sábado, 3 de abril de 2021

Terrorismo em Cabo Delgado





Cabo Delgado faz parte de um território que antes da sua colonização já integrava uma região altamente instável e conflituosa, conhecida por Costa Suaíli, que vai desde o corno de África até ao sul da província de Nampula. A Costa Suaíli, ao longo da história, mesmo antes da chegada dos portugueses, foi sempre um território muito instável, de vários tráficos: marfim, escravos e recursos naturais desde a caça furtiva às madeiras preciosas. Por isso, não é de estranhar que a província de Cabo Delgado esteja referenciada internacionalmente desde que passou a ser conhecida a sua riqueza em gás natural e petróleo. 

Foi então que, em 5 de outubro de 2017, um grupo de insurgentes ocupou a cidade distrital e o porto de Mocimboa da Praia por dois dias. Em 13 de agosto de 2020, os insurgentes tomaram novamente o porto de Mocímboa da Praia, um ponto estratégico, portanto. Na altura, pelo menos 1.500 pessoas foram mortas e cerca de 250.000 fugiram de suas casas. Desde então, a guerra se expandiu rapidamente. Agora, os números são muito mais avassaladores.

Os integrantes dos grupos terroristas são, por um lado, moçambicanos jovens que por várias razões aderiram à radicalização, supostamente islâmica, em que a frustração das expectativas construídas pelo discurso oficial, ao longo dos tempos e que não se efetivou, tem sido crucial, na medida em que as imensas riquezas que a província de Cabo Delgado possui não justificaria os problemas de ordem económica e social por que estão a passar. Assim, o distrito de Mocímboa da Praia continua ocupado pelos terroristas, os funcionários públicos têm-se manifestado contra as exigências do governo para o regresso aos postos de trabalho nos distritos que as autoridades consideram fora do perigo terrorista e as populações deslocadas estão a ser reassentadas em outros distritos não apenas da própria província de Cabo Delgado, mas também nas províncias de Niassa, Nampula e Zambézia.

Estes jovens construíram expectativas de serem integrados na cadeia de valores, na exploração dessas imensas riquezas. Não tendo sido contemplados adequadamente, foram absorvidos pela economia de garimpo ilegal. As autoridades ao tentarem regularizar o sistema económico da província atuaram com medidas altamente repressivas, o que provocou um generalizado sentimento de revolta. Por outro lado, a necessidade de concessão de terras às grandes companhias de exploração de gás e petróleo provocou um conflito no processo de reassentamento das populações. Tudo isto tornou o ambiente da província de Cabo Delgado altamente tóxico e explosivo, um terreno fértil para o incremento do terrorismo internacional. Considerando a evolução da perícia militar que os terroristas demonstraram em três anos, de outubro de 2017 até ao final de 2020, estes jovens moçambicanos tiveram de ser treinados, enquadrados e financiados por forças estrangeiras.

O presidente e atual líder da Frelimo - Filipe Jacinto Nyusi, que foi ministro da Defesa de 2008 a 2014 venceu as eleições presidenciais de 2014 e 2019. Mas segundo organizações internacionais a eleição de 2019 foi caracterizada por casos de fraude, intimidação e assassinatos de líderes da oposição, bem como observadores eleitorais. Alegadamente 
Nyusi recebeu até 2 milhões de dólares em subornos em 2014 em conexão com empréstimos ilegais (também conhecidos como "dívidas ocultas"), o que causou uma crise económica no país quando ele era o Ministro da Defesa e/ou depois. A tendência de redução da pobreza observada entre 2009 e 2015 desacelerou rapidamente; o número de pessoas pobres aumentou em aproximadamente um milhão no período 2015-2018, passando de cerca de 21,3 para cerca de 22,2 milhões de pessoas, localizadas principalmente nas áreas rurais das províncias centrais. Desde março de 2015, pelo menos 10 figuras de alto nível foram mortas no país. Estes incluem líderes de partidos de oposição, jornalistas e académicos. 

Nyusi é da etnia Maconde, tendo nascido em Namau, no distrito de Mueda, província de Cabo Delgado.
No início da Guerra da Independência de Moçambique foi levado para a Tanzânia, atravessando o rio RuvumaEm 1973, aos 14 anos, juntou-se à Frelimo e recebeu treino político e militar em Nachingwea, na Tanzânia. Em1990, concluiu o seu curso de engenharia mecânica na Academia Militar Antonín Zápotocký (VAAZ) em Brno, República Checa.

Os Macondes são um grupo étnico bantu que ocupam desde tempos imemoriais a província de Cabo Delgado, principalmente no planalto de Mueda e Muidumbe e se estende pelo sudeste da Tanzânia, e uma pequena presença no Quénia. O povo maconde é famoso não apenas pela sua bravura guerreira, mas também pela sua arte escultórica. A literatura confirma que desde a década de 1930 as esculturas de origem maconde já estavam sendo comercializadas devido à situação socioeconómica e política da população maconde, cujo planalto em Moçambique nesse mesmo período estava recém-dominado. Como alternativa de fonte de renda, novos tipos de esculturas passaram a ser feitas com o objetivo de agradar aos compradores. Ao norte do rio Rovuma, essas mesmas tendências ocorriam desde o final do século XIX, no entanto, lá elas não foram prosseguidas em razão de diversas mudanças sociais e culturais marcadas, especialmente, pela influência do islamismo, cuja religião, diferente do catolicismo, interdita a representação da figura humana.




Nas províncias centrais, Mariano Nhongo, que foi eleito líder do grupo dissidente chamado "Junta Militar da Renamo" (JMR), renegou o acordo de paz de 2019 entre Nyusi e Ossufo Momade. A JMR afirma que Ossufo Momade, eleito presidente da Renamo em eleições internas contestadas após a morte do líder histórico da Renamo Afonso Dhlakama em 3 de maio de 2018, traiu a ideologia partidária. Nhongo alega que Ossufo Momade deve renunciar ao cargo de presidente da Renamo. A guerra nas províncias centrais continua até hoje. Há ataques em estradas que ligam o sul ao resto do país. Viajar por estrada só é possível quando acompanhado por veículos militares. Nhongo publicou um documento detalhando os requisitos para um possível acordo de paz com o governo de Nyusi. A JMR alega que todos os cargos estatais relevantes, promoções e oportunidades de emprego no país exigem ser um membro registado do partido Frelimo no poder. A repressão à liberdade de imprensa e liberdade de expressão é a regra. O governo de Nyusi foi acusado de reprimir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão por parte da IA e de outras organizações nacionais e internacionais. Vários jornalistas foram atacados, sequestrados e mortos no país durante o governo de Nyusi. Alega-se que esses crimes não são investigados e que as instituições públicas são usadas para intimidar jornalistas.

Apesar de Moçambique ter um território de configuração geográfica complicada e possuir dentro do seu território uma população composta de muitas etnias e muitas línguas, a sedimentação do sentimento de unidade nacional, desde o processo da Luta de Libertação Nacional e do período revolucionário que desencadeou a guerra civil de 16 anos, tem vindo a demonstrar que o separatismo não é uma questão a considerar perante a insegurança e os conflitos que decorrem neste momento em Moçambique.

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