segunda-feira, 6 de abril de 2020

A verdade e a mão invisível



Marta Temido diz que se compromete com a verdade. E os economistas liberais dizem que se comprometem com a mão invisível de Adam Smith. Os pós-modernos, também chamados pós-metafisicos, não acreditam na noção de verdade de uma metafísica pesada de crentes e não crentes (céticos). Gianni Batimo, um pós-moderno, opina que já não acredita num cristianismo como dogma ou crença numa Verdade maior - como ditava Ratzinger, antes de ser Papa Emérito, de fundamento natural e metafísico - mas apenas em provas de amor cristão.

Espinosa foi um dos primeiros a falar da inteligência da Natureza, ou Substância. Ou seja, a trama eterna de causas e efeitos que, por sua vez, carece de causa exterior e que abrange todo o real, do qual fazemos parte sem bonificação nem privilégio. Conhecemos e sabemos aquilo que a nós cabe saber, em virtude da nossa condição. Por conseguinte, jamais conseguiremos saber toda a Verdade, nas suas infinitas facetas. O vírus de agora, ou o fogo do outro dia, ou o último tsunami - nada têm de mal em si mesmo, mas apenas o são para nós porque nos prejudicam. Já os nossos erros, as falsas ideias na demanda do que mais no convém, para Espinosa, era uma outra conversa. O mau e o bom é o que faz sentido, para cada um dos seres, e não o bem e o mal, que não existem. Devemos viver de acordo com o que determina a nossa condição racional e social. Nada há mais útil para um homem, do que outro homem.

Depois de Espinosa, veio Hegel concluir a conceptualização de Deus no seu sistema. Converteu os dogmas cristãos em metáforas especialmente significativas das abstrações que o seu trabalho intelectual estabeleceu na sua tarefa titânica de pensar o real e o ideal no seu devir histórico. O que preocupa cada ser humano é a sua salvação quando sabe que vai morrer. E não se conforma com a mera compreensão daquilo que o aniquila. Cada ser humano, na sua faceta de crente, deseja algo que o faça escapar à perdição. E é aqui que entra o filósofo, o sábio, não para consolar, nem para alimentar falsas esperanças de uma salvação pessoal, porque é irracional ou ininteligível, mas para transmitir a serenidade necessária, a equanimidade, nos termos de Espinosa. Aquela igualdade de ânimo, tanto na prosperidade como na adversidade.

O filósofo, ou o sábio, existe para nos dizer que o ser humano habita o mundo como prisioneiro da necessidade e da contingência, o irremediável acaso e necessidade, submetido à injustiça, ao esmagamento dos mais débeis … e à fatalidade da morte. O seu destino, aparentemente inevitável, não é mais do que ter alegrias nos prazeres da vida, e padecimentos no sofrer, para depois desaparecer para sempre.

O cientista, por sua vez, explica-nos que as leis vigentes no Universo são as mesmas para todos – pedras, árvores, animais . . . e que contra elas não há lugar à rebelião. Resta-nos acatar a lógica do Universo, e inventar uma ética que mais nos convenha, ainda que não sendo para atingir a felicidade, seja para encontrar as melhores regras morais consentâneas com a virtude e a dignidade humana. Dentro da liberdade possível, sim, mas não a nutrir a ambição de um reino de superioridade e de domínio das forças da Natureza. Esse tem sido o maior erro, pecado para os crentes, que o tornou escravo da sua própria soberba.

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