quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Ser branco, ser bom: Barbara Applebaum




Ser branco, ser bom: cumplicidade branca, responsabilidade moral branca e pedagogia da Justiça Social - Barbara Applebaum, 2010 Nova Iorque, Lexington Books


Barbara Applebaum iniciou a sua viagem, que se tornou a premissa para este livro, ao fazer a pergunta: “Implemento o que defendo teoricamente?" 
Applebaum começa por dizer que reconhece a sua própria posição como uma pessoa branca. E que tenta descrever uma pedagogia que desconstrua desassombradamente o espaço que ocupa no mundo. A raça está repleta de anedotas na literatura, seja quando é simplificada, seja quando é reificada.

Applebaum está convicta de que o ensino para a Justiça Social requer mais do que boas intenções. Na verdade, requer uma forte dose de moral e responsabilidade. Constatou que os estudantes brancos, apesar de bem-intencionados, tinham dificuldade em compreender a sua cumplicidade com o racismo. Esta alienação levou-a a ter a ideia de que uma pedagogia que aborde a questão do racismo precisa de ser explícita. Daí ela ter encetado a pedagogia da cumplicidade branca. 

Applebaum defende que a cumplicidade acaba por ser inevitável, quando o homem branco desfruta de privilégios sem justificação. E defende que isso não o desresponsabiliza. Applebaum oferece uma extensa revisão da literatura sobre 'ser branco', e estudos críticos sobre a problemática da brancura. Um dos conceitos primordiais que ela trabalha, é o conceito do ser 'branco'. Trata-se da brancura como uma forma performativa de ser. É essencial para o seu argumento de que a cumplicidade, inaceitável, não é um estado neutro de ser, mas sim um princípio ativo de comportamento racista. Ela apresenta exemplos específicos disso na sua própria prática de ensino quando interpela os bons alunos brancos. Até estes têm dificuldade em compreender o que representa 'beneficiar' do racismo. O sistema da civilização do homem branco europeu está montado de forma a privilegiar à partida o homem branco. E isso vê-se no dia-a-dia, nos comportamentos que reforçam esse sistema indevidamente. 

Applebaum faz um reparo muito importante ao referir que muitas vezes os brancos preferem distanciar-se assumindo uma postura moralmente superior ao tentarem ser neutros. Isto reforça a ideia de que, de alguma forma, a brancura é a norma não dita. Applebaum mostra as formas pelas quais a negação branca se tornou assustadoramente predominante, citando exemplos como a Fundação para os Direitos Individuais na Educação. Formas de policiar e limitar a educação da Justiça Social, para reforçar os poderes da brancura. Uma acumulação diária de pequenos atos de racismo que muitas vezes passam despercebidos aos próprios brancos. Estes exemplos explícitos de negação do privilégio do homem branco apoiam a tese de Applebaum: de que a cumplicidade branca, ainda que inconsciente, é predominante, e como tal prejudicial. Daí a razão para ela nas suas aulas encorajar os brancos a pensarem em si mesmos como um grupo responsável, como privilegiados, independentemente da circunstância pessoal ou da relação individual com o privilégio. 

Este tem sido o contributo de 
Barbara Applebaum para uma conversa mais ampla sobre a pedagogia da Justiça Social. Reconhece que, embora a sua teoria se baseie em interações individuais entre alunos e professores, baseia-se numa análise do racismo que é sistémica, seja consciente ou inconsciente a nível interpessoal. Ela sugere que se deve pesquisar mais para perceber como a cumplicidade também desempenha um papel noutras opressões, que podem incluir a islamofobia, a homofobia ou o classismo.

O que aqui se diz é realmente que confessar o privilégio branco está longe de ser suficiente. Os estudantes brancos deviam aceitar a sua cumplicidade no perpetuar de um racismo sistémico,  simplesmente porque são brancos. O racismo deles foi aprendido e internalizado, e assim o vão perpetuando mesmo sem darem conta disso. Applebaum exige mesmo, que os seus alunos acreditem no seu paradigma, que é o paradigma herdeiro das teorias de Michel Foucault. Portanto, se no fim das suas aulas, eles exibirem qualquer discordância, isso significa que eles não se empenharam o suficiente para compreenderem o assunto da maneira certa. Ela tem a certeza de que está na posse da 'verdade'. Como tal, acha-se no direito de sancionar os alunos reprovando-os.

A Teoria Crítica da Educação diz mesmo que é perigoso permitir que os alunos expressem discordâncias da Teoria. O conhecimento pós-moderno da realidade social é inabalável, pois a 'verdade' é o que é construído pela linguagem. A linguagem constitui a nossa realidade. É ela que fornece a estrutura conceptual, a partir da qual o significado é produzido. Esta tese do poder da linguagem é a pedra de toque da teoria pós-moderna. Daí que o seu impacto na Justiça Social é de um valor inestimável. É fundamental para controlar o que pode e o que não pode ser dito. Uma espécie de imperativo categórico que permeia todos os estudos culturais, e por maioria de razão, os estudos em Justiça Social. É claro que esta tradição de pensamento dos pós-estruturalistas franceses, ousou desconstruir tudo o que tinha a ver com os alicerces epistémicos da ciência importados da filosofia iluminista. Mas o ser crítico não quer dizer que não seja, do ponto de vista epistémico, pensamento desleixado. Os argumentos são pobres e carentes de evidência. 

Aqui chegados, neste contexto, podemos compreender melhor como estas ideias chegaram ao ativismo político, e como foi possível recentemente um vendaval tão estranho como o derrube em catadupa de tudo o que fosse estátua de branco conotado com o colonialismo racista europeu. Tudo muito certo, um radicalismo concordante com 
a forma como os "princípios pós-modernos" deveriam ser aplicados volvidos meio século após a sua nascença. 

2 comentários:

António Ladrilhador disse...

Revejo-me no que diz no seu resumo da obra - que não li -, e partilho da dificuldade de perceção da verdadeira dimensão do problema, particularmente quando a população branca desfruta de injustificados privilégios.
Há meses atrás abordei o tema do caso português numa reflexão crítica que procurei fosse objetiva e imparcial.
Se lhe interessar e tiver uns minutos a perder, convido-a a visitar-me em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/06/racismo-o-homem-cor-de-rosa_26.html e, caso algum mérito encontre no texto, a um comentário e, eventualmente, à divulgação.

Fernando Dias disse...

O facto de citar obras de certas autoras, como é o caso de Bárbara Applebaum, não significa que esteja cem por cento de acordo. Tem o objetivo de estimular o nosso juízo crítico de modo a evitar posições em trincheiras sectárias.

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