sexta-feira, 24 de abril de 2020

Valores e mudanças



Estamos a viver uma crise que, para além de ser global, isto é, não ser uma crise específica de nações, se instalou em pouco tempo. Não digo que tenha sido da noite para o dia, como os terramotos e tsunamis, mas quase. Mas a verdade é paradoxal porque, ao contrário das crises que se instalam lentamente e se fazem anunciar à distância, algo de mau e grande que aconteça de súbito, motiva-nos mais a reagir concentradamente do que quando os problemas são do domínio da indolência. No entanto, quando se trata de ter que fazer mudanças na nossa forma de viver e organizar a sociedade, há dois fatores que pesam: os valores consagrados de cada sociedade específica; e os líderes que fazem a diferença num dado momento histórico. Tal como acontece com os indivíduos, os valores das nações - tal como seja o da liberdade, e o do respeito pela tradição da família e dos mais velhos -, podem fazer com que seja mais fácil ou mais difícil para cada nação adotar mudanças seletivas.

Os valores do passado podem continuar a ser relevantes no presente e podem motivar os cidadãos para que façam sacrifícios na defesa desses valores. Por outro lado as nações podem debater-se com limitações à liberdade, cujo maior fardo são as limitações financeiras que dependem da intervenção de terceiros, sejam eles outros países ou instituições internacionais. A outra questão que surge amiúde quando falamos de crises prende-se com o antigo debate sobre se os líderes têm um efeito relevante na História, ou se a História se desenvolveria da mesma maneira, independentemente de quem fosse o líder ou líderes em dada altura.

A posição mais consensual entre os historiadores é que tudo resulta de uma complexa combinação de fatores e não de um ou outro elemento isolado em particular. Mas o debate continua suportado por mais estudos acerca do papel dos líderes no desenlace histórico. Políticos perfeitamente banais podem tornar-se grandiosos devido às circunstâncias da altura, não devido às suas qualidades pessoais. As opções são determinadas pelas circunstâncias da História. Max Weber foi o grande pensador que defendeu que certos líderes, os chamados líderes carismáticos, podem, por vezes, em algumas circunstâncias, influenciar a História. De qualquer modo, há sempre lições a retitar da História. Há uma lição universal: os pequenos países em negociação com países grandes, ou mais ricos, devem ser realistas e honestos nas suas autoavaliações. E permanecer atentos, considerando mais do que uma opção estratégia, portanto, adotando mais flexibilidade. Assumindo pôr de lado os valores que deixaram de ser adequados, e mantendo os que continuam a demonstrar serem válidos. Infelizmente, esta lição está constantemente a ser ignorada.

Agora, neste primeiro ano da década de 2020, os EUA já sentem que têm um grande problema. O problema que nunca tinham tido e que é o problema de um país em confronto com um país maior que ele: chama-se China. É incontroversa a afirmação de que os regimes democráticos são de longe muito melhores do que os regimes autocráticos para o progresso e bem-estar das nações. E por isso, sendo os EUA uma das mais sólidas democracias do mundo, e a China um país autocrático, os americanos nada teriam a temer. Mas a verdade é que, durante este primeiro mandato da Administração Trump, parece que grassa na América uma inveja crescente da ditadura chinesa pela sua capacidade de decisão e implementação rápida de políticas ganhadoras na esfera da economia e da geopolítica. É verdade que grande parte das decisões estratégicas levam mais tempo a implementar numa democracia do que numa ditadura. Mas nas democracias, a contrário das ditaduras, é importante a consensualidade na tomada das decisões, pois são sempre mais equilibradas. Ao passo que uma ditadura é mais suscetível de tomar más decisões, que geralmente acabam por conduzir ao desastre.

É claro que uma democracia atropelada por lóbis, e corrompida pela alta finança, se bem que escondida aos olhos da gente comum, pode deitar tudo a perder de um dia para o outro. Financiamentos multimilionários em campanhas eleitorais, mesmo que legais nos EUA, acabam por alcançar os mesmos resultados que habitualmente são alcançados ilegalmente através da corrupção, como em ditaduras com fachada aparente de democracia, mas realmente falsas democracias.


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