Até à era de Trump e de Xi Jinping pensava-se que as sociedades que têm um sistema de responsabilização política prevaleceriam sobre as que não o têm. A responsabilização política oferecia uma via pacífica em direção à adaptação institucional. Mas agora muita gente, que tem por profissão pensar a Política, vacila. Um sistema autoritário pode periodicamente sobrepor-se a um sistema liberal democrático caso disponha de uma boa liderança, uma vez que pode tomar decisões rápidas sem se ver limitado por desafios legais ou por disposições legislativas contrárias. Parece ser esse o caso da China com Xi Jinping, um sistema que perdurará enquanto se mantiver o constante crescimento de bem-estar económico da sociedade. O que até agora, desde Deng Xiaoping, tem sido o caso da China. Por outro lado, os Estados Unidos da América, uma das mais sólidas e prósperas democracias do último século em todo o mundo, sob o controlo de um mau Presidente pode ter um desenlace desastroso no que respeita ao núcleo central dos valores que deram fundamento à Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas.
As instituições surgem por razões que parecem em retrospetiva historicamente acidentais. Mas algumas sobrevivem e espalham-se porque vão ao encontro de necessidades que são de certa forma universais. Se as instituições não forem capazes de se adaptar, a sociedade enfrentará crises e o colapso poderá ocorrer. Isto não é menos verdade para a democracia liberal do que é para um sistema político não-democrático. Sejam quais forem as razões que tenham sido favoráveis à Democracia na Europa, a verdade é que foi na Europa que se deram as condições ambientais e sociais para o vigor de um Estado de Direito. A partir do momento em que emergiu uma combinação aparentemente acidental de acontecimentos, o tipo de governação constitucional gerou um sistema político e económico de tal forma poderoso que veio a ser amplamente difundido em todo o mundo. A doutrina do reconhecimento universal em que se baseia a democracia liberal, aponta para as primeiras fases do desenvolvimento político em que as sociedades eram mais igualitárias e abertas à participação de todos os que faziam parte do agregado.
O fracasso da democracia em consolidar-se em diversas partes do globo pode dever-se menos ao poder de atração da ideia propriamente dita, do que à ausência das condições materiais e sociais que tornam possível a emergência inicial da responsabilização governamental. Ou seja, uma democracia liberal de sucesso exige tanto um Estado que seja forte, unificado e capaz de aplicar as leis no seu próprio território, como uma sociedade que seja forte, coesa e capaz de impor ao Estado a responsabilização ou prestação de contas. É o equilíbrio entre um Estado forte e uma Sociedade forte que faz funcionar a democracia.
Há quem defenda que uma sociedade civil altamente desenvolvida também pode apresentar riscos para a democracia. A mobilização social pode conduzir ao declínio político. Os grupos baseados no chauvinismo étnico ou racial difundem a intolerância; os grupos de interesses podem investir os seus esforços na busca de rendas, gerando um jogo de soma nula; a excessiva politização da economia e do conflito social pode paralisar as sociedades e enfraquecer a legitimidade das instituições democráticas.
Na China, a partir de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, as políticas de abertura económica estimularam um rápido crescimento económico durante os anos seguintes, levando a uma enorme transformação social à medida que milhões de camponeses abandonavam os campos para obter empregos industriais nas cidades. O crescimento económico, apesar de ter criado uma nascente sociedade civil, nem por isso deu para desestabilizar o regime político de sistema comunista. Pelo contrário, parece ter reforçado a legitimação do Estado Chinês. Isto quer dizer que não se viu que tenha havido algum exercício significativo de pressão para a abertura democrática, se excetuarmos o caso muito particular de Hong Kong. De resto, o crescimento levou a alguma melhoria ao nível do primado do Direito devido às exigências de padrões legais impostos pela Organização Mundial do Comércio. Assim, prevalece a dúvida sobre a grande questão, se a enorme mobilização social gerada pela aceleração do desenvolvimento tecnológico irá um dia dar lugar a uma maior participação política, e consequente abertura a valores pelo menos semelhantes aos valores democráticos clássicos.
Veja-se o exemplo da Coreia do Sul. A industrialização da Coreia do Sul transformou o país, que passou de uma economia agrícola estagnada a uma grande potência industrial no espaço de uma geração, desencadeando a mobilização social de novas forças – sindicatos, grupos religiosos, estudantes universitários e outros atores da sociedade civil que não existiam na Coreia tradicional. Após a deslegitimação do governo militar do general Chun Doo-Wwan, devida ao massacre de Kwangju em 1980, estes novos grupos sociais desencadearam uma agitação para afastar os militares do poder. Com algum gentil incentivo por parte do seu aliado, os Estados Unidos, isto ocorreu em 1987, quando foram anunciadas as primeiras eleições presidenciais democráticas. Tanto o rápido crescimento económico do país como a sua transição para a democracia contribuíram para reforçar a legitimidade do regime, a qual por sua vez ajudou, entre outras coisas, a reforçar a sua capacidade de lidar com a grave crise financeira asiática de 1997-1998. Finalmente, tanto o crescimento económico como o advento da democracia ajudaram a reforçar o primado do Direito na Coreia.
Na Europa e na América, o primado do Direito já existia antes da consolidação do Estado e, em Inglaterra e nos Estados Unidos, a industrialização e o crescimento económico foram precedidos por uma espécie de responsabilização democrática. Karl Marx, Émile Durkheim, Ferdinand Tönnies e Max Weber procuraram analisar as enormes transformações ocorridas na sociedade europeia em consequência da industrialização. Embora nem todos tivessem as mesmas perspetivas sobre o assunto, tendiam a considerar que a modernização era um processo único: incluía o desenvolvimento de uma economia capitalista de mercado e uma consequente divisão do trabalho em grande escala; a emergência de fortes Estados burocráticos centralizados; a passagem de comunidades agrícolas fortemente interligadas a comunidades urbanas impessoais; e a transição de relações sociais comunitárias para relações sociais individualistas. Todos estes elementos se juntaram no Manifesto Comunista de Marx e Engels, em que a burguesia em ascensão afetava tudo, desde as condições laborais, até à competição global.
Talcott Parsons, à frente do departamento de Harvard, e que era protegido de Max Weber, procurou criar uma ciência social interdisciplinar integrada que combinasse economia, sociologia, ciência política e antropologia. O desenvolvimento económico ao promover níveis de instrução mais elevados, proporcionaria mudanças que por sua vez promoveria a política moderna. No entanto, as coisas boas da modernidade não estariam necessariamente interrelacionadas. A democracia, em particular, nem sempre conduzia à estabilidade política. Foi este o caso da Turquia, Coreia do Sul, Taiwan e Indonésia, que se modernizaram economicamente sob governantes autoritários e só depois abriram os seus sistemas políticos à contestação democrática.
O mundo mudou dramaticamente a partir dos primeiros anos do século XIX, mais ou menos, com o advento da Revolução Industrial. Antes disso, o crescimento económico na forma do aumento contínuo da produtividade assente na mudança tecnológica não podia ser dado como garantido. Na verdade, mal existia. As razões para o enorme aumento da produtividade após 1800 têm estado constantemente no centro dos estudos sobre o crescimento. Relacionam-se com transformações ao nível do ambiente intelectual que promoveram a emergência das ciências naturais modernas, com a aplicação da ciência e da tecnologia à produção, com o desenvolvimento de técnicas como a contabilidade e de instituições de apoio como a lei de patentes e direitos de autor, que permitiram e encorajaram inovações constantes.
Este mundo de produtividade reduzida foi celebremente analisado pelo clérigo inglês Thomas Malthus, cujo Ensaio sobre o Princípio da População foi inicialmente publicado em 1798, quando o autor tinha 32 anos. Malthus, que havia nascido numa família de oito irmãos, considerava que, enquanto a população crescia a um ritmo geométrico (presumindo um nível total de fertilidade «natural» de 15 filhos por mulher), a produção alimentar crescia a um nível meramente aritmético, implicando o declínio tendencial da produção alimentar por pessoa. Malthus aceitava a possibilidade de existirem aumentos da produtividade agrícola, mas não os considerava suficientes para manter o ritmo de crescimento populacional a longo prazo. Havia alguns limites ao crescimento populacional, os tais males que “vêm por bem” que costumavam no final resolver o problema da sobrepopulação humana: fome, doença e guerra. Mas a Revolução Industrial veio desmentir o modelo malthusiano. O crescimento populacional não era em si mesmo uma coisa má. Além do mais, não existe uma correlação direta entre a quantidade de alimentos disponíveis e a mortalidade, exceto durante os períodos de fome extrema; a doença foi historicamente muito mais importante do que a fome enquanto limite à população.
Os danos ambientais não são algo de novo nas sociedades humanas, ainda que a sua escala atual não tenha precedentes. As sociedades passadas exterminaram fauna de grande porte, erodiram solos e alteraram microclimas locais. Com estas modificações o modelo malthusiano oferece um bom enquadramento para a compreensão do desenvolvimento económico anterior à Revolução Industrial. A população global expandiu-se dramaticamente ao longo dos últimos 10 000 anos, passando de cerca de seis milhões de indivíduos à escala mundial no início do período neolítico para mais de sete mil milhões agora.
A Nigéria recebeu mais de 300 mil milhões de dólares norte-americanos em receitas provenientes do petróleo e, contudo, o seu rendimento per capita diminuiu nos anos situados entre 1975 e 1995. Pelo contrário, a Coreia do Sul cresceu a ritmos oscilantes entre os 7% e os 9% ao ano durante o mesmo período, ao ponto de se ter tornado a décima segunda maior economia do mundo na altura da crise financeira asiática de 1997. A razão para esta diferença de desempenho pode ser praticamente toda atribuída ao governo da Coreia do Sul, muito superior ao da Nigéria. Diz-se que a boa governação é o produto do crescimento económico e não a sua causa. Existe aqui alguma lógica: o governo custa dinheiro. Uma das razões pelas quais existe tanta corrupção nos países pobres é que eles não conseguem pagar aos seus funcionários públicos salários adequados para que estes sustentem as suas famílias, pelo que estes se tornam propensos a aceitar subornos. No entanto, há literatura académica contraditória: uma em que o primado do Direito é por vezes considerado um componente da governação; e outra como se fosse uma dimensão separada do desenvolvimento.
Os aspetos fundamentais do primado do Direito que estão relacionados com o crescimento são os direitos de propriedade e a aplicação dos contratos. Existe uma vasta literatura que demonstra a existência desta correlação. A maioria dos economistas toma-a por garantida, apesar de a necessidade de direitos de propriedade iguais e universais para que isso aconteça não ser clara. Em muitas sociedades, os direitos de propriedade estáveis existem apenas para certas elites, e isso é suficiente para gerar crescimento, pelo menos durante algum tempo. Para além disso, sociedades como a China contemporânea, com direitos de propriedade razoáveis, mas sem um tradicional primado do Direito, conseguem em todo o caso atingir níveis de crescimento muito elevados.
A mobilização social é uma forma importante de romper com os estados disfuncionais representados pelas elites tradicionais encerradas em coligações rentistas. O rei da Dinamarca pôde enfraquecer o poder da aristocracia instalada durante a década de 1780 devido à emergência de um campesinato instruído e bem organizado – uma novidade na história mundial, que até então havia conhecido apenas revoltas camponesas caóticas e desorganizadas. Tratando-se de uma sociedade pré-industrial, a fonte desta mobilização foi religiosa, assumindo a forma específica da Reforma Protestante e da sua insistência na literacia universal. Em última instância, as sociedades não estão aprisionadas nos seus passados históricos. O crescimento económico, a mobilização de novos atores sociais, a integração das sociedades através das fronteiras e a prevalência da competição e de modelos estrangeiros, tudo isso oferece pontos de entrada para uma mudança política que, ou não existia, ou existia de uma forma muito atenuada, antes da Revolução Industrial.
E, contudo, as sociedades não são simplesmente livres de se refazerem a si próprias em qualquer geração. É fácil exagerar o grau em que a globalização integrou efetivamente as sociedades pelo mundo fora. Ainda que os níveis de interação social e de aprendizagem sejam muito superiores ao que eram há 300 anos, a maioria das pessoas continua a viver num horizonte moldado sobretudo pelos seus próprios hábitos e cultura tradicionais. A inércia das sociedades continua a ser elevada; embora os modelos institucionais estrangeiros estejam agora muito mais disponíveis do que estavam, ainda têm de ser sobrepostos a modelos indígenas.
O que vem a seguir, em termos prospetivos, depende do que acontecer na China. A China está atualmente a crescer rapidamente tendo apenas um Estado forte. Poderá a China continuar a crescer economicamente e a manter a estabilidade política sem possuir nem um primado do Direito nem um sistema de responsabilização? Poderá a mobilização social desencadeada pelo crescimento ser contida por um Estado autoritário impositivo ou conduzirá ela à imparável exigência de responsabilização democrática? Uma sociedade que é bem-sucedida num determinado momento histórico não permanecerá necessariamente bem-sucedida, devido ao fenómeno do declínio político. Ainda que a democracia liberal possa ser considerada a forma mais legítima de governo, a sua legitimidade está condicionada pelo seu desempenho. Esse desempenho depende, por sua vez, da capacidade de manter um equilíbrio apropriado entre uma ação estatal forte, quando necessária, e o tipo de liberdades individuais que estão na base da sua legitimidade democrática e que fomentam o crescimento do setor privado. As democracias modernas manifestam vários tipos de incapacidades, mas o dominante neste século XXI é provavelmente a fragilidade do Estado: as democracias contemporâneas tornam-se demasiado facilmente rígidas e bloqueadas e, portanto, incapazes de tomar decisões difíceis para assegurar a sua sobrevivência política e económica a longo prazo.
O fracasso da democracia em consolidar-se em diversas partes do globo pode dever-se menos ao poder de atração da ideia propriamente dita, do que à ausência das condições materiais e sociais que tornam possível a emergência inicial da responsabilização governamental. Ou seja, uma democracia liberal de sucesso exige tanto um Estado que seja forte, unificado e capaz de aplicar as leis no seu próprio território, como uma sociedade que seja forte, coesa e capaz de impor ao Estado a responsabilização ou prestação de contas. É o equilíbrio entre um Estado forte e uma Sociedade forte que faz funcionar a democracia.
Há quem defenda que uma sociedade civil altamente desenvolvida também pode apresentar riscos para a democracia. A mobilização social pode conduzir ao declínio político. Os grupos baseados no chauvinismo étnico ou racial difundem a intolerância; os grupos de interesses podem investir os seus esforços na busca de rendas, gerando um jogo de soma nula; a excessiva politização da economia e do conflito social pode paralisar as sociedades e enfraquecer a legitimidade das instituições democráticas.
Na China, a partir de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, as políticas de abertura económica estimularam um rápido crescimento económico durante os anos seguintes, levando a uma enorme transformação social à medida que milhões de camponeses abandonavam os campos para obter empregos industriais nas cidades. O crescimento económico, apesar de ter criado uma nascente sociedade civil, nem por isso deu para desestabilizar o regime político de sistema comunista. Pelo contrário, parece ter reforçado a legitimação do Estado Chinês. Isto quer dizer que não se viu que tenha havido algum exercício significativo de pressão para a abertura democrática, se excetuarmos o caso muito particular de Hong Kong. De resto, o crescimento levou a alguma melhoria ao nível do primado do Direito devido às exigências de padrões legais impostos pela Organização Mundial do Comércio. Assim, prevalece a dúvida sobre a grande questão, se a enorme mobilização social gerada pela aceleração do desenvolvimento tecnológico irá um dia dar lugar a uma maior participação política, e consequente abertura a valores pelo menos semelhantes aos valores democráticos clássicos.
Veja-se o exemplo da Coreia do Sul. A industrialização da Coreia do Sul transformou o país, que passou de uma economia agrícola estagnada a uma grande potência industrial no espaço de uma geração, desencadeando a mobilização social de novas forças – sindicatos, grupos religiosos, estudantes universitários e outros atores da sociedade civil que não existiam na Coreia tradicional. Após a deslegitimação do governo militar do general Chun Doo-Wwan, devida ao massacre de Kwangju em 1980, estes novos grupos sociais desencadearam uma agitação para afastar os militares do poder. Com algum gentil incentivo por parte do seu aliado, os Estados Unidos, isto ocorreu em 1987, quando foram anunciadas as primeiras eleições presidenciais democráticas. Tanto o rápido crescimento económico do país como a sua transição para a democracia contribuíram para reforçar a legitimidade do regime, a qual por sua vez ajudou, entre outras coisas, a reforçar a sua capacidade de lidar com a grave crise financeira asiática de 1997-1998. Finalmente, tanto o crescimento económico como o advento da democracia ajudaram a reforçar o primado do Direito na Coreia.
Na Europa e na América, o primado do Direito já existia antes da consolidação do Estado e, em Inglaterra e nos Estados Unidos, a industrialização e o crescimento económico foram precedidos por uma espécie de responsabilização democrática. Karl Marx, Émile Durkheim, Ferdinand Tönnies e Max Weber procuraram analisar as enormes transformações ocorridas na sociedade europeia em consequência da industrialização. Embora nem todos tivessem as mesmas perspetivas sobre o assunto, tendiam a considerar que a modernização era um processo único: incluía o desenvolvimento de uma economia capitalista de mercado e uma consequente divisão do trabalho em grande escala; a emergência de fortes Estados burocráticos centralizados; a passagem de comunidades agrícolas fortemente interligadas a comunidades urbanas impessoais; e a transição de relações sociais comunitárias para relações sociais individualistas. Todos estes elementos se juntaram no Manifesto Comunista de Marx e Engels, em que a burguesia em ascensão afetava tudo, desde as condições laborais, até à competição global.
Talcott Parsons, à frente do departamento de Harvard, e que era protegido de Max Weber, procurou criar uma ciência social interdisciplinar integrada que combinasse economia, sociologia, ciência política e antropologia. O desenvolvimento económico ao promover níveis de instrução mais elevados, proporcionaria mudanças que por sua vez promoveria a política moderna. No entanto, as coisas boas da modernidade não estariam necessariamente interrelacionadas. A democracia, em particular, nem sempre conduzia à estabilidade política. Foi este o caso da Turquia, Coreia do Sul, Taiwan e Indonésia, que se modernizaram economicamente sob governantes autoritários e só depois abriram os seus sistemas políticos à contestação democrática.
O mundo mudou dramaticamente a partir dos primeiros anos do século XIX, mais ou menos, com o advento da Revolução Industrial. Antes disso, o crescimento económico na forma do aumento contínuo da produtividade assente na mudança tecnológica não podia ser dado como garantido. Na verdade, mal existia. As razões para o enorme aumento da produtividade após 1800 têm estado constantemente no centro dos estudos sobre o crescimento. Relacionam-se com transformações ao nível do ambiente intelectual que promoveram a emergência das ciências naturais modernas, com a aplicação da ciência e da tecnologia à produção, com o desenvolvimento de técnicas como a contabilidade e de instituições de apoio como a lei de patentes e direitos de autor, que permitiram e encorajaram inovações constantes.
Este mundo de produtividade reduzida foi celebremente analisado pelo clérigo inglês Thomas Malthus, cujo Ensaio sobre o Princípio da População foi inicialmente publicado em 1798, quando o autor tinha 32 anos. Malthus, que havia nascido numa família de oito irmãos, considerava que, enquanto a população crescia a um ritmo geométrico (presumindo um nível total de fertilidade «natural» de 15 filhos por mulher), a produção alimentar crescia a um nível meramente aritmético, implicando o declínio tendencial da produção alimentar por pessoa. Malthus aceitava a possibilidade de existirem aumentos da produtividade agrícola, mas não os considerava suficientes para manter o ritmo de crescimento populacional a longo prazo. Havia alguns limites ao crescimento populacional, os tais males que “vêm por bem” que costumavam no final resolver o problema da sobrepopulação humana: fome, doença e guerra. Mas a Revolução Industrial veio desmentir o modelo malthusiano. O crescimento populacional não era em si mesmo uma coisa má. Além do mais, não existe uma correlação direta entre a quantidade de alimentos disponíveis e a mortalidade, exceto durante os períodos de fome extrema; a doença foi historicamente muito mais importante do que a fome enquanto limite à população.
Os danos ambientais não são algo de novo nas sociedades humanas, ainda que a sua escala atual não tenha precedentes. As sociedades passadas exterminaram fauna de grande porte, erodiram solos e alteraram microclimas locais. Com estas modificações o modelo malthusiano oferece um bom enquadramento para a compreensão do desenvolvimento económico anterior à Revolução Industrial. A população global expandiu-se dramaticamente ao longo dos últimos 10 000 anos, passando de cerca de seis milhões de indivíduos à escala mundial no início do período neolítico para mais de sete mil milhões agora.
A Nigéria recebeu mais de 300 mil milhões de dólares norte-americanos em receitas provenientes do petróleo e, contudo, o seu rendimento per capita diminuiu nos anos situados entre 1975 e 1995. Pelo contrário, a Coreia do Sul cresceu a ritmos oscilantes entre os 7% e os 9% ao ano durante o mesmo período, ao ponto de se ter tornado a décima segunda maior economia do mundo na altura da crise financeira asiática de 1997. A razão para esta diferença de desempenho pode ser praticamente toda atribuída ao governo da Coreia do Sul, muito superior ao da Nigéria. Diz-se que a boa governação é o produto do crescimento económico e não a sua causa. Existe aqui alguma lógica: o governo custa dinheiro. Uma das razões pelas quais existe tanta corrupção nos países pobres é que eles não conseguem pagar aos seus funcionários públicos salários adequados para que estes sustentem as suas famílias, pelo que estes se tornam propensos a aceitar subornos. No entanto, há literatura académica contraditória: uma em que o primado do Direito é por vezes considerado um componente da governação; e outra como se fosse uma dimensão separada do desenvolvimento.
Os aspetos fundamentais do primado do Direito que estão relacionados com o crescimento são os direitos de propriedade e a aplicação dos contratos. Existe uma vasta literatura que demonstra a existência desta correlação. A maioria dos economistas toma-a por garantida, apesar de a necessidade de direitos de propriedade iguais e universais para que isso aconteça não ser clara. Em muitas sociedades, os direitos de propriedade estáveis existem apenas para certas elites, e isso é suficiente para gerar crescimento, pelo menos durante algum tempo. Para além disso, sociedades como a China contemporânea, com direitos de propriedade razoáveis, mas sem um tradicional primado do Direito, conseguem em todo o caso atingir níveis de crescimento muito elevados.
A mobilização social é uma forma importante de romper com os estados disfuncionais representados pelas elites tradicionais encerradas em coligações rentistas. O rei da Dinamarca pôde enfraquecer o poder da aristocracia instalada durante a década de 1780 devido à emergência de um campesinato instruído e bem organizado – uma novidade na história mundial, que até então havia conhecido apenas revoltas camponesas caóticas e desorganizadas. Tratando-se de uma sociedade pré-industrial, a fonte desta mobilização foi religiosa, assumindo a forma específica da Reforma Protestante e da sua insistência na literacia universal. Em última instância, as sociedades não estão aprisionadas nos seus passados históricos. O crescimento económico, a mobilização de novos atores sociais, a integração das sociedades através das fronteiras e a prevalência da competição e de modelos estrangeiros, tudo isso oferece pontos de entrada para uma mudança política que, ou não existia, ou existia de uma forma muito atenuada, antes da Revolução Industrial.
E, contudo, as sociedades não são simplesmente livres de se refazerem a si próprias em qualquer geração. É fácil exagerar o grau em que a globalização integrou efetivamente as sociedades pelo mundo fora. Ainda que os níveis de interação social e de aprendizagem sejam muito superiores ao que eram há 300 anos, a maioria das pessoas continua a viver num horizonte moldado sobretudo pelos seus próprios hábitos e cultura tradicionais. A inércia das sociedades continua a ser elevada; embora os modelos institucionais estrangeiros estejam agora muito mais disponíveis do que estavam, ainda têm de ser sobrepostos a modelos indígenas.
O que vem a seguir, em termos prospetivos, depende do que acontecer na China. A China está atualmente a crescer rapidamente tendo apenas um Estado forte. Poderá a China continuar a crescer economicamente e a manter a estabilidade política sem possuir nem um primado do Direito nem um sistema de responsabilização? Poderá a mobilização social desencadeada pelo crescimento ser contida por um Estado autoritário impositivo ou conduzirá ela à imparável exigência de responsabilização democrática? Uma sociedade que é bem-sucedida num determinado momento histórico não permanecerá necessariamente bem-sucedida, devido ao fenómeno do declínio político. Ainda que a democracia liberal possa ser considerada a forma mais legítima de governo, a sua legitimidade está condicionada pelo seu desempenho. Esse desempenho depende, por sua vez, da capacidade de manter um equilíbrio apropriado entre uma ação estatal forte, quando necessária, e o tipo de liberdades individuais que estão na base da sua legitimidade democrática e que fomentam o crescimento do setor privado. As democracias modernas manifestam vários tipos de incapacidades, mas o dominante neste século XXI é provavelmente a fragilidade do Estado: as democracias contemporâneas tornam-se demasiado facilmente rígidas e bloqueadas e, portanto, incapazes de tomar decisões difíceis para assegurar a sua sobrevivência política e económica a longo prazo.
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