terça-feira, 12 de novembro de 2019

O lítio em Portugal e a economia: que economia?



Sempre foi assim o progresso, em prol de uma nova economia, sacrifica-se a velha economia com sacrifício dos que ficam para trás na História: Vilarinho da Furna, Rio de Onor, Várzea do Soajo . . . Agora é o lítio, que está a inquietar e a desassossegar principalmente os habitantes das regiões que já foram sinalizadas como tendo o subsolo rico em lítio, seja a região de Montalegre, seja a região da Serra de Arga. Do outro lado das populações estão as empresas, que nunca falam claro às populações.

Tomo aqui o termo “economia”, no sentido mais clássico, mais biológico, aquela que tem a ver com as pessoas, como , por exemplo, estas populações que vivem exclusivamente da pastorícia. Não “Economia” no sentido da disciplina científica, e que é hoje só por si, a mais influente ciência social. Ciência que consiste na análise da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Historicamente, alguns dos melhores pensadores debateram-se com o problema de como entender a economia. Aristóteles foi um deles. Na sua obra “A Política”, identificou dois tipos de atividade na sociedade grega: a produtiva – oeconomia (oîkos, “casa” + nómos, “lei”); a distributiva – chrematistiké (khrêma, “dinheiro”). A prática crematística consiste em colocar a procura da maximização da rentabilidade financeira antes de qualquer outra coisa, em detrimento, se necessário, dos seres humanos e do meio-ambiente. É da natureza da prática crematística recorrer a diversas estratégias de ação nocivas, como especulação financeira, degradação sócio-ambiental, sem preocupação com as consequências.

Apesar de a Economia como ciência, pela influência intelectual que hoje em dia imprime na sociedade, dar azo a que os economistas profissionais reivindiquem um estatuto equivalente à física e à medicina, para terem também direito a um Prémio Nobel, a verdade é que não há ciência que coloque à sociedade mais problemas, não só pela sua fraca fiabilidade, como pela sua obscuridade. Daí os economistas serem os profissionais mais contestados na comunicação social. O que não admira, atendendo à sua complexidade e ao objeto de estudo: os comportamentos das pessoas no seu dia-a-dia e que tem que ver com a maneira como os seres humanos organizam a produção, a distribuição, o consumo e a troca de bens e serviços, o emprego e o investimento, a despesa pública, e sei lá que mais. Se tivéssemos que ser rigorosos na taxinomia de Aristóteles, esta disciplina, em vez de se chamar Economia, devia chamar-se Crematística.

Enquanto Aristóteles considerava a oeconomia como algo necessário a todas as sociedades, já a crematística era perigosa e destrutiva para a sociedade devido à ausência de limites relativamente às atividades envolvidas. A oeconomia era considerada uma atividade natural, enquanto a crematística não o era. A arte de fazer dinheiro com dinheiro era considerada imoral. Na Ética a Nicómaco, Aristóteles reconhece que as relações de troca têm uma dimensão moral. O comportamento dos seres humanos, a variável-chave da economia, mesmo nas economias das sociedades mais simples, é muito difícil de entender, pois as pessoas alteram os seus comportamentos conforme as mudanças do meio externo, que depende da forma como é interpretada a informação disponível. 

É impressionante como tantas atividades que em tempos eram consideradas imorais e mesmo ilegais se tornaram não apenas aceitáveis como foram consideradas benéficas para a sociedade. São Tomás de Aquino na Summa Theologica também analisa questões de economia na esteira de Aristóteles. Praticamente até ao fim do 1º milénio d.C. a maioria das trocas eram feitas em espécie. Os servos (caseiros na terminologia do norte de Portugal) pagavam aos seus senhores em trabalho e em resultado das colheitas. Mas a partir daí a Europa assistiu a um crescimento gradual da exploração de minas e cunhagem de moeda à medida que os mercados de expandiam, e havia mais coisas para vender e comprar. Isto levou à questão de saber como estabelecer um preço justo. E Tomás de Aquino abordou esta e muitas outras questões. Ele levou a questão do preço justo para o nível da ética, porque não podia afirmar que era ilegal. Ele bem sabia que pelo senso comum, não era ilegal comprar uma coisa por um preço e voltar a vende-la muito mais caro. Para qualquer pessoa parecia ser natural e não criminoso. Tomás de Aquino também considerava o dinheiro como algo não-natural, uma vez que não crescia sozinho. Este foi outro argumento que ele arranjou contra a obtenção de lucro através de empréstimos.

Ibn Khaldun [1332-1405], um filósofo, historiador e estadista muçulmano, que nasceu em Tunes e morreu no Cairo, foi um precursor da economia política clássica. A teoria do ciclo de vida das civilizações de Ibn Khaldun comparava a sociedade a um organismo vivo sujeito ao declínio e à morte como uma causa universal. Khaldun foi de facto um prolífico pensador de conceitos que hoje são pilares científicos da disciplina. Por exemplo, viu que o Estado tinha limites para aumentar os impostos. A dada altura os cidadãos seriam desencorajados de trabalhar mais, e isso acabaria por arruinar o Estado. Hoje isto é conhecido pela curva de Laffer, em que as taxas de tributação mais elevadas têm como consequência receitas fiscais mais baixas.

Adam Smith escreveu na sua História da Astronomia que o ser humano sente uma espécie de ansiedade relativamente àquilo que é inesperado e não lhe é familiar. Por isso, tentamos classificar e categorizar o mundo com vista a que tudo faça sentido. De acordo com Adam Smith, isto é o objetivo da filosofia, o encontrar a ordem no meio do caos. Ora a economia capitalista é dinâmica, não tem nada de estático. Portanto, qualquer teoria económica apenas faz sentido enquadrada no seu contexto histórico. Fora disso, vale o que vale, ou seja, não vale nada.

O Desenvolvimento Económico, um conceito que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, pretendia fazer ver que estavam em casa não apenas crescimento quantitativo, mas também avanços qualitativos. Ora, um dos pontos centrais era que esta teoria era para aplicar em países em vias de desenvolvimento. O explorador preocupava-se pouco com as condições em que ficavam as populações exploradas. Como consequência, a maioria dos países ditos em vias de desenvolvimento sofria de uma falta de integração setorial no seio das suas próprias economias, estruturadas para exportar o seu produto para o mundo industrializado. Ora, isto torna-os vulneráveis às oscilações dos preços das mercadorias mundiais. Daí a perpetuação da pobreza e das desigualdades. 

Schumpeter substituiu o conceito convencional de concorrência de preços pelo conceito de concorrência na inovação. Em vez de competir em termos de preços, as empresas competem levando novos produtos competitivos aos mercados, melhorando a qualidade dos produtos existentes, oferecendo serviços novos. E assim Schumpeter abri caminho a um novo conceito: destruição criativa - novas tecnologias e aperfeiçoadas no mercado, destrói o status quo na medida em que tudo o que existe num dado momento se torna rapidamente obsoleto. E isto provoca fortes rasgões no ecossistema, por causa das novas condições de produção e novos padrões de consumo.

Amartya Sen recebeu o Prémio Nobel da Economia  em 1998 pela sua investigação sobre o Índice de Desenvolvimento Humano. O bem-estar individual e social não é apenas uma questão de consumo de bens e serviços. Importa conhecer o PIB, mas também a esperança de vida e o nível de instrução, juntamente com outros fatores socioeconómicos. E aqui importa muito considerar o problema das desigualdades. Amartya Sen faz uma crítica profunda ao princípio da estrita racionalidade, em detrimento da empatia. Não há uma ordem social e económica estável racional sem ética.

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