sexta-feira, 27 de março de 2020

Contos da senescência a retalho


É preciso distinguir entre sobrevivência - que consiste no prolongamento da vida; e imortalidade propriamente dita, ou seja, a vida eterna. Procurar estratagemas para estender até ao máximo a duração da existência, é um propósito que sempre ocupou o engenho humano. Por exemplo, a Sibila de Delfos pediu a Apolo a imortalidade. E Apolo cumpriu. É claro que Sibila padeceu os horrores de uma interminável senescência, até acabar num grilo embalsamado, um brinquedo de criança. Os putos com o grilo metido em caixas de fósforo, chocalhavam perguntando entre gritos e gargalhadas: "Sibila . . . o que é que queres?" E encostando a caixa ao ouvido, escutavam num choro agonizante: "Quero morrer, quero morrer!" Para que seja realmente atrativa e desejável, a longevidade tem de evitar não apenas a morte, mas também os piores estragos do envelhecimento.

A Geriatria é a especialidade médica que trata das doenças, ou do não normal processo de envelhecimento de uma pessoa. E a Gerontologia é o estudo científico e social dos fenómenos decorrentes do envelhecimento humano. Assim, senescência é o processo de envelhecimento. Um senescente é todo aquele ou aquela que está a atravessar o normal processo de envelhecimento. E contar uma longa história a retalho é libertá-la a pouco e pouco, em quantidades pequenas.

O Feliz – chamemos-lhe assim, um nome fictício, um nickname –, um colega e amigo, entra em cena, já lá vão uns anitos, gozou comigo quando me viu numas imagens do telejornal da RTP, a dar conta do V Congresso Português de Geriatria a decorrer no Hotel Penta em Lisboa, sentado na primeira fila ao lado do então Presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia – Dr. José Reis Júnior. Eu com 31 anos de idade e o Dr. José Reis Jr. – 76. Esse congresso foi em outubro de 1984. Faço aqui um parêntese para dizer que o Dr. José Reis Jr. Faleceu em 2012 com 104 anos de idade.

Eu nessa altura ainda estava no 2º ano de internato de Medicina Interna. O meu interesse pela Geriatria despertou para a minha formação depois de ter verificado que oitenta por cento dos doentes internados na minha enfermaria no ano anterior tinham mais de 65 anos de idade, com infeções respiratórias e doença vascular cerebral. O último Congresso Português de Geriatria, o 40º, realizou-se de 4 a 6 de dezembro de 2019 em Lisboa no Centro Ismaili. Fez-se uma revisão compreensiva e inovadora dos últimos desenvolvimentos da Medicina Geriátrica, em áreas como o Envelhecimento Demográfico, a Patologia do Sono, a Síndrome de Fragilidade, a Incontinência, a Depressão, a Dor, a Hipertensão, as Infeções Respiratórias, as Disritmias, a Doença Vascular, a Medicação, e as Demências.

Entretanto o tempo foi passando até que o Feliz aos 50 foi acometido por um enfarte do miocárdio. A partir daqui teve que gerir o envelhecimento e as suas realidades angustiantes com estoicismo, porque estava fora de questão abrandar a atividade profissional que exercia até à exaustão. Aos 65 sobreveio um cancro da bexiga. E aos 70 um cancro do pulmão. Mas ficou feliz por entretanto a lei não obrigar os médicos com mais de 70 anos a deixar de trabalhar. E por isso agradeceu ao Administrador do hospital, ainda por cima, por o ter contratado para continuar a trabalhar. A surdez resolveu-a com a compra do aparelho auditivo mais topo de gama que havia no mercado dos EUA. Depois submeteu-se à operação das cataratas pelo oftalmologista com maior fama a nível internacional. E resolveu o problema dos dentes com onze implantes. O que lhe dá alento é ter o mesmo objetivo de sempre: ajudar de alguma maneira as pessoas.

Do inventário das especialidades médicas registadas na Ordem dos Médicos, a 31/12/2019 – constam 81 médicos/as com a especialidade de Geriatria, num total de 62.574 médicos. Para sermos mais rigorosos a Geriatria na Ordem dos Médicos ainda é considerada uma competência, não uma especialidade como as outras, como por exemplo a Medicina Interna com 2.847 médicos/as. 

Existe a Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia, secção da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, fundada em 1951 pelo Dr. José Reis Jr. Desde então, a Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia (SPGG) esteve sempre representada até ao final da década de 80 pelo seu fundador em todos os Congressos Mundiais, organizados pela International Association of Gerontology, da qual o Dr. José Reis Jr. foi um dos fundadores e membro do seu Conselho Directivo. No início da década de 80, precisamente em Outubro de 1980, deu-se início à realização anual, até hoje, do Congresso Português de Geriatria e GerontologiaSPGG é uma instituição sem fins lucrativos que tem como objetivo estudar os aspetos clínicos, preventivos e sociais da doença nas idades avançadas, de forma a garantir mais saúde e melhores cuidados aos doentes idosos.


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