Atrofia cortical posterior é uma síndrome neurodegenerativa, geralmente devido à doença de Alzheimer. Os primeiros sintomas começam pelo comprometimento progressivo da visão espacial - síndromes de Balint e Gertsmann - ou percetiva (agnosia visual, alexia). A memória episódica e a função executiva são poupadas até estágios mais avançados. O exame oftalmológico é normal nestes casos. Ataxia visual, simultagnosia, alexia, agrafia, acalculia, desorientação espacial e negligência unilateral (síndromes de Balint e Gerstmann), são jargões técnicos para descrever os sintomas desta doença neurológica degenerativa. O seu diagnóstico mais amplo só começou em 1988, com a série Benson, embora obviamente já existisse antes disso. A atrofia cortical posterior foi descrita formalmente pela primeira vez por Frank Benson e a sua equipa, em 1988, embora sem dúvida existisse sem ser reconhecida por muito mais tempo.
A maioria dos pacientes inicialmente consultam um oftalmologista, que posteriormente os encaminha para a neurologia, geralmente numa fase mais tardia. A princípio, a memória é normal ou quase normal, e não há demência, mas a evolução é progressiva. Assim, o início é insidioso, com sintomas de falha visual, limitação do campo visual, mas com o aparelho visual normal. Alguns pacientes se perdem no próprio bairro ou mesmo dentro de casa, e para esses casos Benson usou o termo “agnosia ambiental”. É comum surgirem em seguida outras dificuldades: confusão entre esquerda e direita, dificuldade para escrever e fazer cálculos, e até agnosia para os próprios dedos, uma tétrade de problemas denominada síndrome de Gertsman. Alguns pacientes podem ser capazes de reconhecer e associar cores, mas não de dizer o nome delas, um caso chamado de 'anomia cromática'. Mais raramente, pode ocorrer dificuldade para acompanhar movimentos e dirigir a visão para um alvo específico. Em contraste com essas dificuldades, a memória, a inteligência, a perceção intuitiva e a personalidade tendem a preservar-se até uma fase mais avançada da doença. Segundo Benson, cada paciente que ele descreveu “pôde relatar a sua história, tinha noção dos eventos correntes e mostrou considerável perceção intuitiva do seu problema”. Embora a atrofia cortical posterior seja sem dúvida uma doença degenerativa do cérebro, as suas características parecem diferir consideravelmente das formas mais comuns da doença de Alzheimer. Nestas, os pacientes tendem a sofrer flagrantes alterações na memória, raciocínio, compreensão e uso da linguagem e, em muitos casos, no comportamento e personalidade, além de geralmente perderem mais cedo a noção do que está a lhes acontecer (o que talvez seja para eles uma bênção).
Atrofia cortical posterior é apenas um diagnóstico anatómico; denota a parte do cérebro mais afetada. Porém, nada diz sobre o processo básico da doença, não explica porque essas partes do cérebro são afetadas e não outras. Há casos publicados em que os pacientes tiveram alucinações e delírios de reconhecimento, como a síndrome de Capgras, e outras. O quadro clínico pode ser assimétrico, com negligência unilateral do espaço, extinção visual e até hemianopsia. Alterações discretas no tónus muscular, reflexos palmo-mentonianos, defeitos de memória e defeitos linguísticos foram compatíveis com a doença de Alzheimer; e a longa evolução tira a possibilidade da variante visual da doença de Creutzfeldt Jacob. As condições neurodegenerativas têm variantes topográficas: às vezes comprometem um ou outro hemisfério, às vezes a região do hipocampo, áreas linguísticas ou áreas pré-frontais, áreas de associação parietal explicaria as síndromes de Balint e Gerstmann, o comprometimento das áreas de associação temporária à existência de afasias, alexias e agnosias visuais. A causa dessas variações não é óbvia, pode depender de diferenças subtis nos processos patológicos ou da vulnerabilidade seletiva de vários sistemas neurais.
Excertos de um caso de Oliver Sacks:
Uma pianista com 67 anos de idade, começou por consultar um oftalmologista porque andava a ter dificuldade para ler as partituras, algo inédito na sua vida. No consultório do oftalmologista não teve problemas em ler individualmente todas as letras da tabela optométrica até à última linha, mas o caso mudou de figura quando lhe foram colocadas à frente palavras escritas. Simplesmente não conseguia ler palavras. E o mesmo se passava para ler música numa pauta. Foi então encaminhada para um neurologista. E foi na consulta de neurologia que ela revelou pela primeira vez que já havia três anos que notara as suas dificuldades com a leitura de música. A sua capacidade para escrever estava preservada, e ela continuava a manter uma copiosa correspondência com ex-alunos e colegas. Portanto, tecnicamente a isto chama-se alexia sem agrafia. Um ano depois da primeira consulta de neurologia, ocasionalmente ia cometendo erros embaraçosos com o reconhecimento de pessoas, incluindo familiares e amigos.
No testes, saiu-se particularmente mal no reconhecimento de desenhos, por exemplo: chamou alicate a uma banana; e a uma caneta disse que era uma navalha. Conseguia ler, mas devagar, letra a letra e só depois as juntava para inferir a palavra. E tinha dificuldade de reconhecer em fotografias figuras públicas e gente famosa. Em contraste, com esses graves problemas visuais, a sua compreensão da fala, repetição e fluência verbal estava totalmente normal. Uma tomografia por emissão de positrões (PET na gíria) - um exame capaz de detetar ligeiras mudanças no metabolismo de várias áreas cerebrais, mesmo quando elas parecem anatomicamente normais na TAC ou Ressonância - mostrou diminuição da atividade metabólica na parte posterior do cérebro, o córtex visual. Essa redução era mais acentuada do lado esquerdo.
Outro ano mais tarde já não conseguia reconhecer as letras ou os números individualmente, embora ainda não tivesse dificuldade para escrever frases completas. Passou a ter uma agnosia visual mais geral, até para reconhecer figuras. Descreveu assim uma delas: “Vejo um V, muito elegante, dois pontinhos aqui, depois uma oval, com dois pontinhos brancos no meio. Não sei o que é”. Ela ficou embaraçada, rindo, quando se lhe disse que era um helicóptero. Ela agora via apenas características individuais de um objeto, ou figura, e não conseguia sintetizá-las, vê-las como um todo, e muito menos interpretá-las corretamente. Se lhe mostrassem a fotografia de um rosto, ela só era capaz de perceber se a pessoa estava com óculos, e mais nada. Olhando para os desenhos de um livro de testes neurológicos, ela disse a respeito de um lápis: “Pode ser muitas coisas. Poderia ser um violino… uma caneta”.
Os neurologistas interrogavam-se se a sua dificuldade para reconhecer desenhos era devida simplesmente ao caráter esquemático do traçado, ou à bidimensionalidade e pobreza de informações? Ou será que refletia uma dificuldade de nível superior na perceção e representação em si? Será que ela se sairia melhor com objetos reais? Apenas uma agnosia para representações, portanto. E efetivamente, só parcialmente se saía melhor com objetos reais.
Pensa-se que o reconhecimento de representações requerer aprendizagem, não é uma aptidão inata. A compreensão de um código ou uma convenção precisa de ser ensinada. Os antropólogos dizem que pessoas de culturas primitivas que nunca viram fotografias podem não reconhecer que elas são representações de alguma outra coisa. Se um complexo sistema para o reconhecimento de representações visuais precisa de ser construído especialmente pelo cérebro, essa capacidade pode ser perdida com uma lesão nesse sistema, da mesma maneira como se pode perder a compreensão da escrita, por exemplo, ou de qualquer outra habilidade adquirida por aprendizagem.
Esta pianista não era capaz de perceber facilmente, num relance, oito ovos. Precisava de os contar um a um. A isto costuma-se chamar deficiência de visão de conjunto ou gestalt. Ela contou que com os condimentos era “um desastre”. Vinham todos em frascos idênticos de tampa vermelha, e obviamente ela não podia ler os rótulos. Por isso, explicou, “eu cheiro!… e peço ajuda de vez em quando”. Acerca do micro-ondas, que ela usava com frequência, comentou: “Não vejo os números. Vou experimentando. Cozinho, provo, verifico se precisa ficar mais um pouco”. Ela pousou os biscoitos num prato em cima da mesa. Mas alguém mudou o prato dos biscoitos para o outro lado da mesa. Quando voltou, olhou para a mesa, mas não viu os biscoitos. Os biscoitos estavam bem ali na mesa, no prato, à sua frente, mas como o prato fora mudado de lugar ela não sabia mais onde estavam, não sabia sequer onde procurar. Ela passou a usar uma estratégia de memória, que consistia ter sempre um lugar certo para cada coisa. E assim, quando precisava de uma coisa, procurava-a pelo lugar que ocupava.
Perguntei o que ela via numa das paredes. Primeiro ela virou a sua cadeira, não para a parede, mas para a janela, e disse: “Vejo prédios”. Virei a cadeira colocando-a à frente da parede. Tive de a conduzir passo a passo. Perguntei se via luzes. E ela respondeu "Sim, ali e ali". Demorei a perceber que ela estava a olhar para um sofá sob as luzes, embora acertasse na cor dele. Ela observou alguma coisa verde em cima do sofá e disse corretamente que era um cordão esticado. Contou que a sua fisioterapeuta lhe dera um cordão semelhante. Perguntei o que ela via acima do sofá (uma pintura abstrata com formas geométricas), e ela respondeu: “Vejo amarelo… e preto”. Perguntei o que era, e ela arriscou: algo relacionado com o teto. Ou um ventilador. Um relógio. E depois acrescentou: “Na verdade, não sei se é apenas um objeto ou muitos”. Mas Lilian claramente não fazia a mínima ideia de ser uma pintura. Podia ser parte da estrutura da sala. Ela não conseguia distinguir uma pintura vistosa da parede propriamente dita, mas era capaz de reconhecer instantaneamente uma pequena foto sua num CD. Como podia identificar um fino cordão verde mas não via, ou não reconhecia, o sofá onde ele estava? Como usava relógio de pulso, perguntei como via as horas. Ela não podia ver os números, explicou, mas calculava com base na posição dos ponteiros. Mostrei-lhe então, de brincadeira, um estranho relógio que possui, em vez de números, símbolos de elementos químicos (H, He, Li, Be etc.). Ela não percebeu nada diferente no relógio, pois para ela aquelas abreviaturas não eram nem mais nem menos inteligíveis do que seriam os números.Fomos dar uma volta a pé, eu de chapéu de cor berrante para facilitar o reconhecimento. Lilian ficou desnorteada diante dos objetos de uma vitrine — mas até eu fiquei. Era uma loja de artesanato tibetano, para nós tão exóticos que podiam ser marcianos. Curiosamente, a loja ao lado Lilian reconheceu de imediato e mencionou que passara por lá a caminho do meu consultório. Era uma relojoaria, com dezenas de relógios das mais variadas formas e tamanhos. Seu pai era apaixonado por relógios. A anomia de Lilian, a sua dificuldade para encontrar palavras, também se agravara. Quando lhe mostrei fósforos, ela reconheceu-os visualmente, mas não conseguiu dizer “fósforos”, descrevendo-os assim: “isso é para acender o fogo”. Eu andava intrigado com as extraordinárias variações da função visual de Lilian. Algumas delas, ao que parecia, estavam relacionadas com a afeção do córtex visual. Dez anos antes, a sua performance na leitura de música também era assim, aparecia e desaparecia.Era surpreendente, por exemplo, percebia expressões faciais numa minúscula fotografia, e, no entanto, grande parte do tempo lhe fosse difícil reconhecer pessoas. Conseguira categorizar palavras, por exemplo, se se referiam a coisas “vivas” ou “não vivas”, mas não sabia dizer o que eram. Essa categorização poderia ser possível em certo grau, apesar da sua lesão cortical. Teriam de entrar em jogo outras partes do cérebro ainda intactas. Num sistema lesado há menos reservas, menos redundância, e é mais facilmente perturbado por outros fatores como fadiga, stress, febre . . . Lilian fora engenhosa e resiliente nos onze ou doze anos decorridos desde o início da doença. Buscara recursos interiores de vários tipos: visuais, musicais, emocionais, intelectuais. Apesar de tudo isso, Lilian achava que o seu ouvido estava tão bom como sempre, e ela ainda conseguia lecionar para alguns alunos de música que iam ao seu apartamento. Mas, fora isso, já não tocava piano com frequência.No entanto, quando mencionei o quarteto de Haydn que ela havia tocado para mim, o seu rosto iluminou-se. “Fiquei fascinada com essa música”, disse. “Nunca a ouvira antes. Raramente ela é tocada.” E contou-me de novo que não conseguira tirar a música da cabeça e fizera um arranjo para piano, mentalmente só num dia. Pedi que tocasse a música mais uma vez. Lilian de início se fez de rogada, mas depois, persuadida, quis ir até o piano, só que foi na direção errada. O marido corrigiu-a delicadamente. Ao piano, ela no começo enganou-se, tocou notas erradas e pareceu angustiada e confusa. “Onde estou?”. Mas depois começou a tocar maravilhosamente, os sons foram crescendo, ganhando calor, fundindo-se. Claude ficou surpreendido, e comoveu-se: "Há duas ou três semanas que ela não tocava nada”. Enquanto tocava, Lilian olhava para o alto, cantarolando baixinho a melodia. Tocava com todo o seu imenso talento artístico, com toda a capacidade e sentimento que demonstrara antes, e a música de Haydn elevou-se em turbulência, uma altercação musical. E então, quando o quarteto chegava aos acordes finais, à resolução, ela disse simplesmente: “Tudo está perdoado”.
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