sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Do Imaginário - [1] - A Etymologiae de Isidoro de Sevilha



As sociedades, sejam elas de que género forem, para funcionarem tiveram sempre de recorrer a símbolos e observar certos rituais durante as suas manifestações, desde a Antiguidade até aos dias de hoje. No entanto, ainda rareiam os cursos nas Universidades que se dediquem ao estudo do imaginário e do simbólico usando metodologias apropriadas, como por exemplo o método de Gilbert Durand (Antropologia do Imaginário), e Michel Maffesoli, ou seja, numa perspetiva comparatista e de interdisciplinaridade.

Estudar determinadas obras do passado implica um esforço hermenêutico à altura da interpretação dos mitos revividos cuja substância é formada por imagens e símbolos. Mas vão aparecendo numa ou noutra Universidade, nas Faculdades de Ciências Sociais e Humanas, Gabinetes de Estudos de Simbologia que, apesar da sua timidez, têm feito o seu caminho na análise profunda da linguagem simbólica.

Assim, se quisermos entrar na “Árvore do Conhecimento Humano”, os ramos da ciência e da religião são obrigatórios. E depois não podemos ignorar o ramo mais difícil, que é o ramo dos arquétipos, dos mitos, e do mais escondido que há designado pela palavra “esoterismo”.

Nos tempos formativos da cultura ocidental, depois da queda do Império Romano, como é que os herdeiros dos cacos, durante o período que se convencionou chamar de Idade Média, entendiam o mundo onde assentavam os pés? Era uma mistura de pedaços de conhecimento e pseudoconhecimento: dogma bíblico; contos de viajantes; especulações filosóficas ecléticas; e imaginações míticas da gente comum.

A Antiguidade foi, em diferentes épocas e ao longo do tempo, percecionada de várias maneiras. Se pensarmos nos relatos dos viajantes europeus que percorreram as terras do Próximo e do Médio Oriente, desde a Idade Média, encontramos muitas referências culturais que expressam uma certa estranheza e perplexidade perante a alteridade, assim como exprimem ideias preconcebidas em torno da História Antiga, propagadas tanto pelos autores clássicos quanto pela Bíblia. Sabemos atualmente que o homem medieval viajou muito mais do que aquilo que se supunha. Durante a Idade Média, os cristãos que cruzavam os caminhos do Ocidente, quer fossem reis, senhores, camponeses, clérigos, monges, funcionários, artesãos, almocreves e mercadores, ou fugitivos e vagabundos eram, simultânea ou exclusivamente, peregrinos em busca dos santuários e das relíquias que lhes permitiam obter graças e proteções celestes. Uma demanda relacionada com a procura do Sagrado que transcendia a deslocação motivada simplesmente por preocupações de comércio ou outras necessidades profanas. Na floresta de símbolos em que se tornam os caminhos, recordam-se, insistentemente as marcas do invisível que davam força para afastar o medo e o receio do Outro e o perigo que esse encontro implicava.

A estes testemunhos, juntam-se outras fontes, textuais e iconográficas, que refletem uma representação diacrónica da Antiguidade. Este vasto corpus oferece informação valiosa no que respeita à forma como a Antiguidade foi sendo entendida, tornando-se essencial para analisar as perceções/reflexões culturais do Outro Antigo.

Isidoro de Sevilha [560-636], considerado por um historiador do século XIX "o último académico do mundo antigo". Tornou-se famoso pela “Etymologiae” – uma enciclopédia que juntou fragmentos de muitos livros antigos que teriam sido completamente perdidos se não fosse ele. Vivia-se a época da desintegração da cultura clássica, marcada por violência aristocrática e analfabetismo. Isidoro envolveu-se na conversão da casa real visigótica ao catolicismo. Ele, era muito influente no círculo mais íntimo de Sisebuto, o rei da Hispânia Visigótica.

Isidoro ensinava na Etymologiae que a Terra era redonda. O sentido do que ensinava era ambíguo e alguns autores acreditam que ele se estava a referir a uma Terra no formato de um disco. Mas outros escritos deixam claro, entretanto, que ele considerava a Terra como sendo esférica. Ele também considerou que a possibilidade dos antípodas era uma lenda. Não havia evidência da sua existência. A analogia do formato de disco de Isidoro continuou a ser usada ao longo da Idade Média por autores que favoreciam claramente a ideia de uma Terra esférica, como por exemplo o bispo do século IX Rabanus Maurus, que comparava a parte habitável do hemisfério norte, a Ecúmena, como uma placa circular plana a boiar no grande oceano da Terra. Pois, a forma mais comum de apresentação da Terra era o “mapa roda” ou “mapa T-O”. Toda a superfície habitável do planeta estava representada como um disco circular (um O). Esta roda estava dividida por um curso de água em forma de T. O Oriente ficava no topo, organizando a orientação do mapa. Acima do T estava o continente da Ásia. Em baixo, à esquerda estava o continente da Europa. Do lado direito estava o continente da África. A linha vertical do T que separava a Europa da África, era o Mediterrâneo. A linha horizontal era o Danúbio e o Nilo. O conjunto aparecia rodeado pelo vasto “Mar Oceano”. Portanto, era um círculo de terra plana emersa num enorme globo aquoso que constituía a totalidade do planeta. E Isidoro de Sevilha, o homem mais sábio do seu tempo, explicou que, segundo as Escrituras, a Terra tinha sido dividida depois do Dilúvio pelos três filhos de Noé: Sem, Cam e Jafet. Como muitas outras obras, a Etymologiae foi-nos legada no século XIII pela corte de Afonso X (o Sábio ou Astrólogo), avô do nosso D. Dinis, em Toledo.

D. Dinis já era portador de uma visão da geografia terrestre distinta da que então vigorava entre a generalidade dos letrados europeus. Daí merecer que se lhe atribua o título de precursor dos Descobrimentos, vários anos antes de os legítimos protagonistas se terem lançado na grande Epopeia que vem nos Lusíadas. Enganamo-nos se vemos a Idade Média apenas pelos seus castelos em ruínas, a massa imponente das catedrais góticas, ou das narrativas das Cruzadas e da Inquisição. Esses são, por assim dizer, os traços exteriores sobre os quais agiram homens cujo interior era mais rico do que imaginamos. Na sequência das traduções de árabe para latim, no século XII, que por sua vez os árabes o haviam traduzido do grego, a Europa passou a ter acesso ao pensamento de Aristóteles, à matemática de Euclides, ou à astronomia dos próprios árabes. E esta dinâmica criou uma maior pressão para a organização do conhecimento.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Escrita do Sudoeste (SW) - 1ª escrita da Península Ibérica - [Segunda Parte]


Há muitas inscrições na Península Ibérica já bem identificadas nas suas línguas de origem, tal como: grega, ibérica ou celtibérica, fenícia. No entanto, encontram-se umas inscrições no Baixo Alentejo e Algarve, e também em Espanha (Extremadura e Andaluzia), mais de 90, quase todas em estelas ou lápides, cujos signos difíceis de interpretar representam uma língua ou línguas até agora desconhecidas. Os autores não são consensuais quanto à sua origem. A maior parte dos autores canónicos inclinam-se para a origem fenícia ou tartéssica. Mas há um autor – Augusto Ferreira do Amaral – que depois de um longo estudo e exaustivo chegou à conclusão que seria mais provável ser de origem neo-hitita.

A Escrita do Sudoeste tem sido um dos temas da Proto-história de Portugal, não só por ser considerada a primeira escrita  a aparecer na Península Ibérica, mas ao mesmo tempo pela sua dificuldade na atribuição dos seus autores. Segundo Varela Gomes, a Escrita do Sudoeste, pode ser das mais antigas entre as existentes na Península Ibérica. Elas datam fundamentalmente da 1ª Idade do Ferro (século VII ou VIII a.C.). Mais antigas só as inscrições do 2º milénio a.C. provenientes da ilha de Creta em escritas linear A e linear B, em alguns lugares do Mediterrâneo.


Segundo Augusto Ferreira do Amaral (A.F.A.) as inscrições do Sudoeste (SW) foram implantadas por um povo com uma escrita que sugere ser de origem neo-hitita, que se instalou em finais do século VIII a.C. no Algarve e Baixo Alentejo. E que esse foi o povo que veio a ser designado pelas fontes gregas e romanas como Cónios ou Cinetes. Os argumentos são fundamentados com os conhecimentos que temos da história do Mediterrâneo oriental na passagem do 2º para o 1º milénio a.n.e. e dos primeiros séculos deste milénio no que respeita ao rearranjo dos impérios do próximo e médio oriente, que envolve as invasões de Assírios e Povos do Mar no levante mediterrânico, e de Frígios na Anatólia. Por outro lado A.F.A. não descarta a hipótese de os Iberos, tendo presentes alguns paralelos das suas línguas, cultura e habitat, fossem outro povo que no mesmo caso tiveram que se exilar vindos de Urartu, reino que soçobrou em fins do século VII a.C. devido à expansão de Medos e/ou Citas. É curiosa a hipótese de Hispânia, Ibéria e Aragão serem nomes com origem em Urartu, relacionada respetivamente com o rei Ishpuini, com o substantivo comum ebri e com o topónimo Arago.

Contra a hipótese de a Escrita do Sudoeste (SW) ser de origem fenícia, joga a escassa presença de topónimos e de inscrições fenícias na Península Ibérica. Os Fenícios não tiveram grande influência na orientalização do sul da Península Ibérica, ao contrário da que lhe tem sido atribuída.

E quanto à origem Tartéssica? Esta tem sido a hipótese com mais adeptos. No entanto A.F.A. vê diferenças consideráveis na língua representada nas inscrições espanholas do SW, em relação às das portuguesas. Além do que o Baixo Alentejo e o Algarve estavam longe de ser o centro mais representativo da cultura tartéssica, aparecendo preferivelmente como região periférica em relação a esta. Para além de achar pouco adequada uma qualificação desta escrita como tartéssica, quando o que se tem construído sobre Tartessos ser mais do foro mítico.

A documentação existente consta de estelas ou fragmentos de estelas epigrafadas e alguns raros grafitos. São fundamentalmente associadas à chamada 1ª Idade do Ferro do sul de Portugal, se bem que também apareçam inscrições datáveis da 2ª Idade do Ferro. Admite-se que quase todas tivessem conexão com necrópoles ou sepulturas.


Quanto à sua criação, o principal núcleo dos signos do SW terá derivado do alfabeto cananeu, modificado por um intermediário indo-europeu do sul da Anatólia, numa época em que despontava também o alfabeto grego. A transmissão para este último deu-se possivelmente por terra, através da Anatólia por um intermediário sírio. É possível que os gregos tenham aprendido a escrita alfabética na Ásia Menor, em plena zona onde se falava luvita. E o intermediário pode ter sido o Povo Filisteu, (pertencente à designação mais geral de Povos do Mar) que nessa altura andava por áreas costeiras do Mediterrâneo oriental. Parece que os invasores filisteus do levante mediterrânico falavam uma língua indo-europeia, talvez próximo da língua luvita, mas terão adotado a breve trecho a escrita alfabética e a língua cananeia falada pela população local. É de Diodoro Sículo (ou Diodoro da Sicília), a afirmação de que tinham sido os Pelasgos a utilizar pela primeira vez o alfabeto importado dos Fenícios, antes de ser transferido para os Gregos. E os Pelasgos eram anatólicos do sudoeste. Kadmos não podia ser fenício, contrariamente ao que afirmam os autores clássicos. A tese de que os Pelasgos usaram o alfabeto adaptado do fenício compagina-se bem com o que é possível saber da escrita primitiva doutro povo com infusão de influência anatólica – os Etruscos.

As línguas hitita e luvita, que são línguas indo-europeias, entre 1400-1200 a.C. tinham uma escrita cuneiforme. A língua fenícia, que é uma língua semita, entre 1050-850 a.C. tinha uma escrita alfabética. A língua do SW (Alentejo e Algarve), entre 800-400 a.C., e provavelmente a língua tartéssica de 700 a.C. eram línguas de raiz indo-europeia, mas a escrita era mista (alfabético-silabária). A língua dos Iberos, entre 600-300 a.C., não era uma língua indo-europeia, mas a escrita era também mista (alfabético-silabária). Daí ser plausível que a escrita do SW não seja de origem tartéssica, e tenha, sim, sido importada com o povo sul-anatólico que ao Algarve terá chegado em finais do século VIII a.C.

Na Península Ibérica, sabe-se bem que o 1º milénio a.C. antes da invasão romana, era um mosaico muito diversificado de línguas. E sabe-se que Portugal começou a ser ocupado por indo-europeus em várias levas ainda durante o 2º milénio a.C. E no 1º milénio a.C. a Península Ibérica terá tido imigrações de Ligures, Trácios, Indo-arianos, Celtas e Anatólicos. Em Espanha há ainda que levar em conta nessas épocas mais etnias além dessas, entre as quais Bascos, Fenícios, Líbio-fenícios (Cartagineses) e Iberos.

Assim, recentes estudos da língua falada e de topónimos da faixa sul da Península Ibérica de Tartéssios, Túrdulos, Cónios e Cilbicenos, devem levar a uma substancial revisão de antigos conceitos simplistas.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Escrita do Sudoeste (SW) - 1ª escrita da Península Ibérica [Primeira Parte]


Museu da Escrita do Sudoeste (SW) em Almodôvar 

http://www.cm-almodovar.pt/mesa/index.php?

Consultando o sítio na internet do Museu de Escrita do Sudoeste (SW), em Almodôvar, distrito de Beja, ficamos a saber que este museu guarda uma preciosa estela de xisto, mostrada aqui na imagem anexa, que interpela os investigadores para um enigma que é a denominada Escrita do Sudoeste (SW), escrita essa que aponta para a primeira escrita da Península Ibérica datada de há 2700 anos atrás.

A exposição do museu apresenta de forma didática, funcional e estética, a evolução da grafia e do conhecimento escrito. A coleção permanente do museu tem cerca de 20 peças, entre elas um espólio permanente de 16 estelas descobertas no núcleo arqueológico de Almodôvar, que nasceu como resposta da Câmara Municipal de Almodôvar à necessidade de proteger, estudar e divulgar estes monumentos, uma vez que este concelho se situa numa das áreas em que é maior a concentração de epígrafes com esta escrita.

Esta escrita pré-românica deve o nome à área da península onde existe a maior concentração destas lajes gravadas, entre Ourique e Loulé, na zona de transição montanhosa entre o Alentejo e o Algarve. Só que ainda não se encontrou a sua Pedra de Roseta - a chave para a sua decifração. Com 95 centímetros de altura, por 34 de largura e 22 de espessura, a estela do Monte Novo do Visconde foi encontrada em 1979 em Casével, na região de Castro Verde, e entregue ao arqueólogo Caetano de Mello Beirão, que depois escavou o local do achado, onde encontrou ainda os restos de uma antiga necrópole de há 2500 anos, da 1ª Idade do Ferro no Sudoeste da Península.

Mas para já, são mais as incertezas que as certezas acerca da Escrita do Sudoeste (SW). Daí ter-se tornado um ponto de partida para a proliferação de muitas teorias e várias especulações acerca das suas origens. Há os que defendem uma origem autóctone e outros uma origem exógena. As teorias dos primeiros andam à volta da identidade desses povos: uns - os Cónios; outros- os Tartéssios; e por aí fora. As teorias dos segundos dividem-se em duas: a mais canónica é a teoria da origem Fenícia; a mais problemática para os canónicos, apesar de melhor fundamentada que a deles, apresentada por Augusto Ferreira do Amaral, que após um longo e exaustivo estudo concluiu que é de origem Neo-Hitita.

Há menos de cem carateres gravados na estela de xisto já apresentada acima. A particularidade desta escrita é apresentar signos que representam consoantes e vogais como a escrita alfabética, e signos que representam sílabas como a escrita silabária, gravados da direta para a esquerda.

Assim, antes de continuarmos a explorar a origem da Escrita do Sudoeste (SW), vou fazer uma pequena incursão sobre: Cónios, Tartéssios, Iberos e Neo-Hititas - povos que andaram pelo Sudoeste da Península Ibérica (Baixo Alentejo e Algarve), no 1º milénio a.n.e.



Os geógrafos gregos deram o nome “Iberos”, provavelmente derivado do rio Ebro (Iberus), a todas as tribos instaladas na costa sueste da Hispânia. Avieno, na Ora Marítima (século IV d.C.) descreve a existência de várias etnias na costa meridional atlântica, provavelmente, os responsáveis pelo comércio com o atlântico norte — os Estrímnios e os Cónios ou Cinetes. Gregos e Fenícos/Cartagineses também habitaram a Península, onde estabeleceram pequenas colónias-feitorias comerciais costeiras semipermanentes de grande importância estratégica.

Cónios

Os Cónios, também conhecidos por Cinetes, habitaram o sul de Portugal em data anterior ao século VIII a.C., até serem integrados pelos romanos na província da Lusitânia. Prefiro dizer que eram indo-europeus em vez de celtas. Antes do século VIII a.C., a sua zona de influência estendia-se muito para além do sul de Portugal, desde o centro de Portugal até ao Algarve e todo o sul de Espanha até Múrcia. O período áureo desta civilização coincidiu com o florescimento do reino de Tartesso, algo a que não deverá ser alheio a intensa relação comercial e cultural existente entre os dois povos. Aparentemente a única escrita conhecida na região é a referida Escrita do Sudoeste (SW).

Os Cónios aparecem pela primeira vez na história em Heródoto, e mais tarde em Avieno, na sua obra Ode Maritima, como vizinhos dos Cempsos ao sul do Tejo e dos Sefes a norte.

Tartessos

Tartessos era o nome pelo qual os gregos conheciam a civilização do sudeste ibérico. Desenvolveu-se no final da Idade do Bronze, no triângulo formado pelas atuais cidades de Cádiz, Huelva e Sevilha, tendo por linha central o ri Guadalquivir (chamado Tartesso pelos gregos). Os tartessos poderão ter desenvolvido uma língua e escrita distinta da dos povos vizinhos. A sua forma de governo era a monarquia. No século VI a.C. Tartesso desaparece abruptamente da História, provavelmente eliminada por Cartago depois da batalha de Alália.


Apesar de existirem numerosos restos arqueológicos no sul da Espanha, como o Tesouro de Aliseda e o Tesouro do Carambolo. O certo é que nunca foi encontrada nenhuma cidade que fizesse justiça ao nome. Não é certo que tenha existido uma cidade com este nome, dado que ainda não se encontrou sua localização, ainda que estejam perfeitamente documentados outros povoados ao longo do vale do Guadalquivir, território de expansão da civilização dos Tartessos.


Provavelmente, a cidade e a civilização já existiriam no 2º milénio a.C. Dedicar-se-iam à metalurgia e à pesca que veio a dar no comércio depois da chegada dos Fenícios que se estabeleceram em Gadir (Cádiz). Daí a sua importância sobre as terras e cidades da região, com a intensificação da exportação de cobre e prata. Os Tartessos converteram-se nos principais provedores de bronze e prata do Mediterrânio. Além disso, parece que eram eles que iam às ilhas Cassitéridas buscar o estanho necessário para a produção de bronze, ainda que também o obtivessem pela lavagem de areias do rio Tartesso, que continha estanho.

Quando o viajante Pausânias visitou a Grécia no século II a.C. viu duas câmaras num santuário de Olímpia, que a gente de Elis afirmava realizadas com bronze tartesso: «Dizem que Tartesso é um rio na terra dos iberos, chegando ao mar por duas desembocaduras e que entre esses dois locais se encontra uma cidade desse mesmo nome. O rio, que é o mais longo da Ibéria, e tem marés, chamado em dias mais recentes Bétis, e há alguns que pensam que Tartesso foi o nome antigo de Carpia, uma cidade dos iberos. O nome “Carpia” sobrevive ainda hoje, por exemplo na cidade andaluza El Carpio. Na Bíblia aparecem referências a Tarsis ("Tarshish" ou Tarsisch). De facto, o Rei Salomão tinha naves de Tarsis no mar junto com as naves de Hirão. As naves de Tarsis vinham uma vez a cada três anos e traziam ouro, prata, marfim, bugios e pavões. Tarsis tem sido identificada com Tartesso, ainda que não exista consenso sobre o assunto.

Iberos

Tenho lido em alguns artigos de arqueólogos, antropólogos e linguistas a insinuar a suspeita de que os Iberos deviam ter alguma relação com o Cáucaso, na medida em que ainda hoje há uma província na Geórgia com o mesmo nome: Ibéria.



Apiano (95-165), historiador da Roma Antiga, faz referência aos Iberos de Espanha, dizendo que era opinião de alguns estes terem como antepassados os Iberos da Ásia. E na verdade é que houve o Reino da Ibéria no território que é hoje da Geórgia, cuja história aparece aquando da sua queda em 526, na sequência das contínuas rivalidades entre o Império Bizantino e o Império Sassânida. Ibéria era o nome que antigos gregos e romanos tinham dado a esse reino que já existia no século IV a.C.

A similaridade do termo Ibéria da Península Ibérica da Europa com a Ibéria do Cáucaso, que se verifica em todas as denominações em línguas indo-europeias e mesmo em outras, sempre suscitou a ideia de alguma relação de parentesco entre os povos ditos "iberos" do oeste e do leste. Vários historiadores da Antiguidade, como Heródoto e Estrabão, levantaram essa hipótese de uma origem comum, mas não souberam explicar como isso foi possível dada a grande distância geográfica entre os dois grupos. Essa teoria, da origem comum, era bem aceite pelos autores georgianos na Idade Média. O historiador Giorgi Mthatzmindeli (1009-1065) escreveu que alguns nobres georgianos teriam pretendido viajar até ao extremo sudoeste da Europa para visitar os Georgianos do Oeste. 


As tribos proto-georgianas apareceram pela primeira vez na história escrita no século XII a.C. Os primeiros indícios de vinho foram encontrados aqui, onde foram encontrados jarros de vinho com 8.000 anos. Achados arqueológicos e referências em fontes antigas revelam elementos de formações políticas e estaduais, caracterizados por uma avançada metalurgia e técnicas de ourivesaria que remontam ao século VII a.C. Na verdade, a prática da metalurgia na Geórgia iniciou-se durante o sexto milênio a.C, como uma forma de associação com a Cultura de Shulaveri-Shomu. E a Cólquida, ao lado da Ibéria, Apolónio de Rodes descreve que era o local, na mitologia grega, do Velo de Ouro procurado por Jasão e os Argonautas. Tal mito pode ter derivado da prática local de utilização de lã para peneirar pó de ouro dos rios.

Por outro lado, há paralelos entre os Iberos e os Urartuanos nas esculturas e nas vestes dos guerreiros, nos mantos sobre a cabeça das mulheres, uso de peitorais, torques, braceletes e arrecadas. Os arreios dos cavalos evidenciam igualmente grande proximidade entre os usados em Urartu e entre os Iberos. Urartu corresponde ao Ararate, ou Reino de Van, um reino da Idade do Ferro centrado ao redor do lago Van, no planalto Arménio. O lago Van fica no leste da Turquia, no Curdistão, e antigamente estava dentro do Reino da Arménia na sua maior extensão. Especificamente, Urartu é um termo assírio para uma região geográfica, enquanto que ‘’Reino de Urartu’’ ou as “terras de Biainili" designam o estado da Idade do Ferro que surgiu naquela região. A região corresponde ao planalto montanhoso entre a Anatólia, a Mesopotâmia e o Cáucaso, conhecida atualmente como planalto Arménio. Não há textos urartuanos que tenham chegado aos nossos dias para uma comparação aprofundada do ponto de vista linguístico, mas mesmo assim apuram-se algumas semelhanças: nenhuma das línguas é indo-europeia nem semita, ambas são aglutinantes.

Neo-Hititas

É da História de há muitos anos que a explicação para a fundação de Cartago pelos Fenícios no século VIII a.C. está relacionada com os mecanismos de causa e efeito das migrações dos povos. As cidades Fenícias do Levante Mediterrânico a partir de 850 a.C. começaram a sofrer a pressão dos Assírios a expandirem-se em direção ao Mediterrânio. É claro que os Fenícios, ao terem de migrar mais para Ocidente, tenham aproveitado a oportunidade de incrementarem o comércio com os povos mais civilizados do 1º milénio a.C. da Península Ibérica. E efetivamente, foi isso que aconteceu, através de feitorias em vários pontos da faixa costeira de Málaga a Almeria.

Ora, a confirmarem-se os indícios de que os Iberos derivam dos Urartu-Hurritas, então é o que terá também acontecido com os povos do sudeste da Anatólia por volta do início do século VI a.C. Infere-se daqui que estes chegaram ao sueste espanhol para se exilarem devido à queda do reino de Urartu, operada, ao que se crê, pelos Citas, no início do século VI a.C.


Façamos então uma breve incursão pela história, tal como é hoje conhecida com razoável segurança, dos povos anatólicos do 1º milénio a.C. Os historiadores mais recentes apontam a Queda do Império Hitita, uma das potências civilizadas do 2º milénio a.C., para o começo do 1º milénio a.C. Os Hititas haviam invadido a Ásia Menor em princípios do 2º milénio a.C., numa época em que brilhavam, mais a oriente, as civilizações Mitanni e Babilónica. já passado um milénio após os seus antepasados, os Sumérios, terem iniciado a grande revolução da História que foi a invenção da escrita. De imensas tabuinhas de argila escritas, descobertas em finais do século XIX, deduz-se uma consistente organização política. Mas, tal como todas as civilizações do passado, e provavelmente do presente, tal brilho não impediu a queda e o desmoronamento. Tudo indica que terá sido mais uma das consequências dos “famigerados” Povos do Mar que são acusados de importantíssimos efeitos históricos, os culpados das grandes transformações civilizacionais que se deram, pelo menos à volta e ao largo do Mediterrânio, no dealbar do primeiro milénio a.n.e. Todavia, há uma notável continuidade cultural nas civilizações que se seguiram, e constituíram a designada 1ª Idade do Fero. A que prolongou mais de certa maneira a civilização Hitita passou a chamar-se Neo-Hitita, ainda assim formada por diversos reinos.

Havia um íntimo parentesco, senão mesmo uma unidade étnico-cultural, entre Cónios, Tartéssios e Turdetanos ou Túrdulos. Os povoados da 1ª Idade do Ferro do sul de Portugal relacionavam-se com o mundo tartéssico do século VIII a.C., como reconhecem os arqueólogos. Os exilados Neo-Hititas terão abandonado o Mediterrâneo oriental algum tempo depois da época em que da Ásia Menor saíram também Etruscos, que foram instalar-se na costa ocidental da Península Itálica.

Todo o leitor, pode reagir numa primeira leitura com grande ceticismo em relação ao que tenho vindo a escrever, assim como os académicos que contestam esta abordagem da instalação de povos tão distantes da Península Ibérica. Mas não esqueçamos que este caso não é inédito. Não faltam outros exemplos, desde logo os Fenícios. E não esqueçamos os Gregos, os Celtas e os povos Indo-arianos. Por outro lado, o Algarve e o Baixo Alentejo, eram regiões de fraca densidade populacional. Logo, não implicaria grande esforço bélico a uma vaga significativa de migrantes.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Os Megálitos do Alentejo


Para as sociedades de outros tempos os Menires faziam a ligação entre a terra e o céu, sendo neste caso o Menir um verdadeiro omphalos, o umbigo ou centro do mundo. Segundo a tradição esotérica, os menires isolados casavam as energias telúricas da Terra com as radiações celestes provenientes do espaço. Como um verdadeiro falo, tem o poder criador, muitas vezes relacionado simbolicamente com o axis-mundi. Aliás, os léxicos phalos e om-phalos (umbigo, centro do mundo) estão relacionados. Como é bom de ver, Os Menires estavam ligados à vida, e as Antas à morte, as duas facetas da VIDA-UNA.

Anta é a palavra corrente portuguesa para designar dólmen, tendo ficado registada no apelido de muitas famílias antigas. Dólmen, também de origem celta, significa mesa de pedra. Tal como as igrejas medievais, que ao mesmo tempo conciliavam a função religiosa com os espaços funerários, assim tudo indica que as antas abarcavam a prática iniciática e a função funerária.

Depois de termos visitado exemplares do Norte de Portugal, particularmente no Minho, descemos ao Sul para visitar também alguns Dolmens e Menires, particularmente no Alto Alentejo. Aqui fomos surpreendidos com certas placas de xisto que foram encontradas junto aos dolmens. São a representação da Deusa dos Olhos de Sol, uma deusa iniciadora provavelmente equivalente a outras representações da Deusa-Mãe. Tal como ouvimos contar no Norte, aqui também se ouvem histórias de tesouros de ouro escondidos nestes monumentos, embora narrativas com outras roupagens do mesmo tema do “tesouro”, normalmente de ouro, que é símbolo da perfeição espiritual. A tradição popular também associa aos mouros grande parte dos monumentos megalíticos e outros lugares misteriosos. Onde há mistério, existem mouros ou mouras encantadas, facto que continua a acontecer mesmo relativamente a santuários romanos e até a templos medievais.


As Placas-ídolo de xisto decoradas

As placas de xisto decoradas aparecem principalmente em sepulturas megalíticas do neolítico final e do calcolítico do sudoeste ibérico. São em regra de forma trapezoidal com 10 a 20 centímetros de altura e gravadas com um estilete de pedra. A superfície decorada é geralmente dividida em duas partes, separadas por linhas ou faixas. A zona superior representa a cabeça através de um triângulo com o vértice para baixo, ladeado por linhas ou faixas quadriculadas ou por um desenho com um aspeto antropomórfico. A inferior apresenta-se decorada com motivos geométricos, frequentemente triângulos, faixas quebradas ou em ziguezague, motivos axadrezados ou em espinha. No entanto, algumas placas são todas decoradas com motivos geométricos, sem haver separação, o que lhes confere um aspeto menos antropomórfico. Segundo a base de dados (Engraved Stone Plaque Registry and Inquiry Tool), Évora é o distrito da Península Ibérica com o maior número de placas de xisto decoradas, 643.

Produzidas pelas antigas sociedades agrícolas do território Alentejano, descendentes de outros povos que entraram no Alentejo provavelmente em busca de novas jazidas de cobre, e que adoravam a Deusa-Mãe, mais tarde deve ter cedido o lugar ao ‘Jovem Deus’, seu filho, que ao ganhar olhos de sol, provavelmente (? sempre provavelmente) terá dado lugar ao sagaz Endovélico, pois corresponde ao aparecimento da componente escrita e assim ser digna do nome “civilização”.
Uma das Placas de Xisto Gravadas mais notáveis, é uma que foi recolhida da Anta de Cabacinhitos, localizada a 8,5 km de Torre de Coelheiros, Évora, e  chegou a ser fotografada pelo Prof. Victor Gonçalves em 1993. Ele ficou chocado quando dez anos depois, com o arranque do ‘Projeto Placa Nostra’, soube do seu desaparecimento sem deixar rasto. Restam as imagens fotográficas e o comentário do Prof. Victor Gonçalves: “E que o olhar irado e solar da Deusa fulmine quem palmou do Museu de Évora a belíssima placa com a representação dos seus Olhos de Sol e das suas tranças! E logo a Ela, protetora do mais breve e mais longo dos caminhos…” É uma placa de composição híbrida, com ziguezagues e triângulos preenchidos de vértice para baixo. Com sobrancelha, olhos solares, nariz e narinas, pinturas ou tatuagens faciais. As placas de xisto gravadas, ou placas votivas, são exemplares específicos do megalitismo alentejano da cultura calcolítica entre 2.500 e 2000 a.n.e. A propósito das intervenções do Alqueva foi preciso chamar a atenção para a distinção entre o que são os sepulcros (antas) com as placas, e os sítios onde elas eram fabricadas longe dos monumentos, sítios esses onde foram encontradas placas em diferentes fases de produção.

Se no Norte se encontram tantos vestígios de monumentos megalíticos, então a província do Alto Alentejo está toda ela densamente povoada com este tipo de vestígios, sendo provavelmente a área do mundo com maior densidade de monumentos megalíticos: Anta de São Dinis em Pavia, concelho de Mora; Penedo das Gamelas, concelho de Arraiolos; Cromeleque dos Almendres e Anta Grande do Zambujeiro, na estrada entre Montemor-o-Novo e Évora; Estela-Menir do Monte da Ribeira; Menir do Outeiro; Estela-Menir da Bulhoa; Pedra dos Namorados; Cromeleque do Xarez. Os cinco últimos encontram-se todos no concelho de Reguengos de Monsaraz.


Anta/capela de São Dinis

Este dólmen de consideráveis dimensões, datado do IV milénio a.C., encontra-se no centro da povoação de Pavia, tendo sido transformado há vários séculos em capela de culto cristão, embora não se saiba exatamente quando foi. Parece que teve o mesmo destino que a Anta/capela de São Brissos no concelho de Montemor-o-Novo. Uma exploração arqueológica realizada na segunda década do século XX, para além de terem ali encontrado uma das tais placas de xisto da Deusa dos Olhos de Sol, também lá estava uma imagem de São Dinis ou São Dionísio (mitrado e de manto, com o báculo apoiado num livro que está aberto na mão esquerda, enquanto a mão direita se levanta ritualmente), curiosidade que nos remete para a divindade grega relacionada com o vinho. Algumas peças estão hoje guardadas no Museu de Arqueologia Leite de Vasconcelos, em Lisboa. Classificado como Monumento Nacional, no seu interior destaca-se no altar uma imagem da rainha Santa Isabel, e um painel em azulejo do século XVII.



Estátua-Menir

As Estátuas-menir constituem um vasto e heterogéneo tipo de representação megalítica a par de outros três tipos: estela, estela-menir e ídolo-estela. Assim, na categoria ‘estátua-menir’ incluem-se todos os monumentos onde se verifica “um sistema idêntico de representações antropomórficas esculpidas”.

Tratam-se assim de peças onde se procurou uma antropomorfização formal do suporte em si (por oposição aos outros três tipos, onde esta dimensão antropomórfica reside apenas nos motivos decorativos), obtendo-se geralmente um monumento destinado a ser observado tridimensionalmente. Como todos os monumentos deste grupo, eram concebidos para serem implantados verticalmente no terreno. Na Europa estão descritas mais de mil e quinhentas estátuas deste tipo.




Castro do Zambujal e Castro de Vila Nova de São Pedro

No Atlântico Ocidental estamos ainda na Idade do Bronze, embora noutros sítios da Ásia Menor já a Idade do Ferro tinha despontado. Cultura do Bronze Ibérico do Sudoeste veio substituir a Cultura Megalítica existente nesta região durante o Calcolítico.

O Castro do Zambujal, povoado fortificado a 3 km de Torres Vedras, terá sido o mais importante centro de fundição e comércio deste minério. Está inserido no conjunto mais vasto de fortificações similares situadas na Estremadura, do qual também faz parte o Castro de Vila Nova de São Pedro.

Particularmente o Castro de Vila Nova de São Pedro, concelho de Azambuja, floresceu entre 2.600 a.C. e 1.300 a.C.. Em 2.200 a.C. chegou aqui a Cultura de Los Millares, a qual veio desencadear o intercâmbio comercial do âmbar com a Escandinávia, e do marfim com o Norte de África. A partir de 1.800 a.C., depois de se ter convertido no centro do fenómeno cultural do Vaso Campaniforme, a civilização de Los Millares dá lugar a uma nova: a de El Argar. Em 1.300 a.C. Vila Nova começa a ficar para trás, acabando por se dissolver na ‘Cultura da Cerâmica Brunida Externa’ integrada na ‘Cultura do Bronze Atlântico’, altura em que os primeiros Celtas, misturados com outros povos Indo-Europeus da ‘Cultura dos Campos de Urnas’, irrompem numa onda migratória em direção ao Sudoeste Atlântico. São estes povos que em 700 a.C. vão dar lugar à Idade do Ferro, altura em que se começa a ouvir falar dos Iberos, e um pouco mais tarde dos Tartessos e Lusitanos. A rede de relações e comunicações entre estes povos viria a permanecer intacta até à conquista da Península Ibérica por parte dos Romanos. A conquista romana da Península Ibérica iniciou-se no contexto da Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.), quando as legiões romanas, sob o comando do cônsul Cneu Cornélio Cipião Calvo, entraram por ali a fim de atacar pela retaguarda os domínios de Cartago na região.



Recipiente em cerâmica com decoração impressa de Vale Pincel I

O Neolítico do Vale Pincel I, concelho de Sines, é considerado o mais antigo Neolítico do território português. É claro que tem havido mais do que uma teoria para explicar o processo de neolitização em Portugal, e isso não nos deve já surpreender, atendendo à diversidade regional em Portugal. Nada nestas coisas é unilinear. Um dos modelos foi apresentado por Zilhão em 1998, defendendo a introdução de um pacote composto pela agricultura, pastorícia e cerâmica cardial, trazido por populações vindas por via marítima, do Mediterrâneo, que se estabeleceram na Estremadura, a norte dos estuários do Tejo e do Sado, zona ocupada pelas comunidades mesolíticas, há 7.500 anos. Estas comunidades subsistiram ainda durante alguns séculos, tendo sido absorvidas pelas comunidades exógenas neolíticas. 


Um segundo modelo, defendido por C. Tavares da Silva, o processo de neolitização teria tido início na costa alentejana, através da adoção de alguns elementos das tecnologias neolíticas de forma progressiva e seletiva. Durante as últimas décadas, o Algarve tem sido objecto de vários trabalhos de prospeção, dos quais resultaram um número razoável de sítios arqueológicos de cronologia mesolítica e neolítica. Quase todos formam verdadeiros concheiros. Os sítios parecem dividir-se em dois grupos de acordo com a exploração da fauna e da sua localização geográfica. Os dados cronológicos apontam para uma continuidade clara, sem hiatos durante os últimos 7.500 anos. As ocupações mesolíticas parecem continuar até ao aparecimento dos primeiros vestígios neolíticos há cerca de 6.500 anos. Em cerca de metade dos concheiros mesolíticos conhecidos, os níveis superiores apresentam a presença de cerâmicas, evidenciando a utilização da tecnologia neolítica nos concheiros mesolíticos.

Pedras megalíticas e penedos mistério

Em Portugal, assim como em muitos outros países, certas pedras constituem um património fundamental da identidade e da vivência do Sagrado dos nossos ancestrais que por cá passaram ao longo de milénios. É imensa a quantidade de coisas que as pessoas da cidade conhecem. Mas de modo nenhum pode ser comparado com a quantidade de coisas que desconhecem. Daí ficarem invariavelmente impressionadas perante a solidez majestática de algumas pedras e alguns rochedos que persistem em manter-se para guardar os mistérios que nos transcendem. Todavia, não se apagaram por completo da memória as idiossincrasias místico-naturalistas de outros tempos, pois ainda restam algumas pessoas vivas, com a memória, por essas aldeias míticas de Portugal. Mas pouco faltará para que sejam remetidas definitivamente ao esquecimento.

Portugal tem toda uma série de lugares mágicos que merecem uma atenção especial. Não faltam vestígios do culto arcaico à Deusa-Mãe, um pouco por todo o lado, ainda que com adaptações posteriores que o cristianismo levou a efeito para o culto à Virgem Maria. Por exemplo, em Braga, a Sé foi edificada sobre as ruínas de um antigo templo de Ísis. 


Esta cristianização permitiu que, com outro nome, os povos da cristandade continuassem a adorar a Deusa-Mãe. Num outro lugar chamado "Castelo" em Arcos de Valdevez, junto a um grande penedo, faz-se o culto a Nossa Senhora do Castelo, a padroeira da vila. E por aí fora, não faltam exemplos como a capela-gruta dedicada ao culto mariano na Penha de Guimarães. Gruta iniciática, ou útero da Mãe-Terra.



NÚCLEO MEGALÍTICO DO GIÃO - MEZIO

Num “Périplo à volta do Parque Nacional Peneda-Gerês” – uma zona de montanha, encontramos muita Arte Rupestre, provavelmente com mais de sete mil anos. É uma região que teve intensa ocupação humana desde o Paleolítico. A melhor entrada é pela Porta do Mezio. O Núcleo Megalítico do Mezio, que se estende pelas freguesias de Cabana Maior e Soajo, é constituído por um conjunto de onze monumentos, dos quais oito são mamoas com tumulus e estrutura dolménica.


A Estação Arqueológica no monte do Gião, a quase 800 metros de altitude, dominando um vasto anfiteatro natural, forma um todo profundamente simbólico da realidade social e religiosa das comunidades humanas desse tempo. Complexo de arte rupestre da Idade do Bronze, e composto por mais de cem rochas gravadas com diversos motivos de cariz simbólico e geométrico, onde se destacam elementos de forma quadrangular e retangular, com cantos redondos, bem como figuras esquemáticas antropomorfas, sobretudo do tipo em fi. Nas imagem é percetível uma figura antropomórfica de tipo ‘fi’, com mão direita marcada pela palma e cinco dedos de forma naturalista.

Que povos foram estes que andaram por estes lados do Parque Nacional Peneda-Soajo-Gerês, que deixaram um conjunto de monumentos megalíticos conhecidos por Antas da Serra do Soajo? Na foto supra vê-se a Anta do Mezio, um exemplar funerário edificado há cerca de 5000 anos, integrada no conjunto desses monumentos. Para mais pormenores, Nuno Miguel Soares, arqueólogo, fala-nos disso em excelente trabalho publicado no GEPA Nº 17, 2005.

É evidente que não conseguimos chegar a toda a verdade em relação à vida dos nossos antepassados de idades tão recuadas da pré-história. No entanto, não deixa de ser 
intringante o facto de druidas e bardos se terem preocupado tanto com a memória e o segredo, e nunca se terem interessado em passar a escrito os seus poemas, como aconteceu com os gregos e os outros povos semitas do crescente fértil do Médio Oriente. Por isso, do pouco que sabemos dos nossos antepassados celtas, ficou apenas na memória o que chegou de boca em boca, de geração em geração, tendo surgido só mais tarde, nos primeiros séculos do cristianismo, as primeiras transcrições feitas por monges da Irlanda.

É por isso que alguns estudiosos e apaixonados pelo passado, sobretudo os do Alto Minho, se acham descendentes dos celtas. Sabe-se que estes celtas, com origem algures entre a Boémia e os Alpes, prolongando-se até ao sul do Danúbio, vieram em migrações sucessivas para o noroeste da Península Ibérica. A primeira vaga é estimada no fim da Idade do Bronze, ou seja, entre 900 e 700 a.C. Ainda assim, pouco se sabe de concreto. E houve um segundo fluxo migratório que ocorreu depois do ano 500 a.C. É provável que estes famosos celtas, formados por pequenas tribos independentes uma das outras, não tenham aniquilado o antigo Povo das Mamoas e se tenham assimilado com ele. Devia ser uma elite guerreira, técnica e intelectual. 

Nos Arcos os arqueólogos realizaram um excelente trabalho, para além da inventariação desse extraordinário património cultural, reconstituiram uma mamoa a partir do esqueleto da anta. É muito mais impactante, ao visitarmos o lugar, a entrada no útero da Terra.


É provável que desde o início muito remoto da humanidade a codificação simbólica tenha sido fundamental a todos os grupos humanos para descodificar a envolvência física, tal como é hoje, embora hoje seja noutros termos e com outra dimensão. A sobrevivência dependia da descodificação de sinais emanados não só da natureza física dos elementos, como de outros animais, quer para o seguimento dos seus rastos na caça, quer para se defender deles. A cultura megalítica estende-se desde os finais do Neolítico e prolonga-se pela Idade do Bronze, documentado especialmente pela construção de monumentos tumulares de pedra, designados de dolmens ou de megálitos, bem como pelos materiais como armas de pedra, osso, madeira e bronze, objetos de cerâmica, instrumentos de trabalho e uso doméstico.

Esta região do Parque Peneda-Gerês, bem como o território da Galiza contíguo do outro lado da fronteira, mil anos a.n.e. foi habitada pelos Estrímnios, povo autóctone que após a invasão celta pelos finais do século VII a.C. foi assimilado pelos celtas chamados Sefes, com os quais deram origem a uma nova cultura, a da metalurgia do ferro, conhecida pela cultura castreja ou dos Castros.

Ainda no Parque Peneda-Gerês, Ermida e Parada estão situadas em plena Serra Amarela, concelho de Ponte da Barca. Pela estrada [Ponte da Barca – Lindoso], ao chegar a Entre Ambos-os-Rios, temos aí a bifurcação: continuando em frente vamos ter a Parada, passando antes por Britelo. É de Parada que parte um trilho de 4 quilómetros que vai dar ao Penedo do Encanto, inserido no Complexo de Gravuras Rupestres de Bouça do Colado.

 






PENEDO DO ENCANTO
O Penedo do Encanto é o exemplar principal da arte rupestre da Bouça do Colado. É uma grande rocha central rodeada de 7 outras de menores proporções. Apresenta dois momentos principais de gravação e ainda um terceiro já cristianizado. Num primeiro momento, que remonta à Idade do Bronze, temos gravado ao centro uma figura feminina idealizada rodeada de diversas ‘combinações circulares’ com covinhas no interior. É difícil interpretar o significado destas gravuras, ainda que os motivos sejam coerentes com o que é conhecido de outros lados.

Daí a lenda que conta que foi no interior deste penedo que os mouros esconderam o seu ouro antes de se retirarem, fugindo à Reconquista Cristã. Os símbolos seriam um código sob o qual o ouro estaria protegido de quem o não soubesse decifrar. Mas quem soubesse ficaria na posse de uma riqueza incomensurável. Há um segundo momento que é sugestivo de ser integrado já na Idade do Ferro, predominando os antropomorfos esquemáticos e os motivos geométrico-abstratos, muito idênticos aos motivos da Arte Rupestre do Gião, do outro lado do rio Lima, no Soajo/Cabana Maior.

Mas se na bifurcação de Entre Ambos-os-Rios, em vez se seguirmos em frente para Parada virarmos à direita, vamos ter à Ermida, e veremos a Estátua-Menir da Ermida.


ESTÁTUA-MENIR DA ERMIDA
A Estátua-menir da Ermida, com metro e meio de altura, provavelmente resulta do encontro da tradição local da arte rupestre ao ar livre do Noroeste Peninsular com o movimento ideológico-religioso das estátuas-menir europeias entre finais do terceiro milénio a.C. e meados do segundo milénio a.C. Está gravada apenas no anverso, apresentando no peitoral dois círculos concêntricos e covinha. São do mesmo grafismo que decora a Pedra do Encanto da Bouça do Colado, que se encontra distante daqui, em linha reta, seis quilómetros. O movimento das estátuas-menir deve ter vindo de fora, no final do neolítico, ou já no calcolítico, miscigenando-se com a cultura local de gravuras rupestres ao ar livre que já cá existia há muito tempo. Qual o significado da estátua-menir? Uma hipótese é tratar-se da representação da Deusa ligada ao culto da fecundidade ainda influenciado pelo culto neolítico da Deusa-Mãe. Mas como sempre, e em tudo, não há consenso quanto a isso. Os tempos antigos continuarão para sempre a manter os mistérios fechados.



Esta estátua feita em pedra desta região da Serra Amarela, foi descoberta em 1981 por António Martins Batista. Havia sido identificada um ano antes no muro interior de uma parede-meia de uma corte de gado.


PEDRA DOS NAMORADOS

A Pedra dos Namorados é o outro monumento pré-histórico da Ermida que havia sido descoberto já no início do século XX. Nessa altura, envolvido em grande contestação por parte da população, foi enviado para o Museu Municipal do Porto, hoje no Museu Soares dos Reis, Porto. O protagonista dessa missão foi um tal Manuel Bento da Rocha Peixoto, advogado em Ponte da Barca, e que por acaso ouvi falar porque era avô do meu saudoso e bom mestre clínico com o mesmo nome do avô.


Termino este périplo com imagens de espirais que humanos desenvolveram provavelmente por imitação do que viam na natureza. Poderia ser um tentativa de melhor compreender o significado de padrões que a natureza forma espontaneamente desde o início da vida, quer pela forma, quer pelo comportamento dos elementos: minerais, plantas e animais.  Se aceitarmos que a natureza, para a criação da diversidade das espécies, é como se tivesse uma “imaginação criadora”, então a psique humana é de alguma maneira essa  mesma imaginação criadora por outros meios. Um único arquétipo pode-se manifestar de muitas maneiras diferentes. Não temos outro remédio senão conjeturar.


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O repovoamento da Europa a partir da Ibéria com o recuo do gelo

Arte Parietal do Paleolítico Superior – Gruta do Escoural

No período do Paleolítico Superior, entre 40 mil e 10 mil anos antes do presente, o território português também foi atingido pela última glaciação de Würm, ou última idade do gelo intercalada por pequenos períodos mais amenos. Aqui o protagonista já é um sapiens como nós, proveniente da última migração africana, alimentado por muita caça e alguma coleção de frutos e vegetais. Assim, a Gruta do Escoural, em Montemor-o-Novo, é o vestígio principal da Arte Parietal em Gruta típica deste período em toda a Europa e que se terá iniciado há 32 mil anos com o Aurinhacense e terminado há 10 mil anos com o Magdalenense. Nesta gruta, a primeira fase da intervenção artística terá decorrido no período Solutrense antigo e médio. Depreende-se que neste período gelado o homo sapiens terá levado uma vida mais de cavernas e nomadismo. As deslocações destinavam-se não só para caçar, mas também para procurar o sílex, preferencial, mas não exclusivo, para as ferramentas. E a Estremadura portuguesa é rica em sílex! O homem que habitava a Europa há 40 mil anos era o homem de Neandertal, que aparece há 300 mil anos na Europa e se extingue pelo início do Paleolítico Superior, há 40 mil anos. O Paleolítico médio, sendo o mais curto – de há 100 mil anos a 40 mil – é também o menos representativo no território onde hoje é Portugal.

Encontrado no abrigo do Lagar Velho na região de Leiria, temos o Menino do Lapedo, um mestiço Sapiens/Neandertal, que ronda precisamente a sua passagem por aqui há 28 ou 30 mil anos. João Zilhão, o paleoantropólogo que mais sabe acerca do Menino do Lapedo, enquadra-o na classificação de compromisso arqueológico/antropológico – Paleolítico Médio e cultura Musteriense – uma vez marcado pela cultura do ritual funerário, o canibalismo e o culto ao urso das cavernas.

Há 18 mil anos o gelo da Europa paleolítica encontrava-se no ponto máximo do último período glacial, com 2 km de espessura de gelo na zona dos Alpes, e com o mar a 125 metros mais abaixo do que está hoje. Um dos locais menos afetados pela glaciação foi a região franco-cantábrica – Astúrias e Sudoeste da Provença. Assim como foi o caso do Sul de Itália, Balcãs e Cáucaso. Mas a partir de 12 mil anos atrás o clima sofreu uma viragem com degelo. O seu efeito fez-se sentir noutros pontos do planeta, como por exemplo no sudeste asiático, onde há 40 mil anos existia um continente. A subida do nível do mar teve como efeito o aumento do número de ilhas à volta de Java.

Assim, no período que vai de há 12 mil anos até há 6 mil anos, a Europa passou a ser repovoada com migrações de homo sapiens a partir da Ibéria e dos Balcãs, onde se encontravam refugiados do gelo desde que os seus antepassados tinham vindo do Próximo Oriente para a Europa há cerca de 40 mil anos. No entanto há 12 mil anos ainda se tinha verificado um período de ligeiro arrefecimento. Como é sabido, o Próximo e Médio Oriente entrou na era do Neolítico há 12 mil anos, mais coisa menos coisa. Assim, foi possível a pastorícia e o desenvolvimento da agricultura, e com ela o aparecimento da cultura conhecida por Cultura Natufiense. Há 8 a 9 mil anos dá-se a inversão do pêndulo migratório, desta vez com um novo fluxo migratório Leste-Oeste.

O que intriga os cientistas é o facto de os marcadores genéticos dos povos Ibéricos do Paleolítico, que até aí tinham sido bem-sucedidos a defenderem-se do frio, terem desaparecido depois da vaga migratória vinda do Próximo Oriente há 8 a 9 mil anos. Não existe um consenso quanto aos povos da Ibéria, e particularmente os do Alentejo, terem adotado o Neolítico por si próprios ou ter sido uma civilização importada de fora. Acredita-se que as comunidades mesolíticas de caçadores recolectores do ocidente ibérico, nomeadamente os concheiros do estuário do Tejo e Sado, começaram a contactar com o modo de vida neolítico que veio de fora por via marítima. Já se encontram vestígios dos primeiros pastores e agricultores no Alentejo Central a partir de 5.500 a.C. adotar a cultura Neolítica no Alentejo. Agora, se é de imigrantes vindos do Leste, ou se é genuinamente de povos autóctones, é já outro tema. O que é certo é que o legado genético dos caçadores/coletores do paleolítico da Ibéria foi apagado por imigrações posteriores vindas do Próximo Oriente.

O contributo da genética no estudo das migrações tem sido revolucionário na reconstituição das migrações populacionais ao longo da história humana. Dentro dos haplogrupos do ADN mitocondrial, várias linhagens femininas, denominadas H, U, T, X, K e I, espalharam-se por toda a Europa vindas do Próximo Oriente há cerca de 40.000 anos, cujo efetivo populacional durante o Último Máximo Glaciar teria sido pequeno. Contudo, no refúgio ibérico, um maior efetivo populacional criaria a oportunidade para o aparecimento de novas linhagens mais recentes. Dentro daqueles grupos o haplogrupo H, é o marcador genético mais frequente da população europeia. Nos nossos dias estas linhagens perduram, sendo ainda mais frequentes na Ibéria. Por exemplo, em 499 amostras colhidas em Portugal, 25,5% são H1. Usando o relógio molecular, as suas idades apontam para 15.000 anos. À medida que o gelo ia recuando para Norte estes grupos também iam subindo pela Europa refazendo rapidamente o seu povoamento. Portanto, o atual património genético feminino europeu sinaliza esse repovoamento europeu a partir da Península Ibérica.

O ADN mitocondrial e o cromossoma Y são duas porções do genoma humano que permitem rastrear respetivamente as linhagens materna e paterna de um indivíduo. As mulheres transmitem o ADN mitocondrial aos descendentes dos dois géneros, ao passo que os homens, apesar de também possuírem obviamente mitocôndrias, não transmitem ADN mitocondrial. Em contrapartida transmitem o cromossoma Y, e obviamente apenas ao género masculino. O ADN mitocondrial e o cromossoma Y são haploides, isto é, são exemplares de transmissão uniparental. E às diversas formas polimórficas destes marcadores presentes na população dá-se o nome de haplótipos. E um grupo grande de haplótipos, que são séries de alelos em lugares específicos de um cromossoma constitui um haplogrupo. Em genética humana os haplogrupos mais estudados que podem ser usados para definir populações genéticas são os haplogrupos do cromossoma Y; e os haplogrupos do ADN mitocondrial. Assim, dentro dos
haplogrupos do cromossoma Y, temos o haplogrupo I2, que pode ser o haplogrupo de referência para o Homem de Cro-Magnon, remontando a 13.000-15.000 anos e tendo atingido a sua máxima frequência nos Alpes Dináricos, Balcãs. Por sua vez o haplogrupo I2a1 é de longe o maior ramo de I2 e o mais frequentemente ligado às culturas neolíticas do sudeste, sudoeste e noroeste da Europa. 



Na imagem supra vê-se um conjunto de materiais líticos constituído exclusivamente por seixos afeiçoados e lascas de quartzito, datáveis do Paleolítico inferior, mesmo que represente o sinal mais antigo da presença humana em território português, ou seja, há cerca de 500 mil anos. O Paleolítico inferior começa há 2 milhões e meio de anos e prolonga-se até há 100 mil anos. Este espólio é da Quinta do Curral Velho, Vila Nova de Foz Côa – Santa Comba, encontrado em terraço aluvial elevado sobre a margem esquerda do Côa. A cultura é do Acheulense e o homem é Heidelbergensis.O Vale do Côa deve ser o melhor local para sabermos como foi no território português a ocupação dos nossos Adão-e-Eva. Como foram e como foi a sua arte. O Vale do Côa está pejado de centenas, se não milhares de exemplares do que foi a primeira arte da humanidade.

Arte Rupestre ao Ar Livre – Paleolítico Superior
É claro que, como a “idade do gelo” remetia os raciocínios para “os homens das cavernas”, levou tempo a descobrir a “Arte Rupestre ao Ar Livre”. A genuína atenção dos arqueólogos apenas passou a ser dada depois de 1994, quando a descoberta das gravuras paleolíticas do Vale do Côa já corria mundo. Pois, quando em 1980 foi chamada a atenção para uma rocha próxima de Mazouco (Freixo-de-Espada-à-Cinta), na margem direita do rio Douro, pouca gente se importou, incluindo as autoridades. Mas depois também fomos rápidos a recuperar o tesouro da arca perdida, nomeadamente com a suspensão da construção de uma barragem hidroelétrica que a remeteria definitivamente para o esquecimento. As gravuras mais antigas do Vale do Côa, do período do Paleolítico Superior, foram datadas com pelo menos 14.500 anos, embora pelas características estilísticas (Gravetense e Magdalenense superior) possam ser ainda mais antigas.

A ocupação humana do Vale do Côa, durante o Neolítico antigo, terá sido levada a cabo por pequenos grupos, que apresentavam alguma mobilidade. O fim do Paleolítico é marcado por profundas alterações climáticas, que motivaram uma mudança no modo de vida e, por consequência, nas mentalidades e na sua expressão artística. Dá-se início à sedentarização das populações e a um modo de vida produtor, com a introdução da agricultura e da pastorícia, e a uma nova classificação de idades: neolítico, cobre ou calcolítico, bronze e ferro. A idade do ferro marca, por sua vez, o fim da Pré-história, pois coincide com a invenção da escrita.

Assim, um pequeno grupo no Vale do Côa começaria no fim do Paleolítico a percorrer esta região alternando a ocupação dos sítios do fundo do vale com os sítios do planalto onde se formavam grandes reservas de água na sequência do degelo das neves durante a primavera. Estes reservatórios naturais atrairiam as manadas de gado herbívoro, muito conveniente para a caça. Em ambos foram identificados fragmentos de cerâmica manual com formas elementares, como recipientes esféricos, hemisféricos e globulares, alguns deles decorados. O material lítico é constituído por lascas e pequenos geométricos, obtidos, sobretudo, a partir de rochas locais, mas também de algum sílex importado de outras regiões. Para além da pedra lascada, identificaram-se alguns objetos de pedra polida, como sejam percutores e machados. Parece notar-se, no entanto, uma distinção importante entre os dois sítios. Um parece ter sido utilizado, sobretudo, para a pastorícia, associada à caça. Já o outro apresenta grandes recipientes cerâmicos, instrumentos polidos com gume, utilizados no desbravamento das florestas e uma relativa abundância de mós, poderá ter estado mais ligado ao processamento de alimentos vegetais, fossem eles cultivados ou espontâneos.




O período da Idade do Ferro na Península Ibérica, que decorreu entre 700 a.C. e o início da ocupação romana, este período caracteriza-se por uma maior hierarquização social e complexidade política, bem como uma correspondente instabilidade. Assiste-se, por outro lado, ao estabelecimento de contactos comerciais e culturais entre as populações peninsulares e as florescentes civilizações mediterrânicas, que vão contribuir para a introdução da escrita na Península Ibérica, marcando, assim, o fim da Pré-história.

As gravuras da Idade do Ferro, mais precisamente da 2ª Idade do Ferro, constituem seguramente o segundo conjunto mais relevante do Vale do Côa. Os motivos representados baseiam-se sobretudo na figura humana, que é retratada de forma isolada, ou montada em cavalos, demonstrando-se assim uma das novidades importantes da época: a domesticação deste animal. Estas figuras humanas tomam geralmente a forma de guerreiros. As figuras compõem geralmente cenas, que se acredita constituírem relatos de acontecimentos mitológicos. Para essa crença contribui o facto de muitas figuras apresentarem cabeças em forma de bico de pássaro. 
A ocupação desta época na região do Vale do Côa seguiria o padrão identificado para todo o noroeste peninsular. Assentaria numa rede de povoados fortificados no cimo dos montes, vulgarmente apelidados de castros, de onde se deteria um bom controlo visual da região envolvente e facilmente se abrigariam as populações em caso de conflito. Cada um destes povoados dominaria um pequeno território por onde se distribuíram os campos de cultivo e as zonas de pasto. Aqui esteve a antiga sede de bispado visigótico CaliabrigaNão é de excluir que alguns acastelamentos medievais tenham escolhido as mesmas implantações dos povoados proto-históricos, destruindo-os. Este parece ser o caso de Marialva, que as fontes romanas fazem corresponder à Civitas Aravorum, uma entidade político-administrativa romana, que tem origem numa etnia proto-histórica. Para além destes, a região do Vale do Côa estaria relacionada com outros grupos étnicos pré-romanos. Os Banienses teriam a sua sede administrativa no Vale da Vilariça. Esta arte da Idade do Ferro tem vindo a ser interpretada como delimitadora de fronteiras entre territórios de diferentes povos. O Vale do Côa situa-se no limite ocidental da Meseta Ibérica, dando-se aqui início aos planaltos centrais e às montanhas que marcam o litoral peninsular. Este limite natural definiria possivelmente as fronteiras entre povos, nomeadamente os famosos Lusitanos e os Vetões. A arte serviria assim para definir e manter os limites estabelecidos. A sua temática guerreira funcionaria como gestora das tensões políticas. É curioso verificar que o aparecimento da escrita parece ter provocado uma interrupção na arte rupestre do Vale do Côa. Este facto encontra-se atestado noutras partes do mundo, onde se verificam casos idênticos que parecem demonstrar que a arte rupestre é uma atividade típica das sociedades iletradas. No Vale do Côa, ao ciclo artístico da Idade do Ferro, que marca localmente o fim das sociedades sem escrita, segue-se um vazio até por volta do século XV/XVI quando surgem novos gravadores.

sábado, 24 de agosto de 2019

Göbekli Tepe


Göbekli Tepe é um sítio arqueológico na região sudeste da Anatólia (Turquia) com data que remonta a 8 a 10 mil anos a.C. Segundo Klaus Schmidt, o arqueólogo responsável pela descoberta, é formado pelos megálitos mais antigos do mundo. Mais de 200 pilares em cerca de 20 círculos são conhecidos atualmente. Cada pilar tem uma altura de até 6 metros e pesa até 10 toneladas. Os detalhes da função da estrutura permanecem um mistério. As escavações estão em andamento desde 1996 pelo Instituto Arqueológico Alemão. Em 2018, o local foi designado Património Mundial da UNESCO.

É dos locais de culto mais antigos até agora descobertos, do tempo dos caçadores-coletores do décimo milénio a.C. Está a revolucionar as teorias sobre o início da civilização neolítica. São monólitos decorados com baixos relevos de animais [leões, touros, raposas, serpentes e outros répteis, insetos, pássaros, particularmente abutres e aves aquáticas] e pictogramas abstratos. São símbolos sagrados. Já se vê aqui a cultura dos mortos do sudeste da Anatólia em que antes da sepultura os cadáveres eram expostos para serem devorados por abutres. As casas ou templos são edifícios megalíticos redondos. As paredes são de pedra tosca, com 12 pilares monolíticos em forma de T. 

Como não se encontraram lareiras, nem poços de lixo que sugiram terem sido habitações permanentes, tudo indica tratar-se de um templo de cariz religioso. Mas isso não deve surpreender se considerarmos que eram povos nómadas caçadores, ainda antes da agricultura. A estratigrafia de Göbekli Tepe é imponente.

Ainda vai ser preciso mais investigação, e ainda mais escavações na medida em que até agora só foi escavada uma parte, para termos uma noção mais aproximada como tudo isto aconteceu. Mas a opinião de Scmidt é que Göbekli Tepe é um santuário de montanha da idade que precede imediatamente o Neolítico. Schmidt considerou Göbekli Tepe um local central para um culto aos mortos, e que os animais esculpidos estão lá para proteger os mortos. Embora não tenham sido encontrados túmulos ou sepulturas até agora, Schmidt acredita que eles seriam descobertos em nichos localizados atrás das paredes dos círculos sagrados. Schmidt também se envolveu em especulações sobre os sistemas de crenças dos grupos que criaram Göbekli Tepe, baseados em comparações com outros santuários e assentamentos. Ele presumiu práticas xamânicas e sugeriu que os pilares em forma de T representam formas humanas. Alguns pesquisadores acreditam que a construção de Göbekli Tepe pode ter contribuído para o desenvolvimento posterior da civilização urbana, ou, como disse Klaus Schmidt, "Primeiro veio o templo, depois a cidade". 

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

São Bartolomeu


Podemos ir a Ponte da Barca ou Esposende às festas do São Bartolomeu. São Bartolomeu é alvo de especial veneração em muitas terras de Portugal. A 24 de agosto desacorrenta o Diabo para andar em liberdade. O Diabo anda à solta.

A tradição de São Bartolomeu do Mar, em Esposende, é muito sui generis. São Bartolomeu do Mar foi sede de uma freguesia extinta em 2013, no âmbito de uma reforma administrativa nacional, para, em conjunto com Belinho, formar uma nova freguesia denominadaUnião das Freguesias de Belinho e Mar com a sede em Belinho.

No dia 24 de agosto realiza-se a famosa romaria a São Bartolomeu do Mar santo padroeiro da freguesia. A tradição remonta ao século XVI e consiste em dar voltas à Igreja com um pinto (os locais dizem pito) preto ao colo, passar por baixo do andor (a barca de São Bartolomeu) e, de seguida, recebem o toque do santo na testa. Depois há que ir à praia "furar" ondas em número ímpar, ou seja, três, cinco, sete ou nove. Tudo isto para que as crianças ficassem afastadas de efeitos demoníacos.
O galo é um símbolo solar por excelência. Sendo preto, representa o sol oculto, a força necessária para ultrapassar a fase negra das forças caóticas mais arcaicas as águas profundas simbolizadas na passagem por baixo da barca. Ainda há quem cumpra a tradição, que consiste trazer de casa um galo preto cozinhado (de preferência arroz de frango caseiro), e comido no areal da praia.

Chegam a ser milhares as pessoas que cumprem o rito profilático de tirar o medo às crianças. Na praia, veem-se pessoas sentadas no areal e outras tantas a tomar o banho purificador. Como o Diabo anda à solta, a água do mar tem nesse dia um poder especial, mais devotado às crianças, livrando-as da epilepsia, da gaguez, enfim, dos males do Demo. No fim há a procissão que segue da igreja até à praia e depois regressa. Nela alinham vários andores e ainda em maior número os amortalhados.


Na foto acima vê-se o Menir de São Bartolomeu do Mar, com 2m de altura. Este monólito de granito parece ostentar uma figura antropomórfica, muito incipiente. Datado do Neolítico-Idade do Bronze (III-II milénio a.C.), teria uma vocação devocional com o culto de fertilidade. Há ainda tradições locais sobre o menir, dizendo-se que não pode ser retirado dali pois grandes males poderão assim chegar ao local, tais como o a invasão do mar a cobrir os terrenos férteis, acarretando na esterilização dos campos.