É interessante lermos Ibn al-Qalanisi para percebermos que os franceses (os Franj como eram conhecidos no Levante) têm ligação à Síria desde os tempos das Cruzadas. Ibn al-Qalanisi (1071–1160) foi um historiador e escritor de Damasco. Morreu em Damasco e foi sepultado ao pé do Monte Qasioun. A leitura de autores como Ibn al-Qalanisi é essencial para compreendermos as dinâmicas históricas e culturais entre o Ocidente e o Médio Oriente. Em "História de Damasco" (Dhail Ta’rikh Dimashq), ele oferece uma visão valiosa sobre a interação entre os sírios e os Cruzados, conhecidos como Franj (ou Francos) no mundo islâmico. O relato de Ibn al-Qalanisi revela a complexidade dessas relações, que iam além do simples antagonismo, incluindo alianças estratégicas, trocas culturais e momentos de convivência.
Os francos, como parte das várias forças que formavam os Cruzados, estabeleceram estados latinos na região durante o período das Cruzadas (1096–1291), como o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia e o Reino de Jerusalém. Essas ligações permaneceram na memória histórica, e posteriormente, durante o período do Mandato Francês na Síria e no Líbano (1920–1946), as relações franco-sírias reemergiram sob uma nova configuração de poder colonial. O estudo de Ibn al-Qalanisi também nos permite entender como os povos da região percebiam os Cruzados, não apenas como invasores religiosos, mas também como atores políticos que interagiam com as dinâmicas locais, negociando com emirados islâmicos e se inserindo nos conflitos internos da região. Essa continuidade histórica, que vai das Cruzadas ao período colonial, reforça a longa e complexa relação entre a França e a Síria, marcada por momentos de confronto, dominação e intercâmbio.
Nureddin (Nur ad-Din Mahmud Zangi) foi uma figura central durante o período das Cruzadas e desempenhou um papel crucial na resistência islâmica contra os Franj. Como governante de Alepo e, posteriormente, de Damasco, foi fundamental na unificação das forças islâmicas na Síria e na preparação do terreno para o sucesso de Saladino (Salah ad-Din al-Ayyubi), seu sucessor político e militar. Nureddin destacou-se na consolidação do controlo sobre as principais cidades sírias, como Alepo e Damasco, reduzindo as divisões internas entre os muçulmanos que frequentemente enfraqueciam a resistência contra os Cruzados. Nureddin não era apenas um líder militar, era também um reformador religioso. Ele promoveu o conceito de jihad como um esforço coletivo para expulsar os Cruzados e proteger o Islão. Além disso, foi um governante justo, promovendo reformas administrativas que garantiram estabilidade nos territórios que governava.
Nureddin obteve várias vitórias importantes contra os Cruzados, enfraquecendo significativamente os estados latinos na região. A sua vitória em Edessa (1144) foi um marco importante, pois resultou na reconquista do primeiro estado franco. Nureddin nomeou Saladino como seu representante no Egito, o que permitiu a união das forças sírias e egípcias contra os franceses. Embora Saladino se tornasse independente após a morte de Nureddin, é inegável que a base de poder foi construída sobre os alicerces criados por Nureddin. Ele construiu hospitais, escolas e mesquitas, incluindo a Madrasa Nuriyya em Damasco, que simbolizava o compromisso com o fortalecimento do Islão. Nureddin foi, sem dúvida, um dos grandes líderes da resistência islâmica contra os cristãos, combinando habilidades militares, políticas e religiosas. Sua visão de unificar o mundo islâmico frente à ameaça estrangeira moldou a história da época e pavimentou o caminho para as conquistas de Saladino.
Luís VII (1120–1180), rei da França de 1137 a 1180, também desempenhou um papel importante na época das Cruzadas, especialmente como um dos líderes da Segunda Cruzada (1147–1149). Seu envolvimento marcou um dos momentos em que a França reforçou a ligação histórica com o Levante, mas a campanha foi amplamente considerada um fracasso estratégico e militar. A Segunda Cruzada foi convocada em resposta à queda do Condado de Edessa para as forças de Nureddin em 1144, o que chocou a cristandade ocidental. Sob a influência de Bernardo de Claraval, Luís VII decidiu participar na Cruzada, tanto por devoção religiosa como por desejo de consolidar o seu papel como defensor da cristandade.
Luís VII liderou um exército ao lado de Conrado III, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Contudo, a cruzada foi marcada por dificuldades logísticas, confrontos com os bizantinos, e pesadas derrotas, especialmente na travessia da Anatólia, onde as forças dos Cruzados foram dizimadas pelas tropas muçulmanas. Ao chegar a Jerusalém, Luís participou de uma campanha para atacar Damasco (1148), mas a expedição foi mal organizada e fracassou em tomar a cidade, que era então um aliado potencial contra Nureddin. Esse insucesso marcou o fim da Segunda Cruzada, enfraquecendo ainda mais a posição dos estados francos na região. O fracasso da cruzada minou o prestígio de Luís VII, como líder militar, embora ele tenha mantido a sua imagem de monarca piedoso.
No contexto da oposição a figuras como Nureddin, o reinado de Luís VII destaca a luta desigual entre um mundo islâmico em processo de unificação e os Cristãos ocidentais fragmentados e mal preparados para sustentar os domínios a Oriente. Embora Luís VII não tenha alcançado grandes feitos militares, a cruzada reforçou os laços históricos e simbólicos da França com a Síria e a Terra Santa. Os cruzados franceses, conhecidos como Franj, desempenharam um papel predominante nos estados latinos, e a influência cultural, económica e religiosa dos franceses nessa região perdurou. A relação com a esposa, Leonor de Aquitânia, também se deteriorou durante a Cruzada. O casamento foi anulado pouco depois, em 1152, indo Leonor casar com Henrique II da Inglaterra, desencadeando rivalidades que moldariam um conflito entre a França e a Inglaterra por várias gerações.
Conrado III (1093–1152), rei dos Alemães e primeiro monarca da dinastia Hohenstaufen, foi um dos líderes da Segunda Cruzada ao lado de Luís VII da França. A participação nessa cruzada, embora bem-intencionada, foi marcada por dificuldades militares e políticas que acabaram prejudicando tanto o esforço cruzado quanto a reputação das lideranças cristãs na época. A queda do Condado de Edessa havia convocado Bernardo de Claraval, e Conrado era profundamente religioso. Daí tre decidido também juntar-se com forças germânicas para libertar a Terra Santa. Conrado III liderou um grande exército pela rota terrestre, atravessando o Império Bizantino. Contudo, as relações com os bizantinos eram tensas, com desconfianças mútuas. O imperador bizantino Manuel I Comneno chegou a guiar os cruzados alemães por rotas perigosas, com o argumento que era para os proteger do inimigo islâmico, mas o fito era para minimizar o impacto da barbárie no seu território. Na Anatólia, as forças de Conrado tiveram uma logística muito desastrosa, o que os fez cair numa série de ataques dos turcos seljúcidas que foram devastadores. Na batalha perto de Dorylaeum (1147), o exército alemão foi praticamente todo dizimado. Conrado teve de voltar para trás e refugiar-se em Constantinopla.
Depois de perder grande parte de seu exército, Conrado uniu forças com Luís VII para entrarem em Jerusalém. Mas a campanha também primou na desorganização. Ambos os reis participaram do malfadado cerco de Damasco em 1148, que terminou num fracasso total. Conrado bem tentou, mas fracassou completamente no seu desejo de fortalecer o Sacro Império Romano-Germânico. Sua relação com Luís VII, inicialmente cordial, acabou em profundas divergências estratégicas. Fracassou militarmente, mas salvou a Cristandade numa Europa unida à volta do Papa. O que inspirou gerações posteriores. Ele também preparou o caminho para que o seu sobrinho - Frederico Barba Ruiva - lhe sucedesse.
Muinuddin (Mu'in ad-Din Unur), emir de Damasco entre 1140 e 1149, foi uma figura política e militar crucial durante o período das Cruzadas, especialmente na interação entre as potências muçulmanas e os estados cruzados. Ele é lembrado principalmente por sua habilidade diplomática, que permitiu a Damasco sobreviver a várias ameaças, incluindo a pressão de Nureddin e os ataques dos cruzados liderados por Luís VII e Conrado III na Segunda Cruzada. Mu'in ad-Din adotou uma política pragmática em relação aos Cruzados. Durante o seu governo, Damasco estava sob ameaça tanto dos Cruzados como de Nureddin, que tentava consolidar o controlo muçulmano na Síria. Para evitar ser esmagado por ambos os lados, o emir manteve uma relação de cooperação ocasional com os Cruzados, pagando tributos e estabelecendo alianças temporárias para garantir a sobrevivência de seu emirado.
Muinuddin mobilizou as defesas da cidade de forma exemplar, utilizando o apoio das fortificações e do terreno. Ele também pediu ajuda a Nureddin, que enviou tropas para pressionar os Cruzados. O cerco, que durou apenas alguns dias, terminou em fracasso devido à desorganização dos Cruzados e à resistência bem-sucedida das forças de Damasco. Como se disse, esse evento marcou o colapso da Segunda Cruzada. Muinuddin foi um mestre da realpolitik. Ele soube equilibrar a relação com Nureddin e os Cruzados, garantindo que Damasco permanecesse independente durante a sua administração. Nureddin só conquistou a cidade em 1154, após a morte de Muinuddin.
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