Portugal tem toda uma série de lugares mágicos que merecem uma atenção especial. Não faltam vestígios do culto arcaico à Deusa-Mãe, um pouco por todo o lado, ainda que com adaptações posteriores que o cristianismo levou a efeito para o culto à Virgem Maria. Por exemplo, em Braga, a Sé foi edificada sobre as ruínas de um antigo templo de Ísis.
Esta cristianização permitiu que, com outro nome, os povos da cristandade continuassem a adorar a Deusa-Mãe. Num outro lugar chamado "Castelo" em Arcos de Valdevez, junto a um grande penedo, faz-se o culto a Nossa Senhora do Castelo, a padroeira da vila. E por aí fora, não faltam exemplos como a capela-gruta dedicada ao culto mariano na Penha de Guimarães. Gruta iniciática, ou útero da Mãe-Terra.
NÚCLEO MEGALÍTICO DO GIÃO - MEZIO
Que povos foram estes que andaram por estes lados do Parque Nacional Peneda-Soajo-Gerês, que deixaram um conjunto de monumentos megalíticos conhecidos por Antas da Serra do Soajo? Na foto supra vê-se a Anta do Mezio, um exemplar funerário edificado há cerca de 5000 anos, integrada no conjunto desses monumentos. Para mais pormenores, Nuno Miguel Soares, arqueólogo, fala-nos disso em excelente trabalho publicado no GEPA Nº 17, 2005.
É evidente que não conseguimos chegar a toda a verdade em relação à vida dos nossos antepassados de idades tão recuadas da pré-história. No entanto, não deixa de ser intringante o facto de druidas e bardos se terem preocupado tanto com a memória e o segredo, e nunca se terem interessado em passar a escrito os seus poemas, como aconteceu com os gregos e os outros povos semitas do crescente fértil do Médio Oriente. Por isso, do pouco que sabemos dos nossos antepassados celtas, ficou apenas na memória o que chegou de boca em boca, de geração em geração, tendo surgido só mais tarde, nos primeiros séculos do cristianismo, as primeiras transcrições feitas por monges da Irlanda.
É por isso que alguns estudiosos e apaixonados pelo passado, sobretudo os do Alto Minho, se acham descendentes dos celtas. Sabe-se que estes celtas, com origem algures entre a Boémia e os Alpes, prolongando-se até ao sul do Danúbio, vieram em migrações sucessivas para o noroeste da Península Ibérica. A primeira vaga é estimada no fim da Idade do Bronze, ou seja, entre 900 e 700 a.C. Ainda assim, pouco se sabe de concreto. E houve um segundo fluxo migratório que ocorreu depois do ano 500 a.C. É provável que estes famosos celtas, formados por pequenas tribos independentes uma das outras, não tenham aniquilado o antigo Povo das Mamoas e se tenham assimilado com ele. Devia ser uma elite guerreira, técnica e intelectual.
Nos Arcos os arqueólogos realizaram um excelente trabalho, para além da inventariação desse extraordinário património cultural, reconstituiram uma mamoa a partir do esqueleto da anta. É muito mais impactante, ao visitarmos o lugar, a entrada no útero da Terra.
Esta região do Parque Peneda-Gerês, bem como o território da Galiza contíguo do outro lado da fronteira, mil anos a.n.e. foi habitada pelos Estrímnios, povo autóctone que após a invasão celta pelos finais do século VII a.C. foi assimilado pelos celtas chamados Sefes, com os quais deram origem a uma nova cultura, a da metalurgia do ferro, conhecida pela cultura castreja ou dos Castros.
Ainda no Parque Peneda-Gerês, Ermida e Parada estão situadas em plena Serra Amarela, concelho de Ponte da Barca. Pela estrada [Ponte da Barca – Lindoso], ao chegar a Entre Ambos-os-Rios, temos aí a bifurcação: continuando em frente vamos ter a Parada, passando antes por Britelo. É de Parada que parte um trilho de 4 quilómetros que vai dar ao Penedo do Encanto, inserido no Complexo de Gravuras Rupestres de Bouça do Colado.
PENEDO DO ENCANTO
O Penedo do Encanto é o exemplar principal da arte rupestre da Bouça do Colado. É uma grande rocha central rodeada de 7 outras de menores proporções. Apresenta dois momentos principais de gravação e ainda um terceiro já cristianizado. Num primeiro momento, que remonta à Idade do Bronze, temos gravado ao centro uma figura feminina idealizada rodeada de diversas ‘combinações circulares’ com covinhas no interior. É difícil interpretar o significado destas gravuras, ainda que os motivos sejam coerentes com o que é conhecido de outros lados.
Daí a lenda que conta que foi no interior deste penedo que os mouros esconderam o seu ouro antes de se retirarem, fugindo à Reconquista Cristã. Os símbolos seriam um código sob o qual o ouro estaria protegido de quem o não soubesse decifrar. Mas quem soubesse ficaria na posse de uma riqueza incomensurável. Há um segundo momento que é sugestivo de ser integrado já na Idade do Ferro, predominando os antropomorfos esquemáticos e os motivos geométrico-abstratos, muito idênticos aos motivos da Arte Rupestre do Gião, do outro lado do rio Lima, no Soajo/Cabana Maior.
Mas se na bifurcação de Entre Ambos-os-Rios, em vez se seguirmos em frente para Parada virarmos à direita, vamos ter à Ermida, e veremos a Estátua-Menir da Ermida.
ESTÁTUA-MENIR DA ERMIDA
A Estátua-menir da Ermida, com metro e meio de altura, provavelmente resulta do encontro da tradição local da arte rupestre ao ar livre do Noroeste Peninsular com o movimento ideológico-religioso das estátuas-menir europeias entre finais do terceiro milénio a.C. e meados do segundo milénio a.C. Está gravada apenas no anverso, apresentando no peitoral dois círculos concêntricos e covinha. São do mesmo grafismo que decora a Pedra do Encanto da Bouça do Colado, que se encontra distante daqui, em linha reta, seis quilómetros. O movimento das estátuas-menir deve ter vindo de fora, no final do neolítico, ou já no calcolítico, miscigenando-se com a cultura local de gravuras rupestres ao ar livre que já cá existia há muito tempo. Qual o significado da estátua-menir? Uma hipótese é tratar-se da representação da Deusa ligada ao culto da fecundidade ainda influenciado pelo culto neolítico da Deusa-Mãe. Mas como sempre, e em tudo, não há consenso quanto a isso. Os tempos antigos continuarão para sempre a manter os mistérios fechados.
PEDRA DOS NAMORADOS
A Pedra dos Namorados é o outro monumento pré-histórico da Ermida que havia sido descoberto já no início do século XX. Nessa altura, envolvido em grande contestação por parte da população, foi enviado para o Museu Municipal do Porto, hoje no Museu Soares dos Reis, Porto. O protagonista dessa missão foi um tal Manuel Bento da Rocha Peixoto, advogado em Ponte da Barca, e que por acaso ouvi falar porque era avô do meu saudoso e bom mestre clínico com o mesmo nome do avô.
Termino este périplo com imagens de espirais que humanos desenvolveram provavelmente por imitação do que viam na natureza. Poderia ser um tentativa de melhor compreender o significado de padrões que a natureza forma espontaneamente desde o início da vida, quer pela forma, quer pelo comportamento dos elementos: minerais, plantas e animais. Se aceitarmos que a natureza, para a criação da diversidade das espécies, é como se tivesse uma “imaginação criadora”, então a psique humana é de alguma maneira essa mesma imaginação criadora por outros meios. Um único arquétipo pode-se manifestar de muitas maneiras diferentes. Não temos outro remédio senão conjeturar.
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