domingo, 8 de novembro de 2020

A América e o Mundo. E a Solidariedade Europa-América


Na crónica de hoje, António Barreto diz que: “A maior parte da esquerda europeia detesta a América e os americanos. Estes seriam imperialistas, arrogantes, sem sofisticação cultural, barulhentos, racistas e violentos. A maior parte da esquerda europeia detesta o liberalismo em geral, o americano em particular. A esquerda europeia considera-se sofisticada e culta, despreza o que acredita ser a rudeza americana, condena a brutalidade dos americanos e critica asperamente a alegada inclinação para a violência e a pornografia de metade da América e o fanatismo religioso e ignorante de outra metade.”

Ora, os EUA foram solidários com a Europa quando esta se meteu em sarilhos nas Duas Grandes Guerras, que alguns historiadores consideram que em bom rigor foi apenas uma com vinte anos de interregno. Até 1917, o conflito era um evento bastante lucrativo e benéfico para a economia norte-americana. No âmbito político, os Estados Unidos esperavam que a nação pudesse se fortalecer ainda mais ao possivelmente assumir a condição de intermediadora dos tratados de paz. Tais projeções mudariam de rumo no ano de 1917. 
Naquele ano, com o desenvolvimento da Revolução Russa, os Russos abandonaram a Tríplice Entente (designação francesa para designar a aliança militar entre o Reino Unido, a França e a Rússia. Na prática, havia consolidado os acordos bilaterais anteriores: a Aliança Franco-Russa,1891; a Entente Cordiale entre a França e o Reino Unido, 1904; e a Entente Anglo-Russa, 1907). Não confundir com a Tríplice Aliança, um acordo militar de 1882 entre o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, e o Reino da Itália, formando assim um grande bloco de países aliados no centro da Europa, em que cada uma das nações garantia apoio às demais no caso de algum ataque de duas ou mais potências sobre uma das partes. O objetivo principal era construir uma barreira político-militar que isolasse a França na Europa Ocidental. 

Para as potências centrais, a saída da Rússia da Tríplice Entente seria a oportunidade ideal para vencer o conflito. Não por acaso, os alemães puseram em ação um ousado plano de atacar as embarcações que fornecessem mantimentos e armas para o Reino Unido. Nesse contexto, navios norte-americanos foram alvejados pelos submarinos da Alemanha. Nesse momento a neutralidade norte-americana tornava-se insustentável por duas razões fundamentais. Primeiramente, porque a perda das embarcações representava uma clara provocação que exigia uma resposta mais incisiva do governo americano. Além disso, a saída dos Russos aumentava o risco de a Tríplice Entente ser derrotada e, consequentemente, de os banqueiros americanos não receberem as enormes quantias emprestadas aos países em guerra.

No dia 6 de abril de 1917, os Estados Unidos declararam guerra aos alemães e seus aliados. Um grande volume de soldados, tanques, navios e aviões de guerra foram utilizados para que a vitória fosse assegurada. Em pouco tempo, as tropas alemãs e austríacas foram derrotadas. Em 11 de novembro de 1918, o armistício de Compiègne acertou a retirada dos alemães e a rápida vitória da Tríplice Entente
Os principais signatários foram o Marechal Ferdinand Foch, comandante-em-chefe das forças da Tríplice Entente, e Matthias Erzberger, o representante alemão. Apesar do armistício ter acabado com as hostilidades na frente ocidental, foi necessário prolongar o armistício três vezes até que as negociações do Tratado de Versalhes fossem concluídas e formalizadas no dia 10 de Janeiro de 1920.

Durante trinta anos, foi moda prever o declínio iminente ou já em curso dos Estados Unidos. Isso é tão errado agora quanto foi no passado. O país mais bem-sucedido do planeta está prestes a se tornar autossuficiente em energia, continua a ser a potência económica, científica e militar capaz de engolir ainda todos os países da NATO juntos. A sua população não está velha como a da Europa e do Japão, e continua a ser o país mais apetecível, a primeira escolha de destino, para aquelas pessoas que esperam emigrar. Das vinte melhores universidades do mundo dezassete estão nos Estados Unidos.

A defesa dos países da União Europeia continua fundamentalmente a depender dos Estados Unidos, porque apesar do colapso da União Soviética em 1991, em decorrência da assombrosa incompetência económica da União Soviética, a ameaça Russa pode voltar. E na verdade os europeus continuam a meter pouco dinheiro na defesa, o que deixa os americanos aborrecidos por serem os seus impostos a subsidiar a defesa europeia. Apesar de a recente contrarreação da Rússia de Putin ser uma pedra no sapato dos Estados Unidos, não é uma séria ameaça ao domínio americano. Já o mesmo não se pode dizer da União Europeia. Em 2014, quando Obama descreveu a Rússia como “não mais que uma potência regional”, pode ter sido desnecessariamente provocador, mas não estava errado. E em 2016, Donald Trump, depois de se sentar na Casa Branca, não tardou a desferir o seu golpe de misericórdia sobre a União Europeia, cortando com toda essa aliança solidária ao ameaçar com o fim da Nato, ou então, os europeus tinham de se chegar à frente para a financiar. 

Os Estados Unidos estavam parcialmente por trás da mudança de governo ucraniano em 2014. Eles queriam ampliar a democracia no mundo e afastar a Ucrânia da influência russa, assim enfraquecendo o presidente Putin. Mas as coisas aqui não correram bem aos americanos, porque Washington sabe que durante a última década, enquanto os Estados Unidos estavam distraídos no Iraque e no Afeganistão, os Russos voltaram a tirar proveito dos países dantes chamados da "cortina de ferro". Com Putin, os Russos conseguiram manter sólidos pontos de apoio estratégicos em lugares como o Cazaquistão e a Geórgia, apoderando-se neste pais de algum território. Com atraso, e com certa relutância, os Americanos tentam reduzir as conquistas russas. Mas deu-se um golpe de teatro com o assédio do presidente Trump a Moscovo, a ponto de estabelecer uma relação pessoal com Putin, como se desconhecêssemos as grandes diferenças que separam os dois países.  

A famosa “viragem para a Ásia” dos Estados Unidos sob a administração Obama foi interpretada por alguns como o abandono da Europa; mas uma viragem para um lugar não significa obrigatoriamente o abandono de outro. A história do século XXI será escrita na Ásia e no Pacífico. Metade da população do mundo vive ali, e, caso se inclua a Índia, espera-se que a região responda por metade da produção económica global em 2050. Se a China bombardear um contratorpedeiro japonês e isso sugerir que ela poderia tomar outras medidas militares, a Marinha dos Estados Unidos talvez dispare tiros de advertência em direção à Marinha chinesa, ou até atire diretamente, para indicar que estão dispostos a entrar em guerra por causa do incidente. Do mesmo modo com a Coreia do Norte. Agora, do ponto de vista económico, os chineses estão a caminho de se colocarem a par dos americanos. E isso lhes vale muita influência no plano comercial e político, mas militarmente estão décadas atrás dos Estados Unidos, que passarão essas décadas tentando assegurar que a China continue assim. Seja como for, parece inevitável que o fosso entre estas duas superpotências se vá estreitando. 

No início de 2016, pela primeira vez a China pousou um avião numa das pistas que construiu nas ilhas artificiais do arquipélago das Spratly, no mar da China meridional. O Vietname e as Filipinas emitiram protestos formais, pois ambos reivindicam a área, e os Estados Unidos descreveram o movimento como ameaça à “estabilidade regional”. De alguma maneira eles devem assegurar aos seus aliados que estarão do lado deles e garantirão a liberdade de navegação em áreas internacionais, mas ao mesmo tempo sem chegar ao ponto de arrastar a China para um confronto militar. Mas a tensão em relação a Taiwan é grande, porque pelo tratado que os americanos têm com Taiwan, se os chineses invadirem o que consideram a sua 23ª província, os Estados Unidos entrarão em guerra. A China poderia então invadir Taiwan. Entretanto, não há nenhum sinal disso, e não parece que vá haver uma invasão chinesa. À medida que a China aumenta a sua demanda por petróleo e gás, os Estados Unidos diminuem. Isso terá um enorme impacto sobre suas relações exteriores, especialmente no Médio Oriente, com efeitos colaterais para outros países. Os Estados Unidos parecem destinados a se tornar não apenas autossuficientes em energia, mas exportadores de energia líquida. Isso significa que o seu foco em assegurar um fluxo de petróleo e gás a partir da região do Golfo diminuirá. Eles ainda terão interesses estratégicos ali, mas o foco não será tão intenso. Se a atenção americana decrescer, as nações do Golfo buscarão novas alianças. Um candidato será o Irão, outro será a China, mas isso só acontecerá quando os chineses tiverem construído a sua Marinha de Águas Azuis e, de maneira igualmente importante, estiverem preparados para utilizá-la. 
A política dos Estados Unidos em relação aos japoneses é convencê-los de que ambos compartilham interesses estratégicos quanto à China e garantir que sua base em Okinawa permaneça aberta. Os americanos ajudarão a Força de Autodefesa japonesa a ser um corpo robusto, mas ao mesmo tempo restringirão a capacidade militar de o Japão desafiar os Estados Unidos no Pacífico. 

Economicamente, os Estados Unidos também irão competir com a China pela influência sobre toda a América Latina – mas só em Cuba Washington usaria todos os recursos à sua disposição para assegurar o seu domínio na era pós-Castro/comunista. A proximidade de Cuba com a Flórida e a relação histórica (embora ambivalente) entre Cuba e Estados Unidos, combinadas com o pragmatismo chinês, deveriam ser suficientes para abrir caminho para que os Estados Unidos dominassem na nova Cuba. A visita histórica de Obama à ilha na primavera de 2016 ajudou muito a assegurar isso. Ele foi o primeiro presidente dos Estados Unidos em exercício a visitar Havana desde Calvin Coolidge, em 1928. O ex-líder Fidel Castro esbracejou sobre o acontecimento, e a imprensa controlada pelo Estado relatou com diligência comentários negativos, mas houve uma sensação de que isso foi só para manter o velho feliz; a decisão coletiva fora tomada, a nova era começara. O reinado Trump acabou por ter sido uma interrupção devido a uma avaria num programa que seguirá dentro de momentos. A política na América Latina será a de assegurar que o canal do Panamá permaneça aberto, sondar as taxas para passar através do proposto canal nicaraguense para o Pacífico e ficar de olho na ascensão do Brasil, caso ele comece a alimentar alguma ideia sobre sua influência no mar do Caribe. 

Em relação aos Árabes, a 5ª Frota americana não está prestes a se afastar de seu porto no Bahrein. Entretanto, se o fornecimento de energia da Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Catar não forem mais necessários para manter as luzes americanas acesas e os carros nas estradas, o público e o Congresso perguntarão porque se mantém lá os Estados Unidos da América? Se a resposta for “Para deter o Irão”, talvez não seja suficiente para calar o debate. Com as nações árabes engajadas no que pode ser uma luta de décadas com os islamitas armados, Washington dá a impressão de que abandonou a ideia otimista de estimular a emergência de democracias jeffersonianas. A relação estreita com Israel poderá arrefecer, embora devagar, à medida que os dados demográficos dos Estados Unidos se alteram. No Iraque, no Afeganistão e em outros lugares, os Estados Unidos subestimaram a mentalidade e a força de pequenas potências e tribos. A história da segurança física e da unidade dos próprios americanos pode tê-los levado a superestimar o poder de seu argumento racionalista democrático, que acredita que conciliação, trabalho árduo e mesmo eleições triunfariam sobre medos históricos profundamente arraigados e atávicos do “outro”, seja este “outro” sunita, xiita, curdo, árabe, muçulmano ou cristão. Eles supunham que as pessoas iam querer união, quando de facto muitas não ousam nem tentar, e preferem viver separadas por causa de experiências anteriores. Essa é uma constatação triste sobre a humanidade, mas ao longo de muitos períodos da história, e em muitos lugares, ela parece ser uma verdade lamentável. O resultado das ações americanas foi abrir novamente a velha caixa de Pandora, que para os observadores da diplomacia mais esclarecidos não se trata de ingenuidade, mas de ciência pragmática em relação aos interesses da nação americana. 

Em África, os Estados Unidos são apenas uma nação à procura da riqueza natural do continente. Aqui, no entanto, tem sido a China, pelo menos nas últimas três décadas, a encontrar a maior parte dessa riqueza. Como no Médio e Próximo Oriente, os Estados Unidos agora limitam-se a observar a luta islamita, tentando não se envolver. A ambição cabotina de os Estados Unidos para construir democracias no resto dos países que ainda não são democráticos, parece estar encerrada.

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