quarta-feira, 22 de abril de 2020

De: A morte de Ivan Ilitch




Aclamada como uma das maiores obras-primas sobre a temática da morte, esta é a história de Ivan Ilitch, um juiz respeitado que, apercebendo-se da morte próxima, se interroga sobre as suas escolhas, percurso de vida e a mentira em que vive.


Смерть Ивана Ильича (Smert Ivana Ilicha): Russian edition Kindle Edition 



Scan of the title page of an 1895 edition of The Death of Ivan Ilyich 



«Смерть Ива́на Ильича́» —, над которой он работал с 1882 по 1886 год, внося последние штрихи уже на стадии корректуры. В произведении рассказывается о мучительном умирании судейского чиновника средней руки. Повесть широко признана одной из вершин мировой литературы и величайшим свершением Толстого в области малой литературной формы. 

"A morte de Ivan Ilyich" -, na qual Tolstoi trabalhou de 1882 a 1886, trazendo os retoques finais já na fase de revisão. O trabalho fala sobre a morte dolorosa de um oficial de nível médio. A história é amplamente reconhecida como um dos picos da literatura mundial e a maior conquista de Tolstoi no campo da pequena forma literária.

[...]
Outras duas semanas se passaram desse modo e durante aquela quinzena aconteceu uma coisa que Ivan Ilitch e sua esposa tanto desejavam! Petrischev pediu a mão de Liza. Na manhã seguinte Praskovya Fiodorovna entrou no quarto do marido pensando na melhor maneira de lhe dar a notícia, cujo estado piorara muito naquela noite. Praskovya Fiodorovna encontrou-o ainda no sofá, mas mudara de posição, estava deitado de costas, gemendo e olhando à sua frente com olhar fixo. Praskovya começou a falar dos seus remédios. Ele voltou a olhar para ela, que não conseguiu terminar o que estava a dizer, de tanto rancor que viu naquele olhar.
“Pelo amor de Deus, deixe-me morrer em paz!”. Ela ia sair dali, mas naquele momento a sua filha entrou para dar bom-dia. Ele olhou para a filha como olhava para a esposa e, em resposta à pergunta sobre a sua saúde, disse friamente que muito em breve ele as livraria da sua presença. As duas caladas, esperaram um pouco e saíram.
“Porque é que ele nos acusa?” perguntou Liza a sua mãe. “É como se a culpa fosse nossa. Eu estou muito sentida por ele, mas porque é que ele tem de nos atormentar?” O médico chegou na hora de sempre. Ivan Ilitch respondia sim e não, sem tirar os seus olhos enfurecidos de cima dele e no final disse: “Você sabe muito bem que não pode fazer nada por mim, portanto deixe-me em paz!” – "Nós podemos aliviar o seu sofrimento", disse o médico. “Nem isso vocês podem. Deixe-me!”
O médico entrou na sala de visitas e disse a Praskovya que o caso era muito sério e que o único recurso que restava era o ópio, para aplacar os sofrimentos de seu marido, que deviam ser terríveis. Era verdade, como disse o médico, que a dor física de Ivan Ilitch era terrível, mas, pior do que ela eram os seus sofrimentos mentais, sua pior tortura. Suas torturas mentais deviam-se ao facto de que, durante a noite, quando olhava para o rosto calmo, de maçãs salientes, adormecido, de Gerassim, o que lhe vinha à cabeça era: “E se na verdade toda a minha vida tiver sido errada?” Ocorreu-lhe, pela primeira vez, o que lhe tinha parecido totalmente impossível antes – que ele não teria vivido como deveria. Veio-lhe à cabeça a ideia de que aquela sua leve inclinação para lutar contra os valores das classes altas, aqueles impulsos de rebeldia que mal se notavam e que ele havia tão bem aplacado talvez fossem a única coisa verdadeira, e tudo o resto, falso. E suas obrigações profissionais e a retidão de sua vida e a sua família e a sua vida social tudo falso e sem sentido. Tentou defender essas coisas a seus próprios olhos e subitamente deu-se conta da fragilidade do que estava defendendo. Não havia o que defender. “Mas se é assim”, falou para si, “e se eu estou deixando essa vida consciente de que perdi tudo o que me foi dado e não há como remediar – então, qual o sentido?”
Ficou deitado e começou a repassar toda a sua vida mais uma vez – de manhã, quando viu primeiro o criado, depois a esposa, a filha e então o médico, cada movimento que fizeram confirmava para ele a terrível verdade. Durante a noite, olhando para eles podia ver a si mesmo – tudo aquilo por que vivera –, e viu claramente que estava tudo errado, uma horrível e monstruosa mentira camuflava a vida e a morte. A consciência disso aumentava o seu sofrimento dez vezes mais. Ele gemia e se debatia atirando para longe as roupas. Tinha a impressão de que elas o estavam a sufocar, odiou-as por isso. Deram-lhe uma dose grande de ópio e ele perdeu a consciência, mas na hora do jantar tudo começou outra vez. Mandou todos embora e debateu-se para tudo o que é lado. A esposa foi até ele e disse: “Jean, meu querido, faça isso por mim! Não vai fazer mal nenhum e muitas vezes ajuda. Não é por nada, entenda, mesmo as pessoas sãs, frequentemente...!”
Ele abriu os olhos. “O quê confessar-me? Para quê? Não é necessário.” Mas... Ela caiu em pranto. – “Por favor, meu querido. Vou chamar o nosso padre. Ele é um homem tão bom...!” – “Está bem!”
Quando o padre chegou e tomou a sua confissão, sentiu-se mais calmo e experimentou até uma espécie de alívio para as suas dúvidas e, consequentemente, as suas dores, e por um momento sentiu voltar-lhe a esperança. Novamente pensou no apêndice e na possibilidade de cura. Recebeu o sacramento com lágrimas nos olhos. Quando eles o deitaram novamente sentiu-se melhor por algum tempo e reacendeu-se a esperança de que pudesse viver. Começou a pensar na operação que lhe haviam sugerido fazer.
“Viver – eu quero viver!”, disse para si. A mulher veio felicitá-lo; disse-lhe as palavras habituais e acrescentou: "Sente-se melhor, não é verdade?" Sem olhar para ela, ele disse: sim. As roupas dela, a compleição dela, a expressão do rosto, o tom da voz - tudo lhe dizia a mesma coisa: "Não é o que devia ser. Tudo aquilo por que tu viveste e vives, é tudo mentira, engano, que esconde de ti a vida e a morte". E assim que pensou isto o seu ódio cresceu, e juntamente com o ódio os cruéis sofrimentos físicos e com os sofrimentos a consciência do fim inevitável e próximo. Havia qualquer coisa nova: uma sensação de aperto, pontadas de sufocação. A expressão do seu rosto quando disse "sim" era horrível. Depois de proferir esse "sim", olhando-a diretamente no rosto, voltou-se de bruços com uma rapidez invulgar para o seu estado de fraqueza, e gritou: "Vão-se embora, vão-se, deixem-me em paz!"
[...]
De súbito uma força desconhecida atingiu-o no peito e no flanco, oprimindo-lhe ainda mais a respiração, caiu no buraco e ali, no fundo do buraco, qualquer coisa começou a brilhar. Aconteceu-lhe aquilo que lhe costumava acontecer na carruagem do comboio, quando pensava que seguia para a frente e ia para trás, e de repente descobria a verdadeira direção.
"Sim, nada foi como devia ser", disse a si mesmo. "Mas não importa, isso pode fazer-se. Mas isso é o quê?" Perguntou a si mesmo e de repente sossegou. Isto foi no final do terceiro dia, uma hora antes da sua morte. Nesse mesmo momento o aluno do liceu entrou de mansinho no quarto do pai e aproximou-se da cama. O moribundo continuava a gritar desesperadamente e agitava os braços. A sua mão caiu na cabeça do rapaz, que a agarrou, a levou aos lábios e começou a chorar.
Nesse preciso momento Ivan Ilitch afundou-se, viu a luz e revelou-se-lhe que a sua vida não tinha sido o que devia ser, mas que isso ainda podia ser remediado. Perguntou a si mesmo: o que é então "isso", e ficou quieto, à escuta. E então sentiu que alguém lhe beijava a mão. Abriu os olhos e olhou para o filho. Sentiu pena dele. A mulher aproximou-se. Ele olhou-a. Ela olhava para ele com a boca aberta e lágrimas no nariz e na face, olhava-o com uma expressão de desespero. Sentiu pena dela.
"Sim, eu faço-os sofrer", pensou. "Têm pena, mas será melhor para eles quando eu morrer". Queria dizer isto, mas não tinha forças para falar. "De resto, para quê falar, é preciso fazer", pensou. Com o olhar indicou à mulher o filho e disse: "Leva-o daqui ...faz-lhe pena ... e a ti ...". Queria ainda dizer perdão mas disse permissão e, já incapaz de se corrigir, agitou a mão sabendo que seria entendido por aquele que o devia entender.
E de súbito tornou-se-lhe claro que aquilo que o afligia e não o largava lhe saía de repente tudo de uma vez, e por dois lados, por dez lados, por todos os lados. Tinha pena deles, era preciso agir de modo que não sofressem. Livrá-los a eles e a si mesmo daqueles sofrimentos. "Que bom e que simples", pensou. "E a dor?", perguntou a si mesmo. "Que é dela? Então, dor, onde estás tu?" Ficou atento. "Sim cá está ela. Pois bem, deixá-la doer. E a morte? Onde está ela?"
Procurava o seu habitual medo, o anterior medo da morte e não o encontrava. Onde está ela? Qual morte? Não tinha medo nenhum, porque também não havia morte. Em lugar da morte havia uma luz. "É então isto!", disse ele de súbito de viva voz: "Que alegria!" Para ele tudo aquilo aconteceu num curto instante, e o significado desse instante não mudou. Mas para aqueles que estavam presentes a agonia dele prolongou-se ainda por duas horas. Qualquer coisa fervilhava no peito dele; o seu corpo extenuado estremeceu. Depois o fervilhar e os estertores tornaram-se menos frequentes. Acabou-se! disse alguém por cima dele. Ele ouviu estas palavras e repetiu-as na sua alma. "Acabou-se a morte", disse a si mesmo. "Já não existe". Inspirou o ar, parou a meio de um suspiro, esticou-se e morreu.

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