sábado, 21 de março de 2020

Hoje ninguém dirá: uma obsessão emergente



Durante estes próximos meses, com o rigoroso estado de emergência sanitário a que nos temos de obrigar, é de admitir que aumentem certas perturbações psicológicas provocadas não apenas pelo medo da doença, dado que a mortalidade é significativa, mas também pelo efeito da pandemia na liberdade das pessoas e na economia. Para já, vejamos o caso da Perturbação Obsessivo Compulsiva.

Houve um tempo que os médicos davam como exemplo flagrante de uma pessoa com Perturbação Obsessiva Compulsiva – POC – andar constantemente a lavar as mãos e ter a obsessão das limpezas. Os médicos pensavam que essas pessoas tinham muito medo de contrair uma doença terrível. Mas não era o caso. Assim, quando alguém me contava uma história sugestiva, delicadamente dizia-lhe que consultasse um psiquiatra.

Hoje, contudo, a maioria das pessoas que sofrem de POC preferem ser tratadas por psicólogos e não por psiquiatras. Mas também é verdade que o quadro clínico se tornou muito mais complexo, para começar, que a POC não é uma doença mental mas sim uma perturbação, ou transtorno, conforme as escolas ou os países. Os estudos encontraram dois padrões bem distintos: 
Perturbação Obsessiva-Compulsiva da Personalidade (POCP) – pessoa sistemática e extremamente metódica, que presta muita atenção aos pormenores, e apenas sente uma forte aversão pela sujidade; Perturbação Obsessiva Compulsiva (POC) – uma pessoa cuja vida diária é perturbada pela intrusão de pensamentos indesejados, e é compelida a fazer coisas que sabe perfeitamente serem indesejadas, mas que ainda assim não consegue controlar.

Os pensamentos intrusivos e obsessivos parecem não vir de lado nenhum, são irracionais. Nem todos vivem a POC da mesma maneira. Há casos em que é apenas um único pensamento intrusivo de cada vez. Alguns pensamentos intrusivos permanecem na mente durante dias ou semanas. Enquanto outros duram apenas uns minutos. Para a maioria das pessoas, os pensamentos intrusivos são aquilo que as incomoda, enquanto as compulsões são um alívio, ainda que temporário.

Há quem sofra de POC e descreva aquilo que parece uma inversão da relação causa-efeito – pensamento-compulsão. A compulsão assemelha-se mais a um tique, aparece primeiro. Apenas sentem a necessidade de o fazer, como por exemplo dar toques com a mão. Se resistem para o não fazer é que ficam ansiosos. É a situação perturbadora que essas pessoas sentem em locais elevados, como por exemplo, em pontes. O pensamento intrusivo é pensar que querem saltar, mas verdadeiramente não querem. Chamam a este fenómeno “atração pelo abismo”.

As duas perturbações não são totalmente distintas, e os traços e os sintomas de uma delas podem aparecer em alguém que sofre da outra. Mas enquanto a POC se define por ideias egodistónicas angustiantes que colidem com a noção do tipo de pessoa que somos, a POCP tende a ser egossintónica, em que as pessoas estão de acordo com os seus desejos e necessidades, e por isso são bem aceites. Enquanto a POC torna a vida do próprio um inferno, a POCP torna infernal a vida dos outros. A POC pode obrigar a lavar as mãos duzentas vezes por dia a uma pessoa, e, todavia, pode não mudar de roupa interior durante semanas. Ou então pode ter apenas um determinado compartimento num brinco, e o resto da casa um pandemónio.

Ora, como os casos graves de POC podem ser confundidos com a POCP, ou 
 podem coabitar com outros problemas mentais no mesmo paciente, acontece que há uma percentagem de pessoas sem o diagnóstico ou com o diagnóstico errado. 

Sem comentários:

Enviar um comentário