quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Perturbação Dissociativa de Identidade


A Perturbação Dissociativa de Identidade (PDI), a entidade clínica mais complexa do espetro dissociativo, antigamente designada por Distúrbio de Personalidade Múltipla, caracteriza-se por a pessoa apresentar duas ou mais identidades. Foi Eberhardt Gmelin, que pela primeira vez, em 1791, apesentou esta entidade como perturbação mental, acreditando que era causada por abuso sexual durante a infância, e que podia ser curada integrando as subpersonalidades na principal. É uma fragmentação da identidade em duas ou mais personalidades, uma falha integrativa que compromete a unificação do Eu, da consciência de Si, e da memória. Assim, instala-se a desconexão do próprio em relação a Si, e também em relação aos outros e ao mundo. A mudança de personalidade, ou a troca entre partes da identidade, pode ocorrer em resposta a picos de stress emocional. O que interessa nesta análise são os casos patológicos, classificados como crónicos e severos.

O DSM-IV-TR - define Perturbação Dissociativa de Identidade segundo quatro critérios de diagnóstico: Presença de duas ou mais identidades, ou vários estados de personalidade cada qual com o seu próprio padrão; pelo menos duas destas identidades ou estados de personalidade tomam o controlo do comportamento do sujeito, de forma recorrente; incapacidade para recordar informação pessoal importante que não se enquadra no vulgar esquecimento; e não é devida primariamente a causas orgânicas ou aos efeitos fisiológicos de uma qualquer toxicodependência. 

Com o DSM-V (2013) um novo olhar sobre as Perturbações Dissociativas, inclusive a Perturbação Dissociativa da Identidade, impôs-se com a distinção dos sintomas derivados de intrusões espontâneas na consciência e no comportamento, acompanhadas por perdas de continuidade na experiência subjetiva; da incapacidade de acesso a informação ou controlo das funções mentais que normalmente são passíveis de acesso e controlo.  
A perturbação de identidade é caracterizada por dois ou mais estados de personalidade distintos. A variação nos estados de identidade com clivagem na sensação do Si, acompanhado por alterações no comportamento afetivo, consciência, memória, perceção e cognição. Estes sinais podem ser observados por outros ou reportados pelo próprio. A outra vertente tem a ver com falhas recorrentes na recordação de eventos diários, informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos. Os sintomas dissociativos causam um sofrimento clinicamente significativo, influenciando negativamente toda a atividade performativa do indivíduo, incluindo a profissional. A perturbação não é uma parte normal de alguma prática cultural ou religiosa que seja amplamente aceite. 

A Perturbação Dissociativa de Identidade resulta da exposição sucessiva a experiências traumáticas precoces, o que pode perturbar a unificação da identidade através da criação de estados mentais e comportamentais. É neste contexto de trauma severo e stress crónico durante o período da infância que são desenvolvidos os sintomas dissociativos, inclusive profundas perturbações de vinculação. O desaparecimento súbito e inesperado de casa, ou do local de trabalho, acompanhado pela incapacidade de recordação e de informação acerca da sua pessoa é um quadro típico. Por exemplo, o indivíduo anda desparecido uma série de dias, e um certo dia vê-se a acordar numa praia sem se recordar como foi ali parar. É um sintoma praticamente exclusivo da Perturbação Dissociativa de Identidade. A despersonalização remete para experiências irreais ou de desligamento da mente, do corpo e do self.

De um ponto de vista fenomenológico, os sintomas podem dividir-se em sintomas psíquicos e somáticos. Os sintomas psíquicos referem-se às alterações de memória, de conhecimentos, da identidade e da perceção alterada referente ao ambiente. Os sintomas corporais são, por exemplo, a anestesia, a paralisia e tiques nervosos. Recentemente, as perturbações dissociativas começaram a despertar mais interesse na área das neurociências, o que proporcionou mais conhecimento novo sobre os mecanismos neurobiológicos. Os estudos imagiológicos ocupam um lugar importante. Através da Ressonância Mgnética funcional, e da Tomografia de Emissão de Positrões encontraram-se alterações significativas entre os diferentes estados de identidade das pessoas com o diagnóstico prévio de Perturbação Dissociativa de Identidade. Existe a formação de novas redes neuronais promovidas por neuromediadores específicos. Williams, Haines e Sale (2003) demonstraram, através de medidas fisiológicas, que os fenómenos dissociativos protegem o indivíduo das memórias traumáticas, e da angústia associada. Num estudo de caso, com autorrelatos e recriação dos eventos traumáticos, acompanhados por medições da frequência cardíaca, observou-se uma redução do batimento cardíaco com a revivência das memórias traumáticas mais intensas. 

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