segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O Ocidente como conceito cultural


O Ocidente como conceito cultural, e não como conceito geográfico, tem a ver com Estado de Direito, democracia, racionalidade crítica, ciência e uma economia assente na propriedade privada. Portanto, enquadrada no contexto das civilizações no tempo histórico. É claro que isto é fruto de uma longa construção histórica a partir de heranças culturais de outras civilizações desde a Antiguidade – Atenas (para a cidadania); Roma (para o Direito Romano); Jerusalém (para a religião cristã). Que depois permitiu gerar a Modernidade – Ciência, Liberalismo, Estado de Direito. Em suma, Ocidente não é povo, não é geografia, mas história e cultura: Europa-América.

Quando a Cidade (conceito civilizacional) emerge em Atenas, depois de um período obscuro a seguir ao desaparecimento das civilizações minoica e micénica, já não é o poder mágico-religioso do rei que serve. A Monarquia dá lugar à República. Passa a ser uma responsabilidade de todos. Assim é preciso uma Ágora, um espaço público onde os assuntos da Cidade possam ser discutidos por todos. Não é bem todos, apenas os cidadãos, ficando de fora os estrangeiros e os escravos. O pensamento racional e a arte do discurso (retórica) são assim as duas criações intelectuais diretamente induzidas pelo caráter público que o poder assumiu na Cidade. Atenção, nada de anacronismos, igual ao que é igual: só os membros da sociedade cívica são iguais perante a lei, porque são semelhantes. E o primado da Lei, a que lhe é associada a liberdade individual, implica obedecer apenas a regras gerais e não a uma ordem pessoal e arbitrária. Aristóteles é muito claro ao dizer: "um regime em que é o povo que governa, e não a Lei, não é um regime de Liberdade", porque neste caso o povo comportar-se-ia como um "monarca coletivo". São as regras: que devem ser gerais; e não ordens casuais, dirigidas ao particular. 

Tucídides recorda o discurso de Péricles quando entende que a cidadania em Atenas deve acolher um grande número de metecos(estrangeiros), concedendo-lhes os principais direitos cívicos. À medida que se consolida a cidade-estado-cívico, a religião arcaica perde o seu domínio sobre as mentalidades. E assim são aventadas novas hipóteses para a ordem cósmica, que em vez de se submeter a leis divinas se submete a leis naturais. Tales, Anaximandro e Anaxímenes, foram os primeiros físicos. As coisas fazem justiça umas às outras, diz Anaximandro, e reparam as suas injustiças segundo a ordem do tempo. Os Gregos deram assim um passo para a ciência, o que ainda não havia sido dada nem por egípcios, nem por mesopotâmicos. E mesmo nos mundos indiano e chinês, as ciências são posteriores às do Egito e da Mesopotâmia. Mas em nenhum destes mundos terá florescido algo que se compare ao mundo helénico, que promoveu e cultivou o que se veio mais tarde na era moderna a chamar razão ou racionalidade, sem a qual não teria sido possível sustentar qualquer lei natural.

Sabemos que a gramática, a retórica e as ciências políticas foram esboçadas pelos sofistas no tempo de Péricles, e desenvolvidas a seguir pelos filósofos nas suas escolas, as primeiras escolas na aceção que hoje lhe damos. Em relação à História, devemos fazer uma menção especial a Heródoto e Tucídides. Nesse sentido, Pitágoras é ainda um pré-escolar, adotando ainda o primado do mestre, dos ritos arcanos, o processo da iniciação mística. No mundo grego, para além de se terem criado as primeiras escolas primárias e secundárias, também se criaram as escolas de medicina.

Este ideal de um humanismo que não se cumpriria sem a prática das letras e das ciências, sofre uma espécie de eclipse ou hibernação nos primórdios do cristianismo, para ressurgir mais tarde no tempo da Renascença, que se transmitiu ao ocidente moderno no tempo do Iluminismo. Assim, Copérnico, Galileu e Descartes retomam a "ciência" do Helenismo, da Antiguidade Greco-Romana, praticamente no ponto em que foi deixada no tempo do Concílio ecuménico de Calcedónia, presidido pelo papa São Leão I, o Magno, de 8 de outubro a 1 de novembro de 451, em que foi condenado o monofisismo, r reconhecido como dogma a unidade das duas naturezas: humana e divina, em Jesus Cristo. As Igrejas Ortodoxas Orientais não reconhecem este concílio nem mais nenhum dos que se realizaram posteriormente.

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