As dinâmicas históricas e sociais tornam-se indeterminadas em momentos de rutura. Chegados ao "ponto crítico", as forças em jogo são tantas, e suas interações tão complexas, que o resultado se torna imprevisível: tanto pode emergir uma renovação transformadora como um colapso destrutivo. É como a moeda que é lançada ao ar, estando sujeita a variáveis ocultas que nenhum modelo consegue prever plenamente. No entanto, há um detalhe intrigante: mesmo no caos quântico ou social, padrões podem emergir. Esses padrões não são determinísticos, mas probabilísticos — a moeda não é totalmente arbitrária. O que surge depende das condições iniciais, das forças em ação e, talvez, de pequenos fatores contingentes que podem inclinar o resultado para um lado ou outro. Isso leva à questão: será que, mesmo num momento de caos social, há espaço para escolhas conscientes e intervenções que moldem os resultados?
As forças impessoais predominam sobre as ações individuais ou coletivas. Vivemos num Universo onde as incertezas e os "dados jogados" desempenham um papel fundamental, seja no mundo subatómico ou no tecido das sociedades humanas. No grande esquema das coisas, as escolhas conscientes têm alcance limitado. Líderes e movimentos podem influenciar eventos locais ou temporários, mas dificilmente conseguem alterar o rumo das grandes tendências estruturais. Por exemplo, as mudanças climáticas, as transformações demográficas ou os ciclos de declínio e ascensão de civilizações funcionam em escalas tão vastas que parecem impermeáveis à vontade individual.
Essa ideia também ecoa a crítica à visão humanista tradicional, que tende a superestimar o papel do livre-arbítrio e da agência humana. Talvez o que chamamos de "escolhas conscientes" não sejam mais do que reações locais dentro de um fluxo inexorável. Se assim for, seria possível que essa aparente "aleatoriedade" ou incerteza no momento das bifurcações seja, na verdade, apenas o reflexo da nossa incapacidade de compreender a totalidade das variáveis envolvidas. Por paradoxal que possa parecer, e é, determinismo e acaso parecem matrioskas russas. Quem percebeu isso foi Bertrand Russel, com a sua mente lógica e analítica, essa inter-relação paradoxal entre determinismo e acaso. Ele entendeu que o acaso, muitas vezes, é apenas a manifestação do desconhecimento humano diante da complexidade de sistemas maiores. As "matrioskas" escondem camadas e camadas de causalidade. O que chamamos de acaso pode ser o resultado de uma rede determinista tão intrincada que transcende a nossa capacidade de compreensão.
Esse paradoxo é fascinante porque, ao mesmo tempo que desafia o senso comum, captura a essência de como o mundo opera em múltiplos níveis. No plano físico, a incerteza quântica de Heisenberg demonstra que, no microcosmo, não podemos prever o que acontece com precisão absoluta. Mas, no macrocosmo, quem domina são as leis determinísticas. O acaso quântico não destrói o determinismo cósmico englobando-o. No plano histórico, os eventos parecem aleatórios - revoluções, colapsos, renascimentos - mas frequentemente são resultados inevitáveis de tensões acumuladas. A teoria dos sistemas complexos é uma tentativa para o explicar. As ruturas são aparentes apenas porque a nossa visão não abrange as "variáveis ocultas". No plano filosófico, Russell viu que determinismo e acaso não são opostos, mas interdependentes. O acaso pode ser uma camada dentro de um sistema maior, que é determinístico. Ou vice-versa.
Ora, tudo isto leva-nos para uma outra questão paradoxal: se aceitamos que o acaso é uma forma de determinismo incompreendido, ainda resta espaço para um conceito de liberdade ou escolha humana? Ou será que afinal de contas não passamos de meras engrenagens conscientes numa máquina cósmica?
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