Todos nós passamos pela idade dos porquês. E qualquer pessoa que tenha brincado com crianças, deve-se lembrar do que estou a falar quando elas chegam aos 4 anos de idade. É o despertar de um deslumbramento ontológico que, felizmente para bem dos educadores, e da realidade na ordem natural das coisas, desaparece em pouco tempo. Penso que já todos ouvimos expressões usando palavras que exprimem conceitos contraditórios na mesma frase, como “silêncio ensurdecedor”, ou “ilustre desconhecido”, só para dar dois exemplos. Estas frases encerram um paradoxo vicioso que os técnicos da linguagem costumam chamar a esta figura de estilo de “oxímoro". Dado que o sentido literal de um oxímoro é absurdo, quem o usa, seja um retórico, um místico ou um poeta, força-nos a desprezar o literalismo e a abraçar a metáfora.
Relacionado com a antítese, o paradoxo é uma figura de pensamento que consiste em nos atrapalhar, tomando proposições falsas, à luz do senso comum, para nos estimular o sentido de verdades psicológicas. Quem são bons a fazer isto são os poetas. Foi o caso de Luís de Camões que utilizou esta figura de linguagem no seu famoso soneto, do qual extraí estes versos:
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
Na Epístola a Tito, do Apóstolo São Paulo, lê-se nos passos 12 e 13 do Capítulo 1, o seguinte:
12 Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas maldosas, ventres preguiçosos # 13 Esse testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé
Ora por aqui se vê a erudição de Paulo, pois esta história dos cretenses já fazia parte de exemplos do paradoxo do mentiroso que os filósofos gregos muito apreciavam fazer. Era o caso do Paradoxo de Epiménides, um poeta, filósofo ou místico que nasceu em Cnossos, na ilha de Creta, e que esteve em Atenas no tempo de Sólon. Sabemos do gosto dos gregos pela matemática por Platão. E isso para Platão era mais do que um gosto, era um compromisso com a verdade. E a matemática era verdadeira porque descrevia a realidade das coisas. Era por isso que Platão não gostava de Protágoras, que dizia que o homem era a medida de todas as coisas. Assim como não gostava de nenhum sofista, porque diziam, como dizem hoje os pós-modernistas, que não há verdades, tudo é relativo à mente dos indivíduos.
Jesus ressuscitado aparece e diz: “Ó homens loucos, lentos em acreditar no que os profetas disseram! Então não era necessário que Cristo sofresse tudo isto antes de ser glorificado?” E começando pelos livros de Moisés e por todos os Profetas, interpretou-lhes tudo o que acerca dele se dizia nas Escrituras. [Isto é Lucas em 24, 25-27]. Repare-se que Cristo apelou para as faculdades dos discípulos: “Então não era necessário?” Depois desvendou o significado dos textos colocando-os no contexto das profecias do Antigo Testamento. O significado tem a ver com o contexto. Um acontecimento só se torna significativo dentro de um contexto específico. E o processo explicativo fornece o palco da compreensão. Como podemos esperar compreender acontecimentos que se passaram há dois mil anos? A resposta a tal situação poderá ser: “O Novo Testamento não está dependente da sua cosmologia”.
Os gregos atribuíram a Hermes a descoberta da linguagem e da escrita, as ferramentas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das coisas e para o transmitir aos outros. A enunciação (interpretação) não pode, segundo Aristóteles confundir-se com a lógica, porque a lógica provém da comparação de juízos formulados. A enunciação é a formulação dos próprios juízos. Não é um processo de raciocínio que parte do conhecido para o desconhecido. A enunciação, ao procurar exprimir a verdade de algo tal como um juízo proposicional, inclui-se nas operações da mente mais altas e puras, na teoria mais do que na prática. Preocupa-se mais com a verdade e a falsidade do que com a utilidade.
Os paradoxos, no sentido técnico, são catástrofes do pensamento. Para outros nem tanto, ficando-se pela linguagem lógica, através da qual somos compelidos a retirar conclusões contraditórias. Os mais fáceis de explicar são os da variedade autorreferencial, seja uma palavra, uma frase, ou uma descrição que se refere a si própria. Se esta frase: "esta frase é falsa" for verdadeira, então a frase é falsa. Mas então se a frase: "esta frase é falsa" for falsa, será verdadeira.
A afirmação: “esta frase é falsa”, como qualquer afirmação ou é verdadeira ou é falsa. Então, se aquela afirmação for verdadeira: é falsa – dado ser isto o que diz; já se for falsa: é verdadeira – dado que vistas bem as coisas é isso o que diz. Logo, a frase: “esta frase é falsa” tem de ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa. E é assim que a nossa mente entra em curto-circuito, porque Aristóteles tinha-nos dito - Primeiros Analíticos, parte do conjunto organizado postumamente e conhecido por Organon - que não havia uma terceira hipótese: num silogismo a conclusão só podia ser verdadeira ou falsa. No entanto, Aristóteles generalizou demasiado quando afirmou que todo o raciocínio dedutivo é silogístico. Gottlob Fege (1848-1925), o maior lógico do século XIX, revelou uma variedade maior de argumentos dedutivos.
Bertrand Russell (1872-1970), com a descoberta do paradoxo que diz respeito ao "conjunto de todos os conjuntos que não são membros de si próprios", provocou um grande abalo nas fundações da matemática. E isso aplicou-se a Gottlob Fege. Os axiomas de Fege da teoria dos conjuntos que permitiam a formação do conjunto de todos os conjuntos que não eram membros de si próprios. Como este conjunto envolve uma contradição, havia algo de fundamentalmente errado no sistema de Frege. Não se pode ser e não ser membro de si próprio em simultâneo; ou, não se pode querer comer o bolo e ao mesmo tempo tê-lo na mão. Bertrand Russell em parceria com Alfred North Whitehead conceberam um novo sistema formal para expressar verdades aritméticas cujo trabalho foi publicado nos seus Principia Mathematica.
O empirismo tradicional, exemplificado pelas perspetivas do filósofo escocês David Hume (1711-1776), procurara delinear os limites do conhecimento. E para Hume, as questões que podiam ser respondidas por raciocínios a priori, como eram os raciocínios da matemática, não tinham importância ontológica. Eram meramente verdades conceptuais que não nos dizem nada acerca do que o mundo realmente é. Refletiam apenas relações abstratas entre conceitos. Hume chamou às proposições que pretendem descrever a natureza do mundo: “questões de facto e de existência”. De acordo com o empirismo tradicional, a verdade ou falsidade de quaisquer proposições que abranjam a natureza do mundo, só podem ser demonstradas por meios empíricos. A faculdade do raciocínio a priori, o meramente conceptual, pode dizer-nos como os nossos conceitos estão relacionados, mas não pode dizer-nos como é o mundo para além deles. Para o conhecimento do mundo precisamos de alguma maneira estabelecer contacto com os nossos sentidos: visão, audição, tato, olfato, gosto, e ainda o sentido da propriocepção, também denominado cinestesia, a capacidade para reconhecer a localização espacial do corpo, a sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão.
É claro que entre os platónicos e os pós-modernistas muito se filosofou, e para abreviar chegou a vez dos positivistas lógicos que se tronaram empiristas radicais ao fazer a purga na ciência de tudo o que cheirasse vagamente a metafísico ou místico. Se bem que não tenham conseguido de todo, pois um dos seus gurus – Wittgenstein – tresandava a místico que se fartava. Até Rudolf Carnap, o mais sóbrio dos positivistas, lhe dedica um estatuto próximo da devoção religiosa. Os positivistas lógicos transformaram a teoria empírica do conhecimento numa teoria do significado, em que os meios empíricos para descobrir a verdade de uma proposição também fornecem o próprio significado da proposição. A teoria do significado positivista é por isso muitas vezes designada por critério verificacionista do significado. O termo positivismo, estava há muito em circulação sempre associado a uma atitude pró-científica. O filósofo inglês, Alfred Jules Ayer, depois de vários meses em Viena, regressou ao seu país e escreveu o que tinha absorvido dos positivistas lógicos no seu extremamente influente e polémico “Linguagem, Verdade e Lógica”.
É claro que entre os platónicos e os pós-modernistas muito se filosofou, e para abreviar chegou a vez dos positivistas lógicos que se tronaram empiristas radicais ao fazer a purga na ciência de tudo o que cheirasse vagamente a metafísico ou místico. Se bem que não tenham conseguido de todo, pois um dos seus gurus – Wittgenstein – tresandava a místico que se fartava. Até Rudolf Carnap, o mais sóbrio dos positivistas, lhe dedica um estatuto próximo da devoção religiosa. Os positivistas lógicos transformaram a teoria empírica do conhecimento numa teoria do significado, em que os meios empíricos para descobrir a verdade de uma proposição também fornecem o próprio significado da proposição. A teoria do significado positivista é por isso muitas vezes designada por critério verificacionista do significado. O termo positivismo, estava há muito em circulação sempre associado a uma atitude pró-científica. O filósofo inglês, Alfred Jules Ayer, depois de vários meses em Viena, regressou ao seu país e escreveu o que tinha absorvido dos positivistas lógicos no seu extremamente influente e polémico “Linguagem, Verdade e Lógica”.
Russell e Whitehead chamaram às suas regras "teoria dos tipos". Mas o problema é que por trás das regras não existia nenhuma teoria verdadeira. Os seus apelos aos lógicos para que dessem a solução que impedisse a formação de conjuntos paradoxais, foi o que levou Wittgenstein a abandonar a engenharia aeronáutica e ir para Cambridge, para se juntar a Russell. Desse primeiro estágio resultou o célebre Tractatus, que Wittgenstein nessa altura ousou dizer que depois do Tractatus não havia mais nada a dizer, terminando assim:
6.54 - As minhas proposições são elucidativas pelo facto de que aquele que as compreende as reconhece afinal como falhas de sentido, quando por elas se elevou para lá delas. (Tem que por assim dizer, deitar fora a escada, depois de ter subido por ela). Tem que transcender estas proposições; depois vê o mundo a direito. Acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio.
Para terminar, apenas um pequeno apontamento a propósito de um dos patronos do pós-moderno: Martin Heidegger. Sartre, que mastigou Heidegger e bebeu de Husserl, escreveu que para que houvesse Negatividade, para que se pudesse negar o mundo, para se utilizar o conceito de Nada, tinha-se de interrogar o Ser. O Ser era a garantia para que o Nada fosse dado de algum modo. Para apreender esse tipo particular de realidade a que chamava Negatividade, tinha-se de entrar no cerne do Ser. E assim, Sartre teve de escrever mil páginas para o explicar. E depois passou isso a limpo com o título: O Ser e o Nada.
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