sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Planando entre Paredes de Coura e Viana do Castelo




          Depois da música dos “New Order” no Festival de Paredes de Coura, e uns mergulhos no rio Coura, eis-nos em Viana do Castelo para assistir às Festas da Senhora da Agonia.
          Enquanto no Festival de Paredes de Coura cem mil jovens caem num tal estado de encantamento, que se esquecem do seu laço misterioso com a Mãe-Terra, tornando-se indefesos face à terrível alienação sem transcendência que é a da nossa época. A Romaria da Senhora da Agonia segue o padrão medieval: as autoridades eclesiásticas superintendem o programa religioso e as autoridades pagãs o programa profano. Esta festa, que dura cinco dias, atrai milhares de pessoas vindas de todo o lado.


          Em Viana ainda se faz a comunicação mágica entre o Céu e a Terra, vivenciando o tempo mítico das origens e sacralizando o espaço da sua terra. Veneram-se os antepassados que adoravam as árvores e os penedos numa emoção cósmica e transcendente. Ao passo que em Paredes de Coura ouve-se a música que nos transporta às esferas sublimes do sentimento, mas que no dia seguinte, pode-se ouvir a mesma melodia, mas não com o mesmo sentimento.
          Em Viana a função simbólica é vital para o relacionamento humano com o divino. Em Paredes de Coura ignoram-se tais influências do Sagrado, que também são desprezadas pelos intelectuais positivistas reducionistas e pelas elites mediáticas com fome de futuro. Esta festa, em grande medida, é uma exaltação da mulher vianense, bem refletida no conhecido cortejo da mordomia e nos trajes míticos que enverga, de um colorido deslumbrante. E o ouro que trazem consigo recorda os antigos cultos solares do povo celta. Mas também existe a contraparte guerreira, representada pelos Zés-Pereiras que percorrendo a cidade ao som dos bombos acompanhados pelos Gigantones e Cabeçudos pontuam o momento mágico desta festividade. No dia 20, a padroeira dos pescadores é solenizada nas águas do mar. Daí que não seja de estranhar o facto de a padroeira ter o nome de Agonia, a quem os pescadores recorrem quando no mar, agonizantes, sentem o perigo de vida iminente. Mas depois se transmuta num hino à cor e alegria. 
          Muito do que hoje fazemos e comemoramos, sem que disso tenhamos consciência, provém de um tempo mais longínquo do que queremos admitir. É essa a questão das origens. O estudo da História serve para mostrar como o presente é solidário com o passado. Não apenas o geral dos nossos costumes e dos objetos de que nos servimos diariamente, mas também os sentimentos de que se compõe a nossa existência. Por baixo deste progressismo vazio e superficial ainda vive um património milenar. Mas apesar de uma boa parte do “povo” ainda o vivenciar, a verdade é que a elite desta Europa envelhecida governa-a totalmente esquecida e alheada dessa realidade.

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