quarta-feira, 25 de março de 2020

Se este vírus não é um génio maligno . . .


O verdadeiro realismo da espécie humana é esta vigília global: uma forma mais humilde de olhar o mundo que consiste em não esperar menos da inteligência do que se exige dela para salvar a espécie da extinção desta Terra devastada.

No final da nossa travessia pela série de restrições destes estados de emergência em casa, sem os voos megalómanos pelo mundo a que uma grande parte se tinha habituado, vamos perceber que afinal andávamos a voar alto de mais. O teletrabalho e as videoconferências estão aí a demonstrá-lo.

O que se desenha no horizonte é um século de fugas. Nada que já não tenha acontecido noutros tempos. Sentimos o peso do mundo quando a alma universal balança, a ver-se afundar sob coisas invisíveis à vista desarmada sobre as quais não pode sobrevoar. Esta é a derradeira crise das várias crises ecológicas. É o último teste à nossa inteligência para salvar a terra-mãe. Esta crise ainda vai mais fundo do que as crises que a antecederam. Para a humanidade atual torna-se, pela última vez, um jogo do tudo ou nada.

Esta incerteza, numa crise existencial de animal alerta em fim de tempo, é a marca do século 21, em que o homo sapiens se vai transformando no homo pathos. O destino dos habitantes desta Terra depende mais de uma scienza nuova, para que hordas humanas em coexistência pacífica continuem a mercadejar pelo mundo. De outro modo serão reduzidas a uma alarmante enormidade  de cacos velhos. 


Numa pessoa infetada pelo SARS-CoV-2, o que causa os sintomas de doença não é propriamente a invasão do vírus em si, mas a resposta do sistema imunitário dessa pessoa: milhões de glóbulos brancos a acorrer aos locais da infeção, e substâncias químicas que estimulam o organismo a reagir, como é o caso da febre. O que o vírus faz é entrar nas células e destruí-las, ao servir-se dos seus constituintes para se multiplicar. Abandonando-as depois para se espalhar em grande escala, invadindo outras células, quer do mesmo organismo, quer de outros organismos humanos mais próximos.

À luz da compreensão do cientista, um outro génio, mas não maligno, um vírus não passa de uma organização molecular entre a química e a biologia, não sendo verdadeiramente um ser vivo como nós, mas também não estando completamente morto, porque tem as propriedades de se multiplicar em cópias de si próprio, à custa das células, estas sim, unidades de vida completa. 


Ainda assim, a narrativa que os cientistas usam para explicarem o que é um vírus, está recheada de antropomorfismos, isto é, para se dar a compreender a quem não é cientista, tem de recorrer a metáforas para fazer de conta que o vírus tem uma inteligência como a nossa, uma vontade como a nossa, enfim montando as mesmas estratégias que nós montamos para sobreviver, custe o que custar.

Assim, os cientistas dizem:
Os vírus passaram milhares de milhões de anos a aperfeiçoar a arte de sobreviver sem viver. Uma estratégia assustadoramente eficaz que os torna uma ameaça potente no mundo de hoje. Encontram terreno fértil em humanos sem que eles se apercebam. Tanto é mortal em alguns hospedeiros, como suficientemente leve noutros de modo a escapar sem ser detetado. E, por enquanto, não temos como deter este coronavírus, sorrateiro a causar o caos, apesar de ser da mesma família dos vírus da gripe de 1918, 1957,1968, SARS e MERS, que saltaram de uma população de morcegos, depois para outros animais exóticos como o pangolim, e por fim para os humanos. Todos eles codificam o seu material genético no ARN. A existência quase zombie dos vírus ARN torna-os fáceis de apanhar e difíceis de matar. Quando os vírus encontram um hospedeiro, usam proteínas das suas superfícies para desbloquear e invadir as células. Depois assumem o controlo dos próprios mecanismos moleculares dessas células para produzir e montar os materiais necessários para se reproduzirem.


Entre os vírus ARN, os coronavírus são capazes de produzir mais proteínas que reforçam o seu sucesso. Os vírus possuem ferramentas. Estes coronavírus têm três ferramentas diferentes, cada uma com a sua função específica. está uma proteína de “revisão”, que permite aos coronavírus corrigir alguns erros que acontecem durante o processo de replicação.

O SARS-CoV-2 é particularmente enigmático. Embora o seu comportamento seja diferente do do seu primo SARS, não existem diferenças óbvias nas “chaves” da proteína da espícula (spike) do vírus que lhe permite invadir as células hospedeiras. Apesar de toda a sua genialidade maléfica e design eficiente e letal, o vírus não quer realmente matar-nos. É bom para os vírus, bom para a sua população, se andarmos por aí perfeitamente saudáveis.O objectivo final dos vírus é serem contagiosos e ao mesmo tempo gentis com o seu hospedeiro. O SARS-CoV-2, que agora mata milhares em todo o mundo, ainda é inexperiente. Reproduz-se matando, sem saber que há uma maneira melhor de sobreviver. Mas pouco a pouco, com o tempo, o seu ARN irá mudar. Até que um dia, não tão distante, será apenas mais um dos coronavírus das constipações comuns que circulam todos os anos, causando tosse ou um nariz entupido, e nada mais.

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