, nacionalismos exacerbados e uma obsessão pelo curto prazo. Isso torna quase impossível uma transição pacífica. Quando olhamos para o grande esquema das coisas, tudo isso é apenas uma dança efémera antes da entropia final. No longo prazo, nem impérios, nem ideologias, nem civilizações escapam ao destino comum da matéria e da vida. E nós, enquanto estamos por aqui, só podemos observar, adaptar-nos e, quem sabe, deixar um ou outro vestígio insignificante antes do silêncio absoluto.
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