Por mais feliz que seja a nossa vida, a morte é o fim inevitável. Poderá este facto ameaçar o sentido da vida? Para um crente – e quando falo em “crente”, refiro-me a um crente em qualquer religião, sobretudo as religiões monoteístas, que assenta, para este efeito, em duas premissas fundamentais: 1) a existência de Deus; 2) continuarmos numa outra vida para além desta depois de morrermos – a morte não poderá anular o sentido da nossa vida. Na mundividência das três religiões filiadas em Abraão, Deus é responsável pela nossa existência. E planeou-a. Assim, a nossa própria existência faz sentido porque fomos criados com um propósito, ainda que não saibamos exatamente que propósito é esse.
O problema do sentido da vida não é geralmente tratado no âmbito da filosofia da religião; habitualmente é tratado no âmbito da metafísica e da ética, que são dois outros domínios da Filosofia. Por outro lado, filosofia da religião e religião são também coisas diferentes. Assim como é diferente de teologia, ou de história das religiões. E também não se ocupa dos aspetos psicológicos e sociológicos, das dinâmicas sociais das religiões que contribuíram para a coesão social. A filosofia ocupa-se da questão de saber se Deus existe, se a fé se opõe à razão ou se a noção de um ser omnipotente é coerente. Bem como de outros temas tal como o problema do mal; se o mal é compatível com a existência de Deus; ou se os milagres e as experiências místicas constituem provas a favor da existência de Deus.
Galileu Galilei é o personagem simbólico do começo do conflito que se estabeleceu entre fé e ciência, e que ainda se arrasta nos dias de hoje, cujo representante mais radical é Richard Dawkins, no confronto entre o que é “objetivo” na ciência e o que é “irracional” na teologia. Mas o que é curioso, até porque parece contraditório, é a ciência a reivindicar ser falível, e crescer pela tentativa e erro, o que lhe confere mais credibilidade do que a fé, que é peremptória exclusivamente dogmática. A religião que é irracional, desafia a ciência empírica que é racional, apoiando-se principalmente na emoção.
O problema da criação e do seu início é uma questão que tem ocupado os filósofos desde os primórdios da filosofia. Para Aristóteles, nem o tempo nem a matéria podiam ter um princípio. Para Tomás de Aquino, tal não podia ser objeto de demonstração filosófica. Mas também rejeitou a posição da Igreja do seu tempo, que definia como matéria de fé o começo do universo no tempo.
Foi a partir da teoria do big bang que nasceu o chamado princípio antrópico: o universo terá sido desenhado de modo a permitir a emergência de uma vida inteligente. A cosmologia do big bang marca o começo no tempo, que teria ocorrido entre há 13,3 e 13,9 mil milhões de anos. Apesar dos grandes avanços, a ciência não explica o que aconteceu antes do "grande acontecimento", que se desfez numa fração infinitesimal do segundo – 0,43 zeros 1. Muitos teólogos defendem a tese de um Criador. E alguns veem o homem como um co-criador, o que não o impede de melhorar a natureza presente, num aperfeiçoamento do processo criativo.
Tolstoi, na Confissão (1882), chega à conclusão que não consegue atribuir qualquer sentido racional a um único ato seu em toda a sua vida. E o que o surpreendia era não o ter compreendido antes. Nas suas palavras:
“A doença e a morte não tardaria estariam aí, e nada restaria exceto podridão e vermes. Porquê então fazer seja o que for? […] Assim, em complemento ao conhecimento racional, que antes me parecera ser o único, fui inevitavelmente levado a reconhecer um tipo diferente de conhecimento, um tipo irracional, que toda a humanidade tinha: a fé, que nos dá a possibilidade de viver. Quanto a mim, a fé continua a ser tão irracional quanto antes, mas não podia deixar de reconhecer que só ela dava à humanidade uma resposta à questão da vida, tornando assim possível viver. O conhecimento racional conduziu-me à conclusão de que a vida não tinha sentido; a minha vida parou, e eu queria acabar comigo. Ao olhar para as outras pessoas vi que viviam e convenci-me de que conheciam o sentido da vida. Voltei-me então e olhei para mim mesmo; desde que conhecesse o sentido da vida, viveria. Tal como acontecia com os outros, assim era comigo; a fé dava-me o sentido da vida e a possibilidade de viver.”Não depreciamos os animais que não domesticamos, quando dizemos que não têm qualquer propósito. Ao passo que uma vaca, um cavalo, ou uma galinha têm um propósito. Contudo, o homem pertence a uma categoria completamente diferente. Atribuir a um ser humano um propósito, tal como atribuímos a um cão perdigueiro que nos serve para caçar perdizes, é no mínimo ofensivo. É degradante para um ser humano ser encarado meramente como algo que serve um propósito. O propósito de um dono de uma fábrica de sapatos contratar operários para a fábrica, é fazer sapatos, com o propósito de os vender, com o propósito de ganhar dinheiro, e por aí adiante. Quem se dedicasse a montar uma fábrica sem qualquer propósito estaria demente. Neste caso poderíamos dizer, na verdade, que se tratava de uma vida sem sentido.
A mundividência cristã, difere realmente do que acabei de enunciar, porque encara o ser humano como uma criatura feita no laboratório divino, com um propósito que lhe foi atribuído pelo Criador: Deus. E daí a mesma questão colocada de pernas para o ar: se o ser humano não tivesse um propósito então é que não teria qualquer sentido. Portanto, a mundividência cristã resolve todos estes problemas com a existência de Deus. Mas será que Deus existe? O que está em causa é saber se há bons argumentos a favor da existência de Deus. Das diferentes conceções de Deus, é sobre a conceção teísta de Deus que a filosofia se tem ocupado. O Deus teísta é o Criador, sumamente bom, omnipotente e omnisciente. E ainda que não tenha de ser humano, Deus não é uma força impessoal. Santo Anselmo (1033-1109), no Proslogion (1077-78) apresenta o que ficou conhecido por argumento ontológico. Deus é algo maior do que o qual nada pode ser pensado. Aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado existe tanto no espírito como na realidade.
Por mais que recuemos para estados anteriores do mundo, nunca se encontra nesses estados uma razão completa para a questão de saber por que há mundo em vez de nada. Nem por que razão o mundo é como é. Leibniz, que foi não apenas filósofo, mas também cientista, foi o que mais longe conseguiu ir acerca desta questão. Leibniz formulou o chamado princípio da razão suficiente, segundo o qual para toda a verdade contingente há uma razão para a sua existência. Mesmo que admitamos que o mundo é eterno, existirá apenas uma sucessão de estados e em nenhum deles encontraremos uma razão suficiente. É evidente que tem de se procurar a razão noutro lado. Pois nas coisas que são eternas, ainda que não exista causa, alguma razão tem de se discernir. Mesmo ao supor que o mundo é eterno não podemos escapar à razão última, que para a ciência atual é o que está para lá do big bang. Leibniz chegou à seguinte conclusão: as razões do mundo estão em algo para lá do mundo, diferente da cadeia de estados, ou série de coisas, cujo agregado é o mundo. E consentiu que a esse algo para lá do mundo se chamasse Deus.
Deus como um postulado da razão, é o argumento de Kant, em que Deus é um postulado prático da moralidade. O bem supremo do mundo só é possível na medida em que se pressuponha uma causa suprema da natureza que tenha uma causalidade em harmonia com a disposição moral. Ora, um ser capaz de ações de acordo com a representação de leis tem de ser inteligente. E a causalidade de tal ser, de acordo com esta representação de leis, é a sua vontade. Logo, a causa suprema da natureza, na medida em que tem de ser pressuposta para o bem supremo, é um ser que é a causa da natureza pelo entendimento e vontade. Isto é: Deus. Assim, é moralmente necessário pressupor a existência de Deus.
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