quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Jan van Eyck e o retrato de Isabel de Portugal



Jan van Eyck [1390-1441] é considerado um precursor, um pintor flamengo célebre pelas suas inovações na arte do retrato e da paisagem. Juntamente com Robert Campin, que trabalhava em Tournai, foi considerado um personagem-chave na criação da escola flamenga, dando ênfase à observação do mundo natural. 

Em 1425 foi nomeado por Filipe III da Borgonha, (Filipe o Bom) [1396-1467], pintor da corte da Flandres, cargo que conservou até à sua morte. A relação que mantinha com o duque era de tal importância, que este o encarregou de missões diplomáticas, sobretudo em Portugal, Espanha e Itália.

Foi em 1428 que Filipe o Bom, duque da Borgonha, o enviou a Portugal para pintar o retrato da Infanta Isabel - 
Isabel de Portugal [1397-1471], a terceira esposa de Filipe, irmã do Infante Dom Henrique [1394-1460] e Pedro de Portugal, 1º Duque de Coimbra [1392-1449], filhos de Dom João I, rei de Portugal (Mestre de Avis) [1357-1433]. 



Jan van Eyck fez-lhe este retrato, uma pintura de noivado. Retrato esse em óleo sobre madeira, em princípio executada em 1428, o original perdeu-se, existem apenas cópias, como a que é apresentada aqui aqui. 

Estamos em tempos de peste negra, e a corte portuguesa por precaução foi viver para Avis, nos aposentos da Ordem de Avis, no Castelo. A princesa, por via materna pertencia à Casa dos Duques de Lencastre em Inglaterra. A boda do casamento de Filipe o Bom, em terceiras núpcias, com Isabel de Portugal realiza-se a 10 de janeiro de 1430, em Bruges. Deste enlace resultará um filho – Carlos o Temerário. E é nesta cerimónia que Filipe é aceite na muito prestigiada Ordem do Tosão de Ouro. Ou do Velo de Ouro, que tinha por objetivo a celebração do comércio das lãs, fortuna dos Países Baixos, e o renascimento da memória dos Argonautas, numa homenagem aos feitos marítimos dos portugueses.

O Retrato de Isabel de Portugal é especialmente notável pela forma como ela coloca a mão sobre o parapeito de pedra falso. Com este gesto, Isabel estende a sua presença para fora do espaço pictórico entrando no do espectador. A partir das cópias sobreviventes pode-se deduzir que, além da moldura de carvalho real, havia duas outras "molduras pintadas", uma das quais tinha inscrições góticas a toda à volta, enquanto um parapeito de pedra falso dava apoio para que as mãos dela pudessem repousar. Este motivo ilusório foi mais tarde desenvolvido por van Eyck no seu Léal Souvenir, em que o braço do sujeito descansa na moldura inferior esquerda da pintura, como se o sujeito tivesse acabado de chegar, de repente e informalmente, para o encontro e se posicionasse casualmente. Este conceito foi depois copiado notoriamente por Petrus Christus no Retrato de um Cartuxo, em que colocou uma mosca poisada no centro da borda inferior falsa da sua tela. van Eyck já tinha ido mais longe do que isso, contudo, tendo criado no seu retrato uma série de perspetivas ilusórias.



Retrato de Homem (Autorretrato?), também conhecida como Retrato de Homem com Turbante, ou Retrato de Homem com Turbante Vermelho, datada de 1433. Encontra-se na National Gallery, em Londres desde 1851.


Gilbert Sinoué – L’enfant de Bruges © 1999, Éditions Gallimard
De regresso a casa, a sua mulher, Margaret, vem esperá-lo à porta, com a sua touca em forma de corneta parcialmente escondida por trás de uma marmita fumegante. Van Eyck está desejoso da comida de Margaret, queixando-se que passou fome em Lisboa. Petrus Christus está com eles, e pergunta-lhe se não vai entregar o retrato de Isabel ao duque. Mas van Eyck diz que vai primeiro a Gand, pois o duque está em viagem. O duque dá-lhe cem libras por ano; paga-lhe o aluguer desta casa e da outra casa em Lille. E em todas as missões tem-no recompensado muito generosamente. Não tem de que se queixar.

Gilbert Sinoué ficciona uma outra vida para Jan em Bruges, anacrónica enquanto jovem. E então deambula pelo cais, onde abundam barcos e marinheiros a chegarem e a partirem numa roda viva. Assim que as duplas portas da represa voltaram a fechar-se, as sete válvulas verteram as suas águas num fervilhar de espuma. Sob o impulso da ondulação, a embarcação elevou-se progressivamente para o azul. De um lado encontrava-se o campanário de Bruges, do utro, as grossas torres de Termuyden, de Oostkerte e de Lisseweg que pareciam uns faróis alinhados ao longo da costa. Assim que se passava a comporta, entrava-se no Lieve, o canal que conduzia a Sluys. Sluys era como sonhar acordado…

Um dia, um marinheiro havia-lhe dito esta frase que, desde então lhe ficara na memória: “Tal como os homens, todos os navios têm uma história…” Esse kog, com a sua proa em forma de colher e a sua grande vela quadrada presa à longa verga, tinha certamente uma. De que parte do mundo vinha? Provavelmente das ilhas da Frísia, a não ser que fosse do mar Báltico. O que era certo é que era o sobrevivente de uma família de navios quase desaparecidos pois era cada vez mais raro ver u kog em Sluys. O mesmo não poderia dizer-se desses navios dinamarqueses, reconhecíveis entre todos pelos seus cascos trincados, esses naviosa que arvoravam orgulhosamente o estandarte do seu porto de matrícula: Yarmouth, Dover, Hastings, La Rochelle, com o seu castelo de popa em forma de torre.

Jan gabava-se de ser amigo de D. Henrique, o nobre filho do defunto D. João I de Portugal. Desde a sua mais tenra infância que só teve uma paixão: o mar. De regresso de Veneza, o irmão, o infante D. Pedro, oferecera-lhe o livro de Marco Polo bem como uma carta de todas as partes do mundo conhecido, estabelecida segundo os relatos dos comerciantes de especiarias. Ávido de informações enviou agentes secretos à Boémia e a Viena. Adquiriu documentos extremamente preciosos. Mandou vir cartógrafos, astrónomos e timoneiros, mestres na reparação de querenas e velames. Havia vinte anos que D. Henrique havia tomado conhecimento da existência de ilhas afortunadas, mais a oeste, e decidiu lançar em sua busca duas barcas de uma vela, com três escudeiros da sua casa: João Gonçalves dito Zarco; Tristão Vaz; e Idelsbad: o narrador disto. Deram-lhe o nome de Madeira. E em seguida, introduziram a vinha importada de Chipre.

Mas o problema eram os turcos. E os árabes também. O país que conseguisse descobrir os novos itinerários marítimos para alcançar as regiões ricas do cravinho, canela e da pimenta. A título de exemplo ficamos a saber que que o cravo-da-índia, que é pago a dois ducados em java, vale entre dez e catorze em malaca. Entre cinquenta e sessenta em Calecute. É fácil imaginar os preços que atingem nos mercados de Lisboa ou de Antuérpia. Para Portugal e Espanha, essas novas vias marítimas permitiriam também vencer o monopólio de Veneza e de Génova. Mas para D. Henrique a descoberta não chegava. Era preciso dar-lhe vida. É provável que outros que outros tenham chegado à madeira primeiro. Mas a construção da primeira casa, a plantação da primeira cepa, a introdução do primeiro animal doméstico, foi pela mão dos portugueses.

Gilbert Sinoué regressa à ficção para inventar uma conspiração contra o infante D. Henrique, que está em Bruges e parte para Florença. Um homem que apesar da sua paixão ser o mar, nunca tinha antes saído de Sagres. Porque agora? Os interesses comerciais de Portugal eram representados em Florença por D. Pedro de Meneses. Há mais de vinte anos havia lutado numa expedição punitiva contra os mouros em Ceuta. Os mouros, apanhados desprevenidos, não resistiram mais do que umas horas. Porém, foi um banho de sangue. Depois da rendição da praça-forte, os soldados lançaram-se num verdadeiro saque. Foi então nessa noite que D. Henrique chegou à conclusão de que a guerra não era para ele. Ao regressar a Portugal, pediu autorização ao pai para se retirar para Sagres e dedicar-se aos estudos marítimos. Tomadas em África como a de Ceuta, de nada serviam.

Chegados então a Florença, o Palazzo dei Signori coincidia razoavelmente com a descrição dos comerciantes. Efetivamente, nada tinha, pelo menos na aparência, de um palácio, assemelhava-se mais a uma fortaleza. O mesmo não se podia dizer da Casa de Portugal, que refletia uma opulência quase extravagante. Na Casa de Portugal, em dois andares, destacavam-se janelas com arcadas geminadas. As paredes estavam cobertas de alabastro e a porta de carvalho maciço parecia a de uma catedral. O anfitrião, D. Pedro de Meneses, lançou-se nos braços do amigo, apertando-o contra o peito. Vinte anos haviam passado, desde a tomada de Ceuta. Ora, o infante D. Henrique corria perigo, e estava alojado na residência de Cosme de Médicis, no centro da conspiração. Tinham de avisar D. Henrique da tramoia que tinham descoberto e aconselhá-lo a sair da cidade o mais depressa possível.

Ao avistar-se com D. Henrique na casa dos Médicis, D. Pedro de Meneses pôs o Infante D. Henrique a par de tudo, que corria grande perigo de ser assassinado. Mas o Infante, tranquilizou-o dizendo que há mais de trinta anos os seus marinheiros arriscavam todos os dias a vida por ele. E não iria ser ele a fugir na única vez em que a sua própria vida se encontrava em perigo. Médicis não sabia de nada. Eis senão quando, batem à porta. Médicis deteve-se subitamente. Era um criado esbaforido, despenteado, dizendo que a doença de Fiesole se alastrava a Oltrarno. As ruas estavam juncadas de pessoas agonizantes. Era a peste negra.

O perfil do Infante contratava bastante com porte voluntarioso d florentino. A mistura de Norte e de sul conferia ao Infante uma expressão simultaneamente rígida e calorosa, alegre e melancólica, em todo o caso carregada de nostalgia. A tez morena, rosto longo e olhos sombrios. Ao que se acrescentava esse forte bigode castanho-avermelhado que caía discretamente sobre as comissuras dos lábios. Pressentia-se o desapego do asceta e a lucidez do solitário. Envolto naquele longo fato preto, fazia lembrar mais um monge do que um príncipe.
Ao meio-dia, na piazza del Duomo, Jan van Eyck avança, pensativo, enquadrado por Idelsbad e D. Pedro de Meneses. O drama que se desenrolava Oltrano estava em todas bocas e por toda a parte se fazia a mesma pergunta: em que momento o mal atravessaria o rio?  De repente D. Pedro, com grande espanto exclamou: "Olhem quem está ali, Lorenzo Ghiberti, o grande escultor!". Ghiberti estava junto à Porta do Paraíso, uma das portas do Baptistério que ele vinha trabalhando levava já dezassete anos.
Mas sobre a nave del Domo, flutuava a sombra gigantesca da cúpula de Brunelleschi, majestosa, aérea, sublime. No alto havia uma abertura, através da qual jorrava uma torrente de luz. Ainda faltava a clarabóia, que havia de selar a cúpula.
Em 1441, quando Jan van Eyck faleceu, Antonello da Messina ainda tinha 11 anos de idade, e nessa altura ninguém adivinharia que iria ser ele o pintor a introduzir as técnicas de Jan van Eyck em Itália, e por essa via considerado o melhor pintor da Renascença ItalianaOs seus trabalhos eram muitas vezes confundidos com trabalhos de artistas flamengos, devido ao seu detalhismo e solene rigor, à harmonia dos tons e das cenas representadas, à delicadeza das cores, aspectos típicos dos "Primitivos Flamengos", como Jan van Eyck e Rogier van der Weyden. Mas onde se formou ninguém sabe. Continua um mistério. Como foi que conseguiu descobrir a técnica de van Eyck? Atualmente, ninguém está em posição de o explicar com certeza.


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