segunda-feira, 12 de abril de 2021

O conhecido homem e os narcísicos sem princípios




Se a pessoa tiver alguma capacidade de olhar para si própria e de ser autocrítica, o narcisismo moderado não tem grandes consequências para ela, nem para os outros. Nas suas conceções iniciais, os psicanalistas falaram em ‘defesas narcísicas do eu’ como mecanismos de defesa que não têm de ser patológicos, na medida em que nos protegemos de uma avaliação negativa do próprio eu.

Não devemos confundir a patologia narcísica, em que há uma hipervalorização de si mesmo, com o vulgar egoísmo que todos temos e é constitutivo. Defendemos todos os nossos interesses e, de algum modo, somos todos autocentrados. Nas suas manifestações extremas, o narcisismo patológico – “perturbação narcísica da personalidade” – faz parte das chamadas “perturbações da personalidade”, que estão associadas a formas de pensar e de sentir sobre si próprio e os outros e que prejudicam o funcionamento da pessoa.

A perturbação narcísica da personalidade foi incluída em 1980 no Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais (DSM, na sigla em inglês), da Associação Americana de Psiquiatria. Entre os critérios de diagnóstico encontra-se o “sentido grandioso” da importância pessoal. Acham-se acima dos outros, acima da lei e das normas sociais. Sentem o direito a ter um tratamento especial. E gostam de ser o alvo da atenção dos outros. Requerem admiração excessiva.



A esta depreciação do outro para, por contraponto, se elevarem a si próprios pode ainda juntar-se traços de arrogância e atitudes altivas. Quando alguma coisa não corre bem, a culpa é dos outros. Quando corre bem: “Fui eu”. Fazem tudo para evitar reconhecer as suas falhas, as suas limitações, as suas dificuldades, os seus erros. Usam o outro para atingir os seus próprios fins, pelo que são abusivas nas relações interpessoais. E quando os outros já não são úteis, quando já atingiram os fins, descartam-nos. Outra característica é a inveja. Têm muitas vezes inveja dos outros. E podem denegrir-lhes a imagem e tentar baixar-lhes a reputação. Também podem achar que os outros têm inveja deles.

Os narcísicos não têm empatia afetiva, mas têm empatia cognitiva, pelo que são bons na manipulação do outro. A empatia cognitiva é importante para manipular o outro. Mas não têm sensibilidade ao sofrimento do outro, aquilo que nos leva a querer ajudar alguém. Quando parecem empáticos, é sempre para trazer o outro para o seu lado e o usarem, quando der jeito. É uma empatia instrumental. Um acidente no outro lado do mundo, pode provocar empatia cognitiva, mas emocionalmente, não nos compromete. Não temos a proximidade que permita criar esse vínculo emocional. Empatia é sentir com o outro, é comprometer-se emocionalmente.

Um narcísico, quando está no governo ou no conselho de administração de uma grande empresa, pode ser perigoso. Tem poder sobre muita gente. Alguns não têm escrúpulos, não têm valores éticos, morais. Os narcísicos mais extrovertidos, costumam emergir como líderes de grupo. Mas narcisismo a mais pode minar a eficácia de alguém como líder, que com o tempo, tendem a surgir os aspetos mais negativos do narcisismo. Geralmente, os narcísicos são bons a curto prazo. Mas a sua reputação rapidamente se desfaz. Depressa percebemos que não são aquilo que pretendem mostrar.

Na verdade, sofrem e fazem sofrer os outros. O pior é que não têm sequer consciência disso. Nem dos seus sentimentos de inferioridade, nem da falta de confiança em si próprios, nem das oscilações da autoestima. A perceção dos indivíduos com perturbação narcísica da personalidade é de que têm sempre razão. E na verdade, é real a ausência de sentido de autocrítica. A pessoa não percebe que o problema está nela. Por isso, está fora de questão ter de se corrigir. As perturbações da personalidade, ao contrário de outras doenças mentais, estão presentes desde muito cedo na vida da pessoa. E como sempre se conheceram assim, como se costuma dizer: não se enxergam.

Pensa-se que na origem desta perturbação de personalidade estão experiências, que até podem ser consideradas contraditórias. Tanto pode ter acontecido humilhação e abandono durante a infância, geralmente por parte do pai. Assim como excesso de valorização por parte da mãe. Em certos casos, o pai ou a mãe, ou ambos, podem ter sido figuras parentais frias, que fizeram a criança sentir-se rejeitada. Noutros casos foi a valorização excessiva da criança pelos pais, como quando nos convencemos que temos uma criança muito especial, mais do que as outras crianças.


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