quinta-feira, 30 de abril de 2020

Um copo de tinto para desanuviar as ideias




Não é fácil encontrarmos as palavras certas para descrever as variações dos sentidos do olfacto e do gosto quando, por exemplo, somos desafiados a apreciar um bom vinho maduro tinto do Douro ou do Alentejo, uma reserva de uma colheita especial edcetra e tal... A principal dificuldade que o sujeito tem em passar a palavras os sentidos do olfacto e do gosto tem a ver com o carácter subjectivo da prova destes sentidos, que está baseada em impressões, que por sua vez estão ligadas à personalidade do sujeito. 

É literalmente impossível medir um gosto ou um aroma, enquanto é possível medir com rigor a luz, as cores, os sons..., os outros sentidos que também participam nas provas de vinhos, e cujas teorias da percepção são diferentes das destes agora em análise. Contudo, ainda assim, fica de fora a qualidade artística de uma música, de uma pintura, ou de todo o ambiente que rodeia esse ato num determinado momento. Existem olfactómetros que fornecem as concentrações das substâncias, mas nada que se pareça com a fenomenologia dos qualia olfactivos.

Em enologia, nem sempre os provadores coincidem nas suas notas de prova. Não apenas depende da sua competência como peritos, bem como com a riqueza do seu vocabulário na atribuição das variáveis qualitativas de um determinado vinho. Cada um, segundo a sua formação, estabelece a sua própria grelha de normas de qualidade de um tipo de vinho, ou atribui um peso maior ou menor a um dado defeito ou excelência. Nem sempre o sentido das palavras consegue traduzir a fenomenologia dos sentidos gustativos e olfactivos de uma prova. Nem todas as sensações encontram palavras que possam ser mensageiras fiáveis e fiéis. Muitas vezes é uma palavra improvisada que consegue ser mais eficaz em desvendar uma sensação e fazê-la ser compreendida por parte de quem a está a receber.

Mas, tal como a explicação de um texto artístico ou uma crítica de arte, a descrição gustativa tem a sua própria terminologia, a sua gíria e neologismos. Ao falarmos da prova ou degustação de um vinho muitas vezes esquecemo-nos de abordar as características visuais. Na verdade, já estamos a falar de um outro sentido cuja abordagem é muito diferente do olfactivo e gustativo na vertente da teoria da percepção. Deve-se salientar que a vista é o sentido mais marcante no universo sensorial humano. A vista é um sentido rápido e continuamente dinâmico, ao contrário das impressões do gosto e do olfacto, que são evolutivas e mais incertas. Mas, mais uma vez reforço a ideia de que: uma coisa são as radiações das diferentes cores, que no seu conjunto constituem a luz branca; outra coisa é o seu aspecto fenoménico, quando dizemos que a cor rubi é de um vinho ainda novo, e a cor de tijolo é de um vinho já envelhecido. É possível medir a cor de um vinho por métodos objectivos, como por exemplo, um vinho que absorve muita luz violeta aparenta à vista uma cor mais avermelhada. No entanto, o olho continua a ser indispensável, para além de ser mais simples e agradável.

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