Este é um tema em que não há consensos, o que não nos
deve surpreender. Em primeiro lugar, existe uma diferença entre civilização no
singular e civilizações no plural. No meio dos pensadores alemães não é
trabalhado o conceito “civilização”. Dão primazia ao conceito de “cultura”.
Talvez por “civilização” ter sido inventada pelos franceses. Dá vontade de
dizer que é cada um a puxar a brasa à sua sardinha. Os pensadores alemães do
século XIX traçaram uma clara distinção entre civilização: que implicava tecnologia
e fatores materiais; e cultura: que envolvia valores, ideias e características
intelectuais e morais de uma sociedade. A partir do século XX, a oposição
“civilizado” versus “bárbaro” perdeu o seu sentido clássico, e o que passou a
existir foi “muitas civilizações”, cada uma delas civilizada à sua maneira.
Assim, dentro do âmbito meramente histórico, das muitas
civilizações podemos começar a elencá-las sem a preocupação de as esgotar, nem
de as mencionar por ordem de importância: chinesa, hindu, europeia, maia, inca,
asteca, eslava, japonesa, egípcia … A civilização é assim o mais elevado
agrupamento cultural de pessoas com afinidades que passam pela língua, a
história, a religião, costumes e instituições, que permita uma
autoidentificação espontânea por parte e cada uma das pessoas. A civilização
japonesa será uma exceção quanto ao facto de as civilizações em regra comportam
mais do que um Estado. O Japão é uma civilização que é um Estado. Vários
especialistas distinguem uma civilização ortodoxa, centrada na Rússia e
separada da cristandade ocidental em resultado da sua linhagem bizantina. Aqui
não entrou o Renascimento, ou a Reforma, nem o Iluminismo.
Esta abordagem tem como implícito que cada pessoa
comporta níveis diferentes de identidade, e graus diferentes de intensidade
identitária: Exemplificando: uma pessoa de Braga, pode dizer que é: um
bracarense; um minhoto; um português; um católico; um europeu; e ao mesmo tempo
identificar-se como um benfiquista. Mas a civilização será o nível mais amplo
de identificação, como, por exemplo, dizer que se identifica com a civilização
ocidental; ou com a civilização de matriz judaico-cristã; ou com a civilização
de matriz celta; ou com a civilização de matriz greco-romana. Das cinco
religiões mundiais com mais crentes, só o budismo não está associado a grandes
civilizações. Na terra onde surgiu não sobreviveu ao hinduísmo. E para onde
migrou, para oriente, não ocupou o lugar nem do confucionismo, nem do
islamismo. Podemos assim concluir que a virtual extinção do budismo na Índia e
a sua adaptação e importação nas culturas existentes na China e no japão
significam que o budismo, embora sendo uma grande religião, não esteve na base
de uma grande civilização. Mesmo o Tibete, a Mongólia e o Butão, é considerada
uma segunda área do budismo, dado que aderiram à variante lamaísta do budismo
maiano. E quanto à civilização judaica? A maior parte dos especialistas de
civilizações, raramente a mencionam. Até neste aspeto é considerado uma
exceção, para não dizer extravagância, uma vez que não sabemos se devemos falar
de Israel – uma religião, uma língua, costumes, literatura, uma base
territorial e política; daí não se poder considerar a civilização hebraica do
tempo de Salomão como uma civilização extinta; para além de não sabermos como
enquadrar os judeus da diáspora, que engloba uma amálgama de alta finança
conspirativa, de pogroms em grande escala no passado, ou de antissemitismo no
presente.
São tudo termos aceitáveis para um habitante de Braga
cujos antepassados consta sempre terem sido daqui, dado se perder no
esquecimento do tempo qualquer hipótese de migração. Embora cientificamente se
saiba que todos somos descendentes de migrantes considerados à grande escala do
tempo. Ao contrário dos impérios, que surgem e caem, ou dos regimes políticos
que são efémeros, vão e vêm, as civilizações permanecem e sobrevivem às
convulsões políticas durante muito mais tempo.
Todos sabemos como é problemático um ocidental falar do
Oriente e um oriental falar do Ocidente. Assim sendo, o Ocidente inclui a
Europa, a América do Norte, A América do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. A
utilização de “Oriente” e “Ocidente” para identificar áreas geográficas é
confusa e etnocêntrica, na medida em que não há um ponto ou linha divisória
leste/oeste, ao contrário do Norte/Sul, cujos pontos são os Polos e a linha é o
Equador. A leste ou a oeste de quê? Tudo depende do ponto onde nos encontremos.
Para os japoneses o Ocidente é a China. Para os chineses o Oeste é a Índia.
Para os nova-iorquinos o Oeste é o Texas ou a Califórnia.
O Ocidente durante várias centenas de anos manteve-se num
nível inferior ao de muitas outras civilizações. A China, sob as dinastias
T’ang, Sung e Ming, o mundo islâmico entre os séculos VIII e XII, Bizâncio
entre os séculos VIII e XI, ultrapassava a Europa em riqueza, território, poder
militar e realizações artísticas, literárias, científicas e tecnológicas. Só no
século XII a Europa começou a desenvolver-se. O Ocidente, como civilização de
terceira geração, herdou muito das civilizações anteriores, especialmente das
civilizações greco-romanas: filosofia grega; direito romano e racionalismo;
língua latina; separação da autoridade espiritual da temporal; primado da lei.
Cada civilização vê-se o centro do mundo e escreve a sua
história como o drama central da história humana. E os ocidentais fazem jus a
esse paradigma. É precisamente o desafio do desconhecido que estimula a nossa
curiosidade de o conhecer dentro de um espírito multicivilizacional. Por isso
não sinto qualquer inibição de vir aqui falar dos chineses ou dos japoneses dos
tempos atuais, na medida em que estamos a pressentir que vamos viver cada vez
mais com a sua influência, à medida que os vamos vendo a comprar coisas por
aqui. Todos os especialistas reconhecem a existência de uma única civilização
chinesa distinta, que remontaria a entre 2.500-1.500 anos a.C. Enquanto o
confucionismo é uma importante componente da civilização chinesa, esta é mais
do que o confucionismo, e também transcende a China como entidade política.
Enquanto os chineses e os japoneses encontram novos
valores nas próprias culturas, reafirmam também todo o valor da cultura
asiática quando comparada, genericamente, com a do Ocidente. A industrialização
e o crescimento que acompanharam este processo produziram nos asiáticos do
Extremo Oriente, nos anos 1980/90, o que poderia designar-se por afirmação
asiática.
Os asiáticos passaram a acreditar que iam manter um
desenvolvimento económico rápido, o que iria resultar a curto prazo na
ultrapassagem do Ocidente em todos os indicares económicos. Por um lado, porque
acreditam que a cultura asiática é superior à ocidental, porque é uma cultura
que coloca a ênfase mais na coletividade do que no indivíduo. E por outro lado,
consideram que a civilização ocidental está cultural e socialmente em
decadência. Em todos esses países do sudeste asiático sobressai o sistema
confucionista, reconhecido pela sua frugalidade, pela aposta na família e não
no individuo, e não de somenos, a importância do “autoritarismo suave”.
Em princípios do século XX os intelectuais chineses, à
maneira de Max Weber, mas de um modo independente, viam o confucionismo como a
fonte do atraso chinês. Em finais do século XX os dirigentes políticos
chineses, à maneira dos sociólogos ocidentais, celebram o confucionismo como a
fonte do progresso chinês. Na década de 80 o governo chinês começou a promover
o interesse pelo confucionismo, com os dirigentes partidários a declará-lo como
“a corrente dominante” da cultura chinesa. Na década de 1990 o governo de
Taiwan proclamou-se “herdeiro do pensamento confucionista”. O nacionalismo
promovido pelo regime chinês é o nacionalismo Han, que ajuda a suprimir as
diferenças linguísticas, regionais e económicas em 90% da população chinesa. No
entanto, 10% da população é de minorias étnicas não chinesas, ocupando 60 % do
território.
Uma outra civilização distinta é a islâmica, nascida na
Península Arábica no século VII. Mas depois muitas outras culturas distintas da
arábica, como a turca, a persa e a malaia, passaram a pertencer ao mundo
islâmico. Ao contrário dos confucionistas, os islamistas – muçulmanos e não
muçulmanos, ou melhor, árabes e não árabes – ao voltarem-se de novo para o
Islão como fonte de identidade antiocidental, ainda não encontraram o caminho
que os leve a alcançar o mesmo objetivo económico conseguido pelos asiáticos
extremo-orientais. São muitos os sinais de um despertar islâmico na vida
pessoal: maior ênfase no trajo e nas práticas de rezar virados para Meca cinco
vezes por dia, estejam onde estiverem. Muitos estadistas e governos, incluindo
os Estados mais seculares, de que a Turquia é o caso mais surpreendente, têm
mostrado uma maior permissividade a extremismos quanto às questões da pureza
islâmica.
Mutas das características da civilização ocidental
anteriormente referidas contribuíram para o nascimento de um sentimento de
individualismo e de uma tradição de direitos e liberdades individuais únicos
entre as sociedades civilizadas. O individualismo continua a ser um sinal
distintivo do Ocidente entre todas as civilizações que ainda existem. Ora, este
valor que é o mais importante no Ocidente, não é acolhido com o mesmo entusiasmo
no resto do mundo, onde impera o coletivismo ou o comunitarismo, mais restrito
quando limitado à família ou clã, ou mais alargado à dimensão da aldeia
comunitária.