quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Escrita do Sudoeste (SW) - 1ª escrita da Península Ibérica [Primeira Parte]


Museu da Escrita do Sudoeste (SW) em Almodôvar 

http://www.cm-almodovar.pt/mesa/index.php?

Consultando o sítio na internet do Museu de Escrita do Sudoeste (SW), em Almodôvar, distrito de Beja, ficamos a saber que este museu guarda uma preciosa estela de xisto, mostrada aqui na imagem anexa, que interpela os investigadores para um enigma que é a denominada Escrita do Sudoeste (SW), escrita essa que aponta para a primeira escrita da Península Ibérica datada de há 2700 anos atrás.

A exposição do museu apresenta de forma didática, funcional e estética, a evolução da grafia e do conhecimento escrito. A coleção permanente do museu tem cerca de 20 peças, entre elas um espólio permanente de 16 estelas descobertas no núcleo arqueológico de Almodôvar, que nasceu como resposta da Câmara Municipal de Almodôvar à necessidade de proteger, estudar e divulgar estes monumentos, uma vez que este concelho se situa numa das áreas em que é maior a concentração de epígrafes com esta escrita.

Esta escrita pré-românica deve o nome à área da península onde existe a maior concentração destas lajes gravadas, entre Ourique e Loulé, na zona de transição montanhosa entre o Alentejo e o Algarve. Só que ainda não se encontrou a sua Pedra de Roseta - a chave para a sua decifração. Com 95 centímetros de altura, por 34 de largura e 22 de espessura, a estela do Monte Novo do Visconde foi encontrada em 1979 em Casével, na região de Castro Verde, e entregue ao arqueólogo Caetano de Mello Beirão, que depois escavou o local do achado, onde encontrou ainda os restos de uma antiga necrópole de há 2500 anos, da 1ª Idade do Ferro no Sudoeste da Península.

Mas para já, são mais as incertezas que as certezas acerca da Escrita do Sudoeste (SW). Daí ter-se tornado um ponto de partida para a proliferação de muitas teorias e várias especulações acerca das suas origens. Há os que defendem uma origem autóctone e outros uma origem exógena. As teorias dos primeiros andam à volta da identidade desses povos: uns - os Cónios; outros- os Tartéssios; e por aí fora. As teorias dos segundos dividem-se em duas: a mais canónica é a teoria da origem Fenícia; a mais problemática para os canónicos, apesar de melhor fundamentada que a deles, apresentada por Augusto Ferreira do Amaral, que após um longo e exaustivo estudo concluiu que é de origem Neo-Hitita.

Há menos de cem carateres gravados na estela de xisto já apresentada acima. A particularidade desta escrita é apresentar signos que representam consoantes e vogais como a escrita alfabética, e signos que representam sílabas como a escrita silabária, gravados da direta para a esquerda.

Assim, antes de continuarmos a explorar a origem da Escrita do Sudoeste (SW), vou fazer uma pequena incursão sobre: Cónios, Tartéssios, Iberos e Neo-Hititas - povos que andaram pelo Sudoeste da Península Ibérica (Baixo Alentejo e Algarve), no 1º milénio a.n.e.



Os geógrafos gregos deram o nome “Iberos”, provavelmente derivado do rio Ebro (Iberus), a todas as tribos instaladas na costa sueste da Hispânia. Avieno, na Ora Marítima (século IV d.C.) descreve a existência de várias etnias na costa meridional atlântica, provavelmente, os responsáveis pelo comércio com o atlântico norte — os Estrímnios e os Cónios ou Cinetes. Gregos e Fenícos/Cartagineses também habitaram a Península, onde estabeleceram pequenas colónias-feitorias comerciais costeiras semipermanentes de grande importância estratégica.

Cónios

Os Cónios, também conhecidos por Cinetes, habitaram o sul de Portugal em data anterior ao século VIII a.C., até serem integrados pelos romanos na província da Lusitânia. Prefiro dizer que eram indo-europeus em vez de celtas. Antes do século VIII a.C., a sua zona de influência estendia-se muito para além do sul de Portugal, desde o centro de Portugal até ao Algarve e todo o sul de Espanha até Múrcia. O período áureo desta civilização coincidiu com o florescimento do reino de Tartesso, algo a que não deverá ser alheio a intensa relação comercial e cultural existente entre os dois povos. Aparentemente a única escrita conhecida na região é a referida Escrita do Sudoeste (SW).

Os Cónios aparecem pela primeira vez na história em Heródoto, e mais tarde em Avieno, na sua obra Ode Maritima, como vizinhos dos Cempsos ao sul do Tejo e dos Sefes a norte.

Tartessos

Tartessos era o nome pelo qual os gregos conheciam a civilização do sudeste ibérico. Desenvolveu-se no final da Idade do Bronze, no triângulo formado pelas atuais cidades de Cádiz, Huelva e Sevilha, tendo por linha central o ri Guadalquivir (chamado Tartesso pelos gregos). Os tartessos poderão ter desenvolvido uma língua e escrita distinta da dos povos vizinhos. A sua forma de governo era a monarquia. No século VI a.C. Tartesso desaparece abruptamente da História, provavelmente eliminada por Cartago depois da batalha de Alália.


Apesar de existirem numerosos restos arqueológicos no sul da Espanha, como o Tesouro de Aliseda e o Tesouro do Carambolo. O certo é que nunca foi encontrada nenhuma cidade que fizesse justiça ao nome. Não é certo que tenha existido uma cidade com este nome, dado que ainda não se encontrou sua localização, ainda que estejam perfeitamente documentados outros povoados ao longo do vale do Guadalquivir, território de expansão da civilização dos Tartessos.


Provavelmente, a cidade e a civilização já existiriam no 2º milénio a.C. Dedicar-se-iam à metalurgia e à pesca que veio a dar no comércio depois da chegada dos Fenícios que se estabeleceram em Gadir (Cádiz). Daí a sua importância sobre as terras e cidades da região, com a intensificação da exportação de cobre e prata. Os Tartessos converteram-se nos principais provedores de bronze e prata do Mediterrânio. Além disso, parece que eram eles que iam às ilhas Cassitéridas buscar o estanho necessário para a produção de bronze, ainda que também o obtivessem pela lavagem de areias do rio Tartesso, que continha estanho.

Quando o viajante Pausânias visitou a Grécia no século II a.C. viu duas câmaras num santuário de Olímpia, que a gente de Elis afirmava realizadas com bronze tartesso: «Dizem que Tartesso é um rio na terra dos iberos, chegando ao mar por duas desembocaduras e que entre esses dois locais se encontra uma cidade desse mesmo nome. O rio, que é o mais longo da Ibéria, e tem marés, chamado em dias mais recentes Bétis, e há alguns que pensam que Tartesso foi o nome antigo de Carpia, uma cidade dos iberos. O nome “Carpia” sobrevive ainda hoje, por exemplo na cidade andaluza El Carpio. Na Bíblia aparecem referências a Tarsis ("Tarshish" ou Tarsisch). De facto, o Rei Salomão tinha naves de Tarsis no mar junto com as naves de Hirão. As naves de Tarsis vinham uma vez a cada três anos e traziam ouro, prata, marfim, bugios e pavões. Tarsis tem sido identificada com Tartesso, ainda que não exista consenso sobre o assunto.

Iberos

Tenho lido em alguns artigos de arqueólogos, antropólogos e linguistas a insinuar a suspeita de que os Iberos deviam ter alguma relação com o Cáucaso, na medida em que ainda hoje há uma província na Geórgia com o mesmo nome: Ibéria.



Apiano (95-165), historiador da Roma Antiga, faz referência aos Iberos de Espanha, dizendo que era opinião de alguns estes terem como antepassados os Iberos da Ásia. E na verdade é que houve o Reino da Ibéria no território que é hoje da Geórgia, cuja história aparece aquando da sua queda em 526, na sequência das contínuas rivalidades entre o Império Bizantino e o Império Sassânida. Ibéria era o nome que antigos gregos e romanos tinham dado a esse reino que já existia no século IV a.C.

A similaridade do termo Ibéria da Península Ibérica da Europa com a Ibéria do Cáucaso, que se verifica em todas as denominações em línguas indo-europeias e mesmo em outras, sempre suscitou a ideia de alguma relação de parentesco entre os povos ditos "iberos" do oeste e do leste. Vários historiadores da Antiguidade, como Heródoto e Estrabão, levantaram essa hipótese de uma origem comum, mas não souberam explicar como isso foi possível dada a grande distância geográfica entre os dois grupos. Essa teoria, da origem comum, era bem aceite pelos autores georgianos na Idade Média. O historiador Giorgi Mthatzmindeli (1009-1065) escreveu que alguns nobres georgianos teriam pretendido viajar até ao extremo sudoeste da Europa para visitar os Georgianos do Oeste. 


As tribos proto-georgianas apareceram pela primeira vez na história escrita no século XII a.C. Os primeiros indícios de vinho foram encontrados aqui, onde foram encontrados jarros de vinho com 8.000 anos. Achados arqueológicos e referências em fontes antigas revelam elementos de formações políticas e estaduais, caracterizados por uma avançada metalurgia e técnicas de ourivesaria que remontam ao século VII a.C. Na verdade, a prática da metalurgia na Geórgia iniciou-se durante o sexto milênio a.C, como uma forma de associação com a Cultura de Shulaveri-Shomu. E a Cólquida, ao lado da Ibéria, Apolónio de Rodes descreve que era o local, na mitologia grega, do Velo de Ouro procurado por Jasão e os Argonautas. Tal mito pode ter derivado da prática local de utilização de lã para peneirar pó de ouro dos rios.

Por outro lado, há paralelos entre os Iberos e os Urartuanos nas esculturas e nas vestes dos guerreiros, nos mantos sobre a cabeça das mulheres, uso de peitorais, torques, braceletes e arrecadas. Os arreios dos cavalos evidenciam igualmente grande proximidade entre os usados em Urartu e entre os Iberos. Urartu corresponde ao Ararate, ou Reino de Van, um reino da Idade do Ferro centrado ao redor do lago Van, no planalto Arménio. O lago Van fica no leste da Turquia, no Curdistão, e antigamente estava dentro do Reino da Arménia na sua maior extensão. Especificamente, Urartu é um termo assírio para uma região geográfica, enquanto que ‘’Reino de Urartu’’ ou as “terras de Biainili" designam o estado da Idade do Ferro que surgiu naquela região. A região corresponde ao planalto montanhoso entre a Anatólia, a Mesopotâmia e o Cáucaso, conhecida atualmente como planalto Arménio. Não há textos urartuanos que tenham chegado aos nossos dias para uma comparação aprofundada do ponto de vista linguístico, mas mesmo assim apuram-se algumas semelhanças: nenhuma das línguas é indo-europeia nem semita, ambas são aglutinantes.

Neo-Hititas

É da História de há muitos anos que a explicação para a fundação de Cartago pelos Fenícios no século VIII a.C. está relacionada com os mecanismos de causa e efeito das migrações dos povos. As cidades Fenícias do Levante Mediterrânico a partir de 850 a.C. começaram a sofrer a pressão dos Assírios a expandirem-se em direção ao Mediterrânio. É claro que os Fenícios, ao terem de migrar mais para Ocidente, tenham aproveitado a oportunidade de incrementarem o comércio com os povos mais civilizados do 1º milénio a.C. da Península Ibérica. E efetivamente, foi isso que aconteceu, através de feitorias em vários pontos da faixa costeira de Málaga a Almeria.

Ora, a confirmarem-se os indícios de que os Iberos derivam dos Urartu-Hurritas, então é o que terá também acontecido com os povos do sudeste da Anatólia por volta do início do século VI a.C. Infere-se daqui que estes chegaram ao sueste espanhol para se exilarem devido à queda do reino de Urartu, operada, ao que se crê, pelos Citas, no início do século VI a.C.


Façamos então uma breve incursão pela história, tal como é hoje conhecida com razoável segurança, dos povos anatólicos do 1º milénio a.C. Os historiadores mais recentes apontam a Queda do Império Hitita, uma das potências civilizadas do 2º milénio a.C., para o começo do 1º milénio a.C. Os Hititas haviam invadido a Ásia Menor em princípios do 2º milénio a.C., numa época em que brilhavam, mais a oriente, as civilizações Mitanni e Babilónica. já passado um milénio após os seus antepasados, os Sumérios, terem iniciado a grande revolução da História que foi a invenção da escrita. De imensas tabuinhas de argila escritas, descobertas em finais do século XIX, deduz-se uma consistente organização política. Mas, tal como todas as civilizações do passado, e provavelmente do presente, tal brilho não impediu a queda e o desmoronamento. Tudo indica que terá sido mais uma das consequências dos “famigerados” Povos do Mar que são acusados de importantíssimos efeitos históricos, os culpados das grandes transformações civilizacionais que se deram, pelo menos à volta e ao largo do Mediterrânio, no dealbar do primeiro milénio a.n.e. Todavia, há uma notável continuidade cultural nas civilizações que se seguiram, e constituíram a designada 1ª Idade do Fero. A que prolongou mais de certa maneira a civilização Hitita passou a chamar-se Neo-Hitita, ainda assim formada por diversos reinos.

Havia um íntimo parentesco, senão mesmo uma unidade étnico-cultural, entre Cónios, Tartéssios e Turdetanos ou Túrdulos. Os povoados da 1ª Idade do Ferro do sul de Portugal relacionavam-se com o mundo tartéssico do século VIII a.C., como reconhecem os arqueólogos. Os exilados Neo-Hititas terão abandonado o Mediterrâneo oriental algum tempo depois da época em que da Ásia Menor saíram também Etruscos, que foram instalar-se na costa ocidental da Península Itálica.

Todo o leitor, pode reagir numa primeira leitura com grande ceticismo em relação ao que tenho vindo a escrever, assim como os académicos que contestam esta abordagem da instalação de povos tão distantes da Península Ibérica. Mas não esqueçamos que este caso não é inédito. Não faltam outros exemplos, desde logo os Fenícios. E não esqueçamos os Gregos, os Celtas e os povos Indo-arianos. Por outro lado, o Algarve e o Baixo Alentejo, eram regiões de fraca densidade populacional. Logo, não implicaria grande esforço bélico a uma vaga significativa de migrantes.

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