quinta-feira, 23 de abril de 2020

O Covid-19 e os países


Será que a hipótese cultural é útil para compreender a desigualdade entre países no que concerne à incidência do Covid-19?

Sim e não. Sim, no sentido de que as normas sociais, que são relacionadas à cultura, exercem profunda influência no comportamento das pessoas, e podem ser difíceis de mudar. Em sua maior parte, porém, não, se atendermos a aspetos culturais como a religião, ética nacional, valores latinos, etc. Outros aspetos, como até que ponto as pessoas confiam umas nas outras ou são capazes de colaborar, são importantes, mas constituem basicamente um resultado das instituições, não causas independentes. 


Os ingleses são paradigmáticos quanto a cultura e peso das instituições. Não apenas pelo Brexit, mas também pela forma como têm lidado com a pandemia. Neste momento o Reino Unido aparece em 5º lugar no painel da pandemia a nível mundial com 138.078 infetados e 18.738 mortos. E é dos poucos países, como a Noruega e os Países Baixos, em que não aprecem os casos de recuperados. Os britânicos ainda não esqueceram a sua história de sucesso ao derrotar Hitler, sobretudo naquele ano entre junho de 1940 e junho de 1941, na que ficou conhecida Batalha de Inglaterra, em que a RAF ( Royal Air Force - Força Aérea Britânica) derrotou a Luftwaffe (Força Aérea Alemã) – em batalhas no céu da Grã-Bretanha, frustrando assim os planos alemães de a invadir. 


A Península Ibérica tem um longo período de história comum, independentemente do idioma e etnia. O importante é a fronteira. Eventuais divergências culturais entre os dois países são consequência e não causa. Por exemplo, os portugueses começaram primeiro a estabelecer relações comerciais com o Norte da Europa a partir do Porto e das relações que se estabeleceram com a Liga Hanseática. E começaram primeiro a circum-navegar a costa ocidental africana. Mas isso nunca foi relevante para o resultado no posicionamento dos dois países no ranking.

Lembremos a história do Reino do Congo, na foz do Rio Congo, que deu o seu nome à moderna República Democrática do Congo [377 casos e 25 mortos por Covid-19]. O Congo entabulou intensas relações com os portugueses após ser visitado pela primeira vez pelo navegador Diogo Cão, em 1483. Na época, o Congo era um reino altamente centralizado pelos padrões africanos, cuja capital, Mbanza, contava com uma população de 60 mil habitantes, o que a tornava mais ou menos do mesmo tamanho da capital portuguesa, Lisboa, e maior do que Londres, com a sua população de cerca de 50 mil habitantes em 1500. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, converteu-se ao catolicismo e mudou de nome para João I. Mais tarde, o nome de Mbanza seria mudado para São Salvador. Graças aos portugueses, os congolenses aprenderam sobre a roda e o arado, cuja adoção foi mesmo incentivada por missões agrícolas lusitanas em 1491 e 1512. Contudo, todas essas iniciativas fracassaram. E, no entanto, os congolenses estavam longe de ser avessos às modernas tecnologias em geral; foram muito rápidos, por exemplo, em adotar outra venerável inovação ocidental: a pólvora. Usaram essa nova e poderosa ferramenta para responder a incentivos de mercado: a captura e exportação de escravos. Não há nenhum indício de que a cultura ou os valores africanos de alguma maneira concorressem para impedir a adoção de novas tecnologias e práticas. À medida que se estreitavam os seus laços com os europeus, os congolenses adotariam outras práticas ocidentais: a escrita, estilos de indumentária e arquitetura habitacional.

Peguemos agora no exemplo do Canadá, com 37 milhões de habitantes, e o Estado de Nova Iorque, com 20 milhões de habitantes, e que faz fronteira com o Canadá. Enquanto o Canadá apresenta 40.824 infetados e 2.028 mortos por Covid-19, o Estado de Nova Iorque apresenta 263.000 infetados e 20.248 mortos. O problema pode estar na forma desastrosa como o Presidente dos EUA tem conduzido os destinos deste grande e rico país. O contraste, com a forma como o Canadá tem sido governado, é abissal. Acresce também as grandes diferenças que existem entre os dois quanto ao sistema de saúde, em que o Canadá ocupa os primeiros lugares dos melhores há já várias décadas.

Nos últimos tempos tem-se verificado uma falta de autoavaliação honesta por parte da liderança norte-americana. Os EUA carecem, hoje, de uma autoavaliação honesta. Parece que não levam os reais problemas a sério. Muitos americanos também se iludem culpando outros países pelos seus problemas presentes. O ceticismo em relação à ciência está cada vez mais espalhado pelos EUA, o que é um muito mau augúrio, pois a ciência é, nada mais nada menos, do que a descrição e a compreensão mais segura do mundo real. Desde, pelo menos, o 11 de setembro de 2001 que os EUA têm vindo a debater-se com complexos problemas sociais, económicos e políticos internos que não se prestam a soluções rápidas. Pelo contrário, eles precisam de paciência e de uma posição de compromisso que ainda não revelaram ter. A política americana das últimas duas décadas tem sido caracterizada por uma intransigência crescente.

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