terça-feira, 27 de agosto de 2019

Pedras megalíticas e penedos mistério

Em Portugal, assim como em muitos outros países, certas pedras constituem um património fundamental da identidade e da vivência do Sagrado dos nossos ancestrais que por cá passaram ao longo de milénios. É imensa a quantidade de coisas que as pessoas da cidade conhecem. Mas de modo nenhum pode ser comparado com a quantidade de coisas que desconhecem. Daí ficarem invariavelmente impressionadas perante a solidez majestática de algumas pedras e alguns rochedos que persistem em manter-se para guardar os mistérios que nos transcendem. Todavia, não se apagaram por completo da memória as idiossincrasias místico-naturalistas de outros tempos, pois ainda restam algumas pessoas vivas, com a memória, por essas aldeias míticas de Portugal. Mas pouco faltará para que sejam remetidas definitivamente ao esquecimento.

Portugal tem toda uma série de lugares mágicos que merecem uma atenção especial. Não faltam vestígios do culto arcaico à Deusa-Mãe, um pouco por todo o lado, ainda que com adaptações posteriores que o cristianismo levou a efeito para o culto à Virgem Maria. Por exemplo, em Braga, a Sé foi edificada sobre as ruínas de um antigo templo de Ísis. 


Esta cristianização permitiu que, com outro nome, os povos da cristandade continuassem a adorar a Deusa-Mãe. Num outro lugar chamado "Castelo" em Arcos de Valdevez, junto a um grande penedo, faz-se o culto a Nossa Senhora do Castelo, a padroeira da vila. E por aí fora, não faltam exemplos como a capela-gruta dedicada ao culto mariano na Penha de Guimarães. Gruta iniciática, ou útero da Mãe-Terra.



NÚCLEO MEGALÍTICO DO GIÃO - MEZIO

Num “Périplo à volta do Parque Nacional Peneda-Gerês” – uma zona de montanha, encontramos muita Arte Rupestre, provavelmente com mais de sete mil anos. É uma região que teve intensa ocupação humana desde o Paleolítico. A melhor entrada é pela Porta do Mezio. O Núcleo Megalítico do Mezio, que se estende pelas freguesias de Cabana Maior e Soajo, é constituído por um conjunto de onze monumentos, dos quais oito são mamoas com tumulus e estrutura dolménica.


A Estação Arqueológica no monte do Gião, a quase 800 metros de altitude, dominando um vasto anfiteatro natural, forma um todo profundamente simbólico da realidade social e religiosa das comunidades humanas desse tempo. Complexo de arte rupestre da Idade do Bronze, e composto por mais de cem rochas gravadas com diversos motivos de cariz simbólico e geométrico, onde se destacam elementos de forma quadrangular e retangular, com cantos redondos, bem como figuras esquemáticas antropomorfas, sobretudo do tipo em fi. Nas imagem é percetível uma figura antropomórfica de tipo ‘fi’, com mão direita marcada pela palma e cinco dedos de forma naturalista.

Que povos foram estes que andaram por estes lados do Parque Nacional Peneda-Soajo-Gerês, que deixaram um conjunto de monumentos megalíticos conhecidos por Antas da Serra do Soajo? Na foto supra vê-se a Anta do Mezio, um exemplar funerário edificado há cerca de 5000 anos, integrada no conjunto desses monumentos. Para mais pormenores, Nuno Miguel Soares, arqueólogo, fala-nos disso em excelente trabalho publicado no GEPA Nº 17, 2005.

É evidente que não conseguimos chegar a toda a verdade em relação à vida dos nossos antepassados de idades tão recuadas da pré-história. No entanto, não deixa de ser 
intringante o facto de druidas e bardos se terem preocupado tanto com a memória e o segredo, e nunca se terem interessado em passar a escrito os seus poemas, como aconteceu com os gregos e os outros povos semitas do crescente fértil do Médio Oriente. Por isso, do pouco que sabemos dos nossos antepassados celtas, ficou apenas na memória o que chegou de boca em boca, de geração em geração, tendo surgido só mais tarde, nos primeiros séculos do cristianismo, as primeiras transcrições feitas por monges da Irlanda.

É por isso que alguns estudiosos e apaixonados pelo passado, sobretudo os do Alto Minho, se acham descendentes dos celtas. Sabe-se que estes celtas, com origem algures entre a Boémia e os Alpes, prolongando-se até ao sul do Danúbio, vieram em migrações sucessivas para o noroeste da Península Ibérica. A primeira vaga é estimada no fim da Idade do Bronze, ou seja, entre 900 e 700 a.C. Ainda assim, pouco se sabe de concreto. E houve um segundo fluxo migratório que ocorreu depois do ano 500 a.C. É provável que estes famosos celtas, formados por pequenas tribos independentes uma das outras, não tenham aniquilado o antigo Povo das Mamoas e se tenham assimilado com ele. Devia ser uma elite guerreira, técnica e intelectual. 

Nos Arcos os arqueólogos realizaram um excelente trabalho, para além da inventariação desse extraordinário património cultural, reconstituiram uma mamoa a partir do esqueleto da anta. É muito mais impactante, ao visitarmos o lugar, a entrada no útero da Terra.


É provável que desde o início muito remoto da humanidade a codificação simbólica tenha sido fundamental a todos os grupos humanos para descodificar a envolvência física, tal como é hoje, embora hoje seja noutros termos e com outra dimensão. A sobrevivência dependia da descodificação de sinais emanados não só da natureza física dos elementos, como de outros animais, quer para o seguimento dos seus rastos na caça, quer para se defender deles. A cultura megalítica estende-se desde os finais do Neolítico e prolonga-se pela Idade do Bronze, documentado especialmente pela construção de monumentos tumulares de pedra, designados de dolmens ou de megálitos, bem como pelos materiais como armas de pedra, osso, madeira e bronze, objetos de cerâmica, instrumentos de trabalho e uso doméstico.

Esta região do Parque Peneda-Gerês, bem como o território da Galiza contíguo do outro lado da fronteira, mil anos a.n.e. foi habitada pelos Estrímnios, povo autóctone que após a invasão celta pelos finais do século VII a.C. foi assimilado pelos celtas chamados Sefes, com os quais deram origem a uma nova cultura, a da metalurgia do ferro, conhecida pela cultura castreja ou dos Castros.

Ainda no Parque Peneda-Gerês, Ermida e Parada estão situadas em plena Serra Amarela, concelho de Ponte da Barca. Pela estrada [Ponte da Barca – Lindoso], ao chegar a Entre Ambos-os-Rios, temos aí a bifurcação: continuando em frente vamos ter a Parada, passando antes por Britelo. É de Parada que parte um trilho de 4 quilómetros que vai dar ao Penedo do Encanto, inserido no Complexo de Gravuras Rupestres de Bouça do Colado.

 






PENEDO DO ENCANTO
O Penedo do Encanto é o exemplar principal da arte rupestre da Bouça do Colado. É uma grande rocha central rodeada de 7 outras de menores proporções. Apresenta dois momentos principais de gravação e ainda um terceiro já cristianizado. Num primeiro momento, que remonta à Idade do Bronze, temos gravado ao centro uma figura feminina idealizada rodeada de diversas ‘combinações circulares’ com covinhas no interior. É difícil interpretar o significado destas gravuras, ainda que os motivos sejam coerentes com o que é conhecido de outros lados.

Daí a lenda que conta que foi no interior deste penedo que os mouros esconderam o seu ouro antes de se retirarem, fugindo à Reconquista Cristã. Os símbolos seriam um código sob o qual o ouro estaria protegido de quem o não soubesse decifrar. Mas quem soubesse ficaria na posse de uma riqueza incomensurável. Há um segundo momento que é sugestivo de ser integrado já na Idade do Ferro, predominando os antropomorfos esquemáticos e os motivos geométrico-abstratos, muito idênticos aos motivos da Arte Rupestre do Gião, do outro lado do rio Lima, no Soajo/Cabana Maior.

Mas se na bifurcação de Entre Ambos-os-Rios, em vez se seguirmos em frente para Parada virarmos à direita, vamos ter à Ermida, e veremos a Estátua-Menir da Ermida.


ESTÁTUA-MENIR DA ERMIDA
A Estátua-menir da Ermida, com metro e meio de altura, provavelmente resulta do encontro da tradição local da arte rupestre ao ar livre do Noroeste Peninsular com o movimento ideológico-religioso das estátuas-menir europeias entre finais do terceiro milénio a.C. e meados do segundo milénio a.C. Está gravada apenas no anverso, apresentando no peitoral dois círculos concêntricos e covinha. São do mesmo grafismo que decora a Pedra do Encanto da Bouça do Colado, que se encontra distante daqui, em linha reta, seis quilómetros. O movimento das estátuas-menir deve ter vindo de fora, no final do neolítico, ou já no calcolítico, miscigenando-se com a cultura local de gravuras rupestres ao ar livre que já cá existia há muito tempo. Qual o significado da estátua-menir? Uma hipótese é tratar-se da representação da Deusa ligada ao culto da fecundidade ainda influenciado pelo culto neolítico da Deusa-Mãe. Mas como sempre, e em tudo, não há consenso quanto a isso. Os tempos antigos continuarão para sempre a manter os mistérios fechados.



Esta estátua feita em pedra desta região da Serra Amarela, foi descoberta em 1981 por António Martins Batista. Havia sido identificada um ano antes no muro interior de uma parede-meia de uma corte de gado.


PEDRA DOS NAMORADOS

A Pedra dos Namorados é o outro monumento pré-histórico da Ermida que havia sido descoberto já no início do século XX. Nessa altura, envolvido em grande contestação por parte da população, foi enviado para o Museu Municipal do Porto, hoje no Museu Soares dos Reis, Porto. O protagonista dessa missão foi um tal Manuel Bento da Rocha Peixoto, advogado em Ponte da Barca, e que por acaso ouvi falar porque era avô do meu saudoso e bom mestre clínico com o mesmo nome do avô.


Termino este périplo com imagens de espirais que humanos desenvolveram provavelmente por imitação do que viam na natureza. Poderia ser um tentativa de melhor compreender o significado de padrões que a natureza forma espontaneamente desde o início da vida, quer pela forma, quer pelo comportamento dos elementos: minerais, plantas e animais.  Se aceitarmos que a natureza, para a criação da diversidade das espécies, é como se tivesse uma “imaginação criadora”, então a psique humana é de alguma maneira essa  mesma imaginação criadora por outros meios. Um único arquétipo pode-se manifestar de muitas maneiras diferentes. Não temos outro remédio senão conjeturar.


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