terça-feira, 17 de novembro de 2020

Vítor Jorge e o "Massacre do Osso da Baleia", 1987


Vitor Jorge foi abandonado pelo pai. E a mãe, vivendo em Lisboa, deixou-o entregue aos avós. Com apenas cinco anos viu um tio matar as duas filhas bebés. Aos oito foi viver com a mãe. Tinha apenas um quarto em Lisboa. Foi com essa idade que viu a mãe ter relações sexuais com um homem, que pensou que lhe estava a bater.

Vítor Jorge foi o autor do Massacre do Osso da Baleia, um dos crimes mais terríveis que aconteceu em Portugal, na noite de 1 para 2 de março de 1987, na Praia do Osso da Baleia (Pombal) e na Amieira (Marinha Grande). A terça-feira de Carnaval desse ano foi a 3 de março. Vítor Jorge, na altura do crime com 38 anos de idade, era contínuo numa agência bancária e fotógrafo de casamentos e batizados nas horas vagas. Assassinou 7 pessoas: Leonor, que tinha acabado de festejar os seus 24 anos, tinha uma relação extraconjugal com Vítor Jorge; quatro jovens com quem ela festejara o seu aniversário, a tiro de caçadeira e à paulada; e depois a esposa de 36 anos, e a filha mais velha, de 16 anos, ambas à facada. Ainda tentou matar a filha mais nova, de 14 anos, que antes de fugir já ferida, ainda lutou para lhe tirar a faca. 

“Vai e cuida do teu irmão. Tens muito para sofrer” ainda lhe gritou Vítor Jorge. Explicar-se-ia ele mais tarde às autoridades: “Ainda tentei atirar a faca à Sandra, mas já foi sem força. Já tinha perdido a raiva. Já não era aquilo que queria fazer. Tinha desaparecido o peso no coração. Mas antes, quando as levava para o pinhal, não via nada. Só tinha aquela ideia na cabeça… matar, matar, matar”. O filho de 10 anos, dormia tranquilo, não deu por nada.




Pelas seis da tarde do dia dois de março a Polícia Judiciária de Coimbra foi chamada pelo Comandante da GNR de Leiria. A Polícia Judiciária encontrou ao lado do corpo de Leonor uma mensagem: "Isto foi porque tu quiseste. Os outros foram por arrastamento". No carro, uma Renault 4L, havia um papel que dizia: "Mato a minha mulher porque não era virgem quando casou, mato as minhas filhas para não serem pasto para os prazeres do mundo, poupo o meu filho para perpetuar a semente do mal".

Dias depois, chegaria um envelope à redação do Correio da Manhã, à época na Rua Ruben A. Leitão, em Lisboa, enviado da estação de correios de Santana, em Leiria. O
 carimbo é de 2 de março, 19:00). À cabeça, estava uma página em branco, com uma só frase em letras maiúsculas: “Há sempre um pouco de razão na loucura”. A seguir, outra mensagem, já menos composta: “Lamentavelmente consumado e engrossado o início da minha loucura. Médicos, agora acreditam? Osso da Baleia”. Era a cópia de um Diário, e outros papeis: registos médicos que dão conta de úlceras e gastrites; recibos de ordenado (recebia cerca de 36 contos em 1983, o equivalente hoje a 1.074 euros, de acordo com a taxa de inflação); mensagens endereçadas ao Presidente da República (“V. Exa. deverá promulgar a pena de morte para os seguintes crimes: assassínio, incendiários, violadores de menores, traficantes de droga”); e ao Papa João Paulo II (“Não permita V. Exa que grande parte dos seus padres se aproveite da inocência e da confissão das raparigas para de uma forma chantagista as levar a ter relações com eles”).




Vítor Jorge, apesar de não se ter entregado logo às autoridades, e ter deambulado até ser detido a 5 de março, no concelho de Porto de Mós, foi encontrado deitado no chão de uma casa em ruínas, febril e com aspeto deplorável, ferido numa perna. Havia no chão junto aos sapatos umas folhas de papel escritas: “Na cidade mudei de ideias, senti que a solução era morrer lentamente à fome e à sede… queria um castigo pelo que tinha feito. Tinha intenção de morrer na Calvaria, onde tinha nascido, na casa para castigar a minha mãe”. E duas de eucalipto, analisadas depois pela polícia: “Foram duas noites muito duras: despedi-me da minha mulher e da minha filha com muita mágoa, de uma forma muito trágica, pois estimava-as muito”. Foi levado pela GNR para o hospital.

A 13 de março, o juiz de instrução criminal de Leiria, Eduardo Correia Lobo, levou-o à praia e ao pinhal para a reconstituição do crime. Vítor Jorge surge nas fotos desse dia com um ar tranquilo, a explicar às autoridades como matou sete pessoas a tiro, à paulada e à facada. O inspetor, num depoimento recente à reportagem jornalística, declara que em toda a sua vida profissional nunca viu nada com tanta frieza: “Quando fomos ao pinhal, uma colega fez de vítima e ele, muito calmo, foi demonstrando: espetei assim, espetei assado. O meu chefe estava desvairado, tivemos de o agarrar e mandar para o carro. A ideia com que fiquei foi que ele liquidou primeiro o paraquedista, que era o único que lhe podia fazer frente. Os outros… eles vinham de uma festa, estou convencido de que alguns tinham bebido demais… O outro moço era fraquito. E elas entraram em pânico, só uma é que conseguiu fugir e mesmo assim deixou-se apanhar.”

Começou a ser julgado em novembro do mesmo ano, por um tribunal de júri. Vítor Jorge pediu que os jurados fossem constituídos por familiares das vítimas. E frisava que a sua defesa devia assentar na busca da verdade e da justiça. Mesmo que isso significasse que deveria "ser morto por crucificação ou apedrejamento popular". Numa pequena entrevista que nesse dia deu ao Jornal de Notícias, enquanto não se iniciava o julgamento, disse assim: "O Vítor Jorge é um monstro e praticou monstruosidades que não merecem piedade nem perdão." Falava de si na terceira pessoa. Durante o julgamento, no Tribunal da Marinha Grande, Vítor Jorge confessou os crimes, pediu para ser internado para o resto da vida e alertou para o perigo de um dia vir a matar mais gente. Durante o julgamento tirava apontamentos do depoimento das testemunhas e advogados. E depois, pedia para intervir pra corrigir pormenores e imprecisões do que havia sido dito, quase sempre para o prejudicar ainda mais.




Condenado em cúmulo jurídico a 20 anos de prisão, era a pena máxima prevista no Código Penal na altura. Foi julgado como imputável, embora num confronto de teses sobre a sua personalidade. Eduardo Cortesão, eminente médico e professor catedrático de Psiquiatria, numa contenda acerca do perfil psicológico de Vítor Jorge, defendeu tratar-se de um doente mental grave e, logo, inimputável. Mas os médicos do Centro de Saúde Mental de Leiria, que examinaram Vítor Jorge após a sua detenção, tiveram opinião contrária, porque ele sabia muito bem distinguir o bem e o mal.

Vítor Jorge foi um recluso exemplar nos Estabelecimentos Prisionais de Leiria e, depois, em Coimbra, onde viria a ajudar à missa como sacristão, e a praticar fotografia. Em 5 de outubro de 2001 foi libertado, após 14 anos de prisão, beneficiando de amnistias. Livre, foi viver para Inglaterra, e mais tarde para a Córsega. Recentemente foi dada a notícia da sua morte a 29 de dezembro de 2018, com 69 anos de idade. Amigos disseram que se suicidou.

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