quarta-feira, 15 de abril de 2020

O emaranhamento do mundo




Estas são imagens do tráfego aéreo no mundo, já depois de o Covid-19 (SARS-CoV-2) estar a viajar pelo mundo.

E esta imagem é de 13 de julho de 2018, em que cruzaram os céus mais de 200.000 aviões só num dia. Entre 1990 e 2015, o total mundial de chegadas de turistas internacionais (definidos como visitantes que ficam pelo menos uma noite) subiu de 440 milhões para 1,4 mil milhões de viajantes, sendo agora a China a maior fonte de viajantes. O total das viagens de passageiros disparou de cerca de 500 milhões em 1990 para mais de 3,2 mil milhões em 2015.

Viajar é o mais antigo impulso humano. Vejamos algumas narrativas históricas, a começar pelo tempo dos Descobrimentos, que foi o tempo também do Renascimento, em que um povo de um país pequeno, um dos mais velhos países do mundo com as suas fronteiras estáveis, se tornou grande ao desafiar o Adamastor na ponta sul de África, e o mundo se abriu para novas rotas marítimas nunca antes navegadas.

Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à China e ao Japão, 1514 e 1542 respectivamente. Só depois foram seguidos pelos holandeses, espanhóis e britânicos. É claro que o interesse estava nas trocas comerciais. Mas no caso do Japão, isso não consistiu em trocas directas entre o Japão e a Europa. O comércio realizava-se com entrepostos localizados na costa chinesa, como foi o caso de Macau, e em outros pontos do Sudeste Asiático.

Consta que quando os primeiros portugueses chegaram ao Japão em 1542, abateram patos com as suas armas de fogo, ainda muito rudimentares. Os observadores japoneses ficaram de tal modo impressionados que viriam a desenvolver sofregamente as próprias armas de fogo. Assim, em 1600, o Japão contava com mais e melhores armas do que qualquer outro país do mundo. Os primeiros missionários cristãos chegaram em 1549, e em 1600 o Japão tinha já 300.000 cristãos. Mas, entre 1636 e 1639, mandou crucificar milhares de cristãos japoneses, e cortou os laços com a maior parte dos europeus. O Cristianismo foi banido. E a maioria dos japoneses foi proibida de viajar para fora do país. Assim, até 1853, ano em que rebentou uma crise e que se intensificou com a Restauração Meiji de 1868, o contacto do Japão com o exterior foi limitado e sempre controlado pelo governo japonês.

Até à Restauração Meiji, o verdadeiro governante do Japão era o xogum, um ditador militar cujo poder era hereditário. À semelhança da Europa medieval, o Japão de 1853 era ainda uma sociedade hierárquica feudal, dividida em vários domínios, cada um controlado por um senhor chamado dámio, cujo poder ultrapassava o de um senhor medieval europeu, ainda assim precisava de autorização do xogum para casar, para mudar de residência ou para fazer obras. Portanto, os xoguns eram uma linhagem Tokugawa, que apesar de terem permanecido no poder muito tempo, criavam muitos problemas à urbanização e à classe mercantil em ascensão. O choque da sua queda só foi possível graças à chegada dos europeus. A 8 de julho de 1853, o comodoro Matthew Perry, a mando do presidente americano, entrou com a sua frota na baía Edo (baía de Tóquio) e entregou uma carta com exigências. E declarou que esperava uma resposta quando regressasse, no ano seguinte. Quando Perry regressou no ano seguinte, desta vez com uma frota de nove navios de guerra, o xogum assinou o primeiro tratado do Japão com um país ocidental.

Entre 1499 e 1559, enquanto as cidades mais urbanizadas de Itália se envolviam em conflitos armados, Lisboa e Sevilha quintuplicaram a sua população. A urbanização traz muitos benefícios, mas também traz novos riscos. No oriente, Constantinopla já havia sido conquistada pelos Otomanos em 1453. E Veneza, Florença e Roma haviam recebido milhares de gregos fugidos dos turcos. Mais uma crise, que em si é sempre um perigo e uma oportunidade. Em 1478, Fernando e Isabel de Espanha começaram a perseguir e a expulsar milhares de judeus e muçulmanos em nome da unidade nacional e da pureza católica. Os muçulmanos do norte de África, que haviam ocupado extensas zonas do sul da Península Ibérica, agora eram hóspedes indesejados na sua própria casa. O sultão otomano 
Bayezid II enviou a sua própria marinha para ajudar a transferir os judeus da Península Ibérica para o seu império, salientando mais tarde que a postura anti-imigração dos católicos havia empobrecido o país deles e enriquecido o seu.

E é a partir daqui que faço entrar de novo na cena da História os vírus. Com a chegada dos portugueses e espanhóis ao Novo Mundo, também levaram consigo vírus que os corpos dos indígenas desconheciam, como por exemplo o vírus da varíola. E devido a isso, mas não só, a mortandade de Sul-americanos nativos foi imensa.

Assim, no ano de 1600 foram transportados cerca de 400 mil africanos e postos ao serviço de cerca de 250 mil europeus nas suas colónias. Mas este empreendimento sinistro apenas começara, e viria a aumentar muito mais nos anos seguintes. Os escravos locais poderiam ter saído mais baratos, mas os vírus europeus já haviam feito o seu serviço. Entretanto, no norte da Europa estava a passar-se um novo cataclismo religioso, desta vez em resultado da Reforma de Lutero. A violenta divisão da Cristandade entre católicos e protestantes deu origem a uma migração em grande escala para a América do Norte.

Voltando de novo aos dias de hoje, até agora, globalmente, havia cerca de 17 milhões de pessoas a mudar de país todos os anos ao abrigo de várias categorias de vistos. E apesar do recrudescimento dos nacionalismos xenófobos, havia um consenso entre os economistas: os migrantes são uma fonte fundamental de inovação e de trabalho, logo, de riqueza. E isto prendia-se com um problema: o da demografia. Portugal é um dos cinco países do mundo com mais idosos, estando em primeiro lugar o Japão, seguido depois da Itália, Grécia e Finlândia. O índice de envelhecimento em Portugal, 2018 (número de idosos por cada 100 jovens) - era de 157,4. Note-se que em 1961 era de 27,5. Uma pessoa é idosa a partir dos 65 anos. O Japão, não é por acaso, quer passar a considerar idoso só depois dos 75 anos de idade, tendo em conta os ganhos na esperança de vida.



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