segunda-feira, 27 de abril de 2020

O que diz um dos meus velhos: Edgar Morin




Edgar Morin, aos 98 anos, depois de conferir uma leitura sobre o isolamento social por causa desta pandemia do Covid-19, fez uma desconstrução da crença em verdades absolutas: “As certezas são uma ilusão”. Ainda que os métodos científicos sejam mais rigorosos que os debates de ideias acerca da democracia, tal como esta, a ciência não é mais do que uma realidade humana. Morin acredita que somos obrigados a encarar mais as incertezas, do que as certezas. Mas que podemos abraçar a oportunidade de reforçar a consciência das verdades humanas que fazem da vida a qualidade que dá vontade de viver: o amor; a amizade; comunhão e solidariedade. Estes são os factos certos para os quais devemos despertar todos os dias. Nestas certezas Morin acredita.

Edgar Morin faz uma observação ao facto de todos terem ficado tranquilos ao verem Emmanuel Macron cercado por um conselho científico. Mas depois viram que esses cientistas defendiam pontos de vista divergentes uns dos outros, muito diferentes, muito contraditórios. Muitos cientistas têm ignorado a contribuição dos epistemólogos da ciência, como Thomas Kuhn, que mostrou como a história da ciência é um processo descontínuo. O episódio por que estamos a passar hoje pode, portanto, ser o momento ideal para consciencializar os cidadãos e os investigadores da necessidade de entender que as teorias científicas não são absolutas. A incerteza é a principal característica. 
Não há nenhuma teoria científica que tenha um valor absoluto e permanente. Ainda nenhuma teoria conseguiu resistir à refutação da experimentação. Mesmo as mais geniais produzidas por um Darwin ou um Einstein.

Então se estes génios também cometeram erros graves, não é de admirar que com os restantes cientistas aconteça o mesmo, quer dizer, muito mais vezes. Todavia, os erros de génio acabam por ser ainda mais virtuosos, porque geralmente acabam por ser eles a abrir novas portas para mais descobertas. Mas é preciso perceber que pelo facto de constituírem progressos fantásticos no campo da ciência, não significa que tenham algum valor em relação à verdade. O maior erro que um cientista pode cometer é ser relutante em admitir que pode estar errado. Até porque é através dessa atitude que acaba por se obstinar contra novas ideias. O próprio Max Planck reconheceu isso ao dizer que muitos progressos em ciências só acabam por vencer, e aparecer à luz dos holofotes da geração seguinte, porque mais cedo ou mais tarde os seus opositores acabam por morrer. Porque se não fosse assim, a ciência não progredia.

Naturalmente, cientistas do calibre de Darwin ou Einstein acreditavam que a sua intuição os guiaria em direção às respostas certas, mesmo quando viam que as ideias se transformavam a um ritmo alucinante. Como demonstrou António Damásio, e outros neurocientistas, os humanos não são seres puramente racionais, capazes de barrar completamente as suas paixões. É que o córtex orbitofrontal integra as emoções na corrente do pensamento racional. O homem continua a exibir na sua estrutura corporal a marca indelével da sua modesta origem.

Immanuel Kant terá escrito algures que quanto mais ocupava a mente, e se intensificavam as suas elucidações, à medida que o céu estrelado o cobria e a lei moral crescia dentro de si, mais ele se admirava e assombrava. E a verdade é que desde a publicação da sua Crítica da Razão Prática (1788), realizamos progressos extraordinários na compreensão do "céu estrelado", mas pouco mais avançámos na elucidação da razão moral. Nada estamos mais longe da verdade quando afirmamos que os avanços científicos são puras histórias de sucesso. O caminho do progresso não está apenas carregado de enganos. Está também pejado de cadáveres. 

Edgar Morin diz que a Europa é um esqueleto vazio, dominada por interesses económicos. A democracia está em crise. Porquê? Porque há uma crise do pensamento político minado pela corrupção no seio da própria democracia. E o resultado está à vista com o reavivar das autocracias, tanto dentro da União Europeia com os exemplos da Hungria e da Polónia, para não apontar outros, e fora da Europa, mas perto dela existe a Rússia e a Turquia. Já para não falar dos dois líderes mais arrepiantes dos últimos tempos: Trump e Bolsonaro.

É certo que houve sempre perigos ao longo da história humana. Mas não tão concentrados e tão globais como agora. E o caso mais gritante neste século XXI é o perigo de o planeta ser inviável para a vida humana por causa das alterações climáticas e da destruição dos ecossistemas pela mão dos mesmos seres humanos que se autoclassificaram de sapiens desde há pelo menos 200.000 anos. As rebeliões andam aí por todo o lado, contra este sistema capitalista. Mas tem sido de forma anárquica, sem um pensamento que indique qual é a via que temos que seguir. E as coisas são assim porque os problemas são multifactoriais e muito complex+os, o que aumenta a incerteza. E as pessoas são muito sensíveis à incerteza, provocando uma grande angústia e medo. Dois grandes motores da História para a regressão civilizacional.

Esta pandemia veio relembrar que a incerteza permanece um elemento inexpugnável da condição humana. “Não estou dizendo que previ a epidemia atual, mas ando a dizer há vários anos, que com a degradação da nossa biosfera, devemos nos preparar para o desastre” – é a resposta de Edgar Morin. Em 2000, a globalização era um processo que poderia causar tanto dano quanto benefício. Aos 98 anos Edgar Morin é um homem que já viu muito mundo a desmoronar: “desde a guerra da Jugoslávia depois da queda do Muro de Berlim, a partir desse momento, fiquei intelectualmente preparado para enfrentar o inesperado, para enfrentar as convulsões que haviam de vir apesar da minha provecta idade”. É num dos significados que a palavra “crise” contém: oportunidade, que nos devemos focar. Oportunidade para quê? Para nos tornarmos permanentemente conscientes de verdades humanas que todos conhecemos, mas que estão reprimidas no nosso inconsciente. 

Estamos perante duas barbáries: uma tem a ver com a génese histórica humana, e que se concretiza nas guerras, e no domínio de uns sobre outros na forma de servos e escravos. É uma barbárie que vem de dentro do homem, e que decorre do medo: medo do Outro, do Estrangeiro. É o medo que provoca o isolamento mental, que leva a desprezar, e a humilhar. Que é o que se tem passado ultimamente no Mediterrâneo com os migrantes, com os refugiados, milhares deles mortos no fundo do mar; a outra tem a ver com o atual estado de coisas provocado por este sistema capitalista global, desregulado mas aio mesmo tempo alimentado pelo paradigma científico do cálculo, da redução analítica ao meramente lucrativo, ao meramente hedónico.

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