quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Escrita do Sudoeste (SW) - 1ª escrita da Península Ibérica - [Segunda Parte]


Há muitas inscrições na Península Ibérica já bem identificadas nas suas línguas de origem, tal como: grega, ibérica ou celtibérica, fenícia. No entanto, encontram-se umas inscrições no Baixo Alentejo e Algarve, e também em Espanha (Extremadura e Andaluzia), mais de 90, quase todas em estelas ou lápides, cujos signos difíceis de interpretar representam uma língua ou línguas até agora desconhecidas. Os autores não são consensuais quanto à sua origem. A maior parte dos autores canónicos inclinam-se para a origem fenícia ou tartéssica. Mas há um autor – Augusto Ferreira do Amaral – que depois de um longo estudo e exaustivo chegou à conclusão que seria mais provável ser de origem neo-hitita.

A Escrita do Sudoeste tem sido um dos temas da Proto-história de Portugal, não só por ser considerada a primeira escrita  a aparecer na Península Ibérica, mas ao mesmo tempo pela sua dificuldade na atribuição dos seus autores. Segundo Varela Gomes, a Escrita do Sudoeste, pode ser das mais antigas entre as existentes na Península Ibérica. Elas datam fundamentalmente da 1ª Idade do Ferro (século VII ou VIII a.C.). Mais antigas só as inscrições do 2º milénio a.C. provenientes da ilha de Creta em escritas linear A e linear B, em alguns lugares do Mediterrâneo.


Segundo Augusto Ferreira do Amaral (A.F.A.) as inscrições do Sudoeste (SW) foram implantadas por um povo com uma escrita que sugere ser de origem neo-hitita, que se instalou em finais do século VIII a.C. no Algarve e Baixo Alentejo. E que esse foi o povo que veio a ser designado pelas fontes gregas e romanas como Cónios ou Cinetes. Os argumentos são fundamentados com os conhecimentos que temos da história do Mediterrâneo oriental na passagem do 2º para o 1º milénio a.n.e. e dos primeiros séculos deste milénio no que respeita ao rearranjo dos impérios do próximo e médio oriente, que envolve as invasões de Assírios e Povos do Mar no levante mediterrânico, e de Frígios na Anatólia. Por outro lado A.F.A. não descarta a hipótese de os Iberos, tendo presentes alguns paralelos das suas línguas, cultura e habitat, fossem outro povo que no mesmo caso tiveram que se exilar vindos de Urartu, reino que soçobrou em fins do século VII a.C. devido à expansão de Medos e/ou Citas. É curiosa a hipótese de Hispânia, Ibéria e Aragão serem nomes com origem em Urartu, relacionada respetivamente com o rei Ishpuini, com o substantivo comum ebri e com o topónimo Arago.

Contra a hipótese de a Escrita do Sudoeste (SW) ser de origem fenícia, joga a escassa presença de topónimos e de inscrições fenícias na Península Ibérica. Os Fenícios não tiveram grande influência na orientalização do sul da Península Ibérica, ao contrário da que lhe tem sido atribuída.

E quanto à origem Tartéssica? Esta tem sido a hipótese com mais adeptos. No entanto A.F.A. vê diferenças consideráveis na língua representada nas inscrições espanholas do SW, em relação às das portuguesas. Além do que o Baixo Alentejo e o Algarve estavam longe de ser o centro mais representativo da cultura tartéssica, aparecendo preferivelmente como região periférica em relação a esta. Para além de achar pouco adequada uma qualificação desta escrita como tartéssica, quando o que se tem construído sobre Tartessos ser mais do foro mítico.

A documentação existente consta de estelas ou fragmentos de estelas epigrafadas e alguns raros grafitos. São fundamentalmente associadas à chamada 1ª Idade do Ferro do sul de Portugal, se bem que também apareçam inscrições datáveis da 2ª Idade do Ferro. Admite-se que quase todas tivessem conexão com necrópoles ou sepulturas.


Quanto à sua criação, o principal núcleo dos signos do SW terá derivado do alfabeto cananeu, modificado por um intermediário indo-europeu do sul da Anatólia, numa época em que despontava também o alfabeto grego. A transmissão para este último deu-se possivelmente por terra, através da Anatólia por um intermediário sírio. É possível que os gregos tenham aprendido a escrita alfabética na Ásia Menor, em plena zona onde se falava luvita. E o intermediário pode ter sido o Povo Filisteu, (pertencente à designação mais geral de Povos do Mar) que nessa altura andava por áreas costeiras do Mediterrâneo oriental. Parece que os invasores filisteus do levante mediterrânico falavam uma língua indo-europeia, talvez próximo da língua luvita, mas terão adotado a breve trecho a escrita alfabética e a língua cananeia falada pela população local. É de Diodoro Sículo (ou Diodoro da Sicília), a afirmação de que tinham sido os Pelasgos a utilizar pela primeira vez o alfabeto importado dos Fenícios, antes de ser transferido para os Gregos. E os Pelasgos eram anatólicos do sudoeste. Kadmos não podia ser fenício, contrariamente ao que afirmam os autores clássicos. A tese de que os Pelasgos usaram o alfabeto adaptado do fenício compagina-se bem com o que é possível saber da escrita primitiva doutro povo com infusão de influência anatólica – os Etruscos.

As línguas hitita e luvita, que são línguas indo-europeias, entre 1400-1200 a.C. tinham uma escrita cuneiforme. A língua fenícia, que é uma língua semita, entre 1050-850 a.C. tinha uma escrita alfabética. A língua do SW (Alentejo e Algarve), entre 800-400 a.C., e provavelmente a língua tartéssica de 700 a.C. eram línguas de raiz indo-europeia, mas a escrita era mista (alfabético-silabária). A língua dos Iberos, entre 600-300 a.C., não era uma língua indo-europeia, mas a escrita era também mista (alfabético-silabária). Daí ser plausível que a escrita do SW não seja de origem tartéssica, e tenha, sim, sido importada com o povo sul-anatólico que ao Algarve terá chegado em finais do século VIII a.C.

Na Península Ibérica, sabe-se bem que o 1º milénio a.C. antes da invasão romana, era um mosaico muito diversificado de línguas. E sabe-se que Portugal começou a ser ocupado por indo-europeus em várias levas ainda durante o 2º milénio a.C. E no 1º milénio a.C. a Península Ibérica terá tido imigrações de Ligures, Trácios, Indo-arianos, Celtas e Anatólicos. Em Espanha há ainda que levar em conta nessas épocas mais etnias além dessas, entre as quais Bascos, Fenícios, Líbio-fenícios (Cartagineses) e Iberos.

Assim, recentes estudos da língua falada e de topónimos da faixa sul da Península Ibérica de Tartéssios, Túrdulos, Cónios e Cilbicenos, devem levar a uma substancial revisão de antigos conceitos simplistas.

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