quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O Mar da China Meridional




O Mar da China Meridional ou Mar do Sul da China é um mar marginal, parte do Oceano Pacífico, que compreende a área que vai desde Singapura até ao estreito de Taiwan, num total de cerca de 3 500 000 km². As minúsculas ilhas do Mar da China Meridional formam um arquipélago de centenas de ilhotas.

Várias nações, em especial as Filipinas, levantam objeções ao nome Mar da China Meridional com o argumento de que ele implica a soberania chinesa sobre o mar, que é disputada por esses países. Algumas nomenclaturas usam a expressão "Mar do Sul da China" para se referir a esta parte asiática do Oceano Pacífico.

No verão de 2017 os chineses conduziram o porta-aviões Liaoning para o porto de Hong Kong acompanhado por dois contratorpedeiros de mísseis guiados, uma fragata de mísseis guiados e duas corvetas. A sua chegada foi calculada para honrar a visita do presidente Xi Jinping – mas pretendia ser também um lembrete para Hong Kong, e para o resto do mundo, sobre quem controla Hong Kong e quem pretende um dia controlar o Mar da China Meridional. Alguns meses antes, a China havia lançado o seu segundo porta-aviões. Ele estava pronto para a navegação, mas não para combate. Um terceiro porta-aviões deve ser lançado em 2021. É improvável que seja movido a energia nuclear e não terá a capacidade dos porta-aviões americanos; apesar disso, dará à China maior alcance e mais opções. Os jovens marinheiros que hoje se preparam no Liaoning - porta-aviões de segunda mão que a China recuperou de um ferro-velho ucraniano - serão aqueles que, se chegarem ao posto de almirante, talvez tenham aprendido o suficiente para saber como conduzir um grupo de porta-aviões de doze navios para o outro lado do mundo e voltar. Como algumas das mais ricas nações árabes compreenderam, não se encontram Forças Armadas eficientes disponíveis para venda.

Tendo passado 4 mil turbulentos anos a consolidar a sua massa territorial, a China agora está a desenvolver uma Marinha de Águas Azuis. A Marinha de Águas Verdes patrulha as costas marítimas, a Marinha de Águas Azuis patrulha os oceanos. A China levará mais trinta anos (mantendo-se constante a evolução econômica) para construir uma potência naval capaz de desafiar seriamente a força marítima mais poderosa que o mundo já viu: a Marinha Americana. Mas a médio e curto prazos, à medida que constrói, treina e aprende, a Marinha Chinesa entrará em choque com os seus rivais nos mares; e a forma como esses choques forem administrados – especialmente os sino-americanos – definirá a política das grandes potências no século XXI.

Pouco a pouco os chineses colocarão cada vez mais navios nos mares ao largo da sua costa e avançarão pelo Pacífico. A cada um que for lançado, menos espaço haverá para os americanos nos mares chineses. Os Estados Unidos sabem disso, e também sabem que os chineses estão a trabalhar arduamente para construir um sistema de mísseis baseado em terra para duplicar as razões pelas quais a Marinha Americana, ou a de qualquer dos seus aliados, um dia possa querer pensar seriamente em navegar pelo Mar da China Meridional. Ou, de facto, por qualquer outro "mar da China". O crescente poder de fogo da artilharia chinesa na costa, capaz de atingir navios a uma distância cada vez maior, permitirá à sua próspera Marinha aventurar-se cada vez mais longe do litoral, porque a frota se tornará menos vital para a defesa. Houve um indício disso em setembro de 2015, quando os chineses manobraram (legalmente) cinco navios pelas águas territoriais americanas ao largo da costa do Alasca. Não foi por coincidência que isso ocorreu pouco antes da visita do presidente Xi Jinping aos Estados Unidos. O estreito de Bering é a maneira mais rápida para os navios chineses chegarem ao Ártico, e os veremos em maior número ao largo da costa do Alasca nos próximos anos. Ao mesmo tempo, o projeto espacial chinês estará a observar cada movimento que os americanos e aliados fizerem.

Entre a China e o Pacífico encontra-se o arquipélago que Pequim chama de “Primeira Cadeia de Ilhas”. Há também a “Linha das Nove Raias”, mais recentemente transformada em dez raias, em 2013, para incluir Taiwan, que, segundo diz a China, marca o seu território. Essa disputa a propósito da propriedade de mais de duzentas pequeninas ilhas e recifes está minando a relação da China com seus vizinhos. O orgulho nacional diz que os chineses querem controlar as passagens através dessa cadeia; a geopolítica determina que deve fazê-lo. A cadeia fornece acesso às mais importantes vias de navegação do mundo no Mar da China Meridional. Em tempo de paz a rota está aberta em vários lugares, mas em tempo de guerra essas vias seriam facilmente bloqueadas, e com elas a China. Todas as grandes nações passam o tempo de paz a prepararem-se para o dia em que a guerra for deflagrada.

O Japão está também em disputa com a China por causa da cadeia de ilhas desabitadas chamadas de Senkaku e os chineses denominam-nas por Diaoyu, a nordeste de Taiwan. Essa é a mais contenciosa de todas as reivindicações territoriais entre os dois países. Se, em vez disso, os navios chineses passarem através – ou de facto partirem – do Mar da China Oriental, ao largo de Xangai, e seguirem em linha reta em direção ao Pacífico, terão de transpor as ilhas Ryukyu, que incluem Okinawa – onde há não somente uma enorme base militar americana, como também o maior número de mísseis anti navios que os japoneses conseguem reunir na extremidade da ilha. A mensagem de Tóquio é: “Sabemos que vocês estão indo para lá, mas não nos provoquem na saída.”

Abaixo de Okinawa está Taiwan, que se situa ao largo da costa chinesa e separa o Mar da China Oriental do Mar da China Meridional. A China afirma tratar-se da sua 23ª província, mas atualmente Taiwan é um Estado aliado dos Estados Unidos, com uma Marinha e uma Força Aérea armadas até aos dentes por Washington. A ilha foi submetida ao controlo chinês no século XVII, mas só foi governada pela China durante cinco anos no século passado entre 1945 e 1949. O nome oficial de Taiwan é República da China (RC), para diferenciá-la da República Popular da China, embora os dois lados acreditem que deveriam ter jurisdição sobre ambos os territórios. Isso é com que Pequim convive melhor, pois não declara que Taiwan é um Estado separado. Os americanos estão comprometidos a defender Taiwan no caso de invasão chinesa. No entanto, se Taiwan declarar completa independência da China, o que a China consideraria um ato de guerra, os Estados Unidos não estão obrigados a ir em sua ajuda, pois a declaração seria considerada uma provocação.

A partir do Mar da China Meridional os navios chineses rumam em direção ao Pacífico ou ao Índico, o canal do mundo para o gás e o petróleo sem os quais a China não funcionaria. Para seguir rumo a oeste, na direção dos Estados produtores de energia do Golfo, os chineses, antes do estreito de Malaca ainda têm de passar pelo Vietname, e perto das Filipinas, um aliado dos Estados Unidos. Aqui estão todos diplomática e militarmente vinculados aos Estados Unidos. O estreito de Malaca tem aproximadamente oitocentos quilómetros de comprimento, e no ponto mais estreito mede cerca de três quilómetros de largura, um ponto de estrangulamento a que os chineses são vulneráveis. Todos os Estados ao longo deste estreito estão sempre com muitas apreensões em relação ao domínio chinês, porque a maioria reivindica disputar territórios com Pequim.

A China reivindica quase todo o Mar da China Meridional, para além das reservas de energia que se acredita jazerem sob ele. Malásia, Taiwan, Vietname, Filipinas e Brunei também têm reivindicações territoriais não apenas entre a China, mas também entre si. Por exemplo, as Filipinas e a China discutem forte e feio por causa das ilhas Mischief, um grande recife nas ilhas Spratly, no Mar da China Meridional. A China precisa de proteger as rotas através do Mar da China Meridional, por onde, como já se disse, recebe matérias primas do Ocidente e as devolve manufaturadas. Daí estar fora de questão qualquer ideia de bloqueio, independentemente de outras vias que Pequim possa gizar. 

Diplomaticamente, a China tentará afastar as nações do Sudeste Asiático, e os Estados Unidos, valendo-se seja de recompensas, seja de penalizações. Muita recompensa, e os países se prenderão ainda mais estreitamente a tratados de defesa com Washington; penalizações em excesso, e eles podem não se curvar à vontade de Pequim. No momento, eles ainda olham para o outro lado do Pacífico em busca de proteção. Os mapas da região que os chineses imprimem agora mostram quase todo o Mar da China Meridional pertencente à China. Uma declaração de intenção oficial, sustentada por patrulhas navais agressivas. Pequim pretende mudar o modo de pensar dos seus vizinhos, e é cada vez mais notório em relação aos Estados Unidos. Por outro lado, está em jogo aqui o conceito de águas internacionais e passagem livre em tempo de paz, algo de que as outras potências não irão abrir mão facilmente. Com isso em mente, os britânicos anunciaram no verão de 2017 que uma das primeiras missões a serem realizadas pelos seus dois novos porta-aviões seria uma operação de “liberdade de navegação” através do Mar da China Meridional. Pequim viu com maus olhos o que considerava um ato de provocação, e deve-se observar que os britânicos não especificaram quando poderiam dar início à operação.

Pelo exposto se vê como o Mar da China Meridional é para a China no século XXI, como foi o Mar das Caraíbas para os Estados Unidos no início do século XX. Os americanos, tendo consolidado a sua massa territorial, haviam-se tornado uma potência com dois oceanos (Atlântico e Pacífico), e em seguida trataram de controlar os mares à sua volta, expulsando os espanhóis de Cuba. Os chineses também pretendem se tornar uma potência com dois oceanos (Pacífico e Índico). Para conseguir isso, a China está investindo em portos de águas profundas em Mianmar, Bangladesh, Paquistão e Sri Lanka – um investimento que lhe vale boas relações, o potencial de que a sua futura Marinha venha a ter bases amigas para visitar ou em que residir e vínculos comerciais em casa. Os portos do oceano Índico e da baía de Bengala são parte de um plano ainda maior para assegurar o futuro da China. O seu arrendamento no novo porto de águas profundas em Gwadar, no Paquistão, será fundamental (se a região paquistanesa do Baluchistão for estável o suficiente) para criar uma rota terrestre alternativa até a China. A partir da costa oeste de Mianmar, os chineses construíram ductos de gás natural e petróleo que vão da baía de Bengala até ao sudoeste da China.

Quando a Junta de Mianmar começou a se abrir lentamente para o mundo exterior, em 2010, não foram apenas os chineses que correram a se relacionar com eles. Os americanos e os japoneses apressaram-se a estabelecer relações ainda melhores. Tanto o ex-presidente Obama, como o primeiro-ministro Shinzo Abe, do Japão, foram pessoalmente fazer visitas de cortesia ao país. O governo Trump disse depois que não queria envolver-se em aventuras no exterior, mas o jogo em Mianmar não é uma aventura, mas uma estratégia de longo alcance e a longo prazo. Se os Estados Unidos conseguirem influenciar Mianmar, isso poderá ajudar a refrear a China. Até agora os chineses estão vencendo esse jogo específico no tabuleiro global, mas os americanos talvez sejam capazes de derrotá-los, contanto que o governo de Mianmar esteja confiante de que Washington o apoiará.

Empresas e trabalhadores chineses estão espalhados por todo o mundo; pouco a pouco as Forças Armadas da China os seguirão. Com um grande poder vem uma grande responsabilidade. A China não deixará que as vias marítimas em sua vizinhança sejam policiadas pelos americanos. Se puder evitar um conflito sério com o Japão ou os Estados Unidos, o único perigo real para a China é ela mesma. Uma grande depressão como a dos anos 1930 poderia atrasar o país por décadas. A China apostou tudo na economia global. Se nós não comprarmos, eles não fabricarão. E se eles não fabricarem, haverá desemprego em massa. Se houver desemprego em massa e prolongado, numa era em que os chineses são um povo apinhado em áreas urbanas, a inevitável inquietação social poderia assumir – como todas as outras coisas na China moderna – uma escalada nunca vista até hoje.

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