sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Um leigo numa tertúlia de astrofísicos e cosmólogos


Na infância todos fazemos perguntas do género: Porque é que o céu é azul e não é verde; Porque é que caímos para baixo e não para cima; porque há coisas quentes e frias; etc. Nessa altura da vida somos cientistas natos. A curiosidade é uma aptidão inata. Mas mal entramos na Escola, essa curiosidade inata começa a ser-nos retirada porque é preciso aprender o que está, para mais tarde conseguirmos arranjar um emprego, casar, ter filhos, ganhar dinheiro para educar os filhos, ganhar dinheiro para os medicamentos, ganhar dinheiro para uma residência sénior, ganhar dinheiro para pagar ao cangalheiro. Paramos de fazer perguntas para podermos pagar as contas, sem o que não funcionaríamos de todo.

No mundo especializado da ciência moderna, e no que respeita à ciência fundamental, como é o caso das ciências cósmicas, estes cientistas costumam ser honestos dizendo que o que lhes interessa é saber como funciona este Universo. No seu trabalho não estão preocupados com as doenças ou com a felicidade humana. Quando muito aceitam dizer que se daí resultar um dia a cura do cancro ou da doença de Alzheimer, foi um efeito secundário meramente casual. A paixão pela ciência deriva de uma sensibilidade estética, não de uma sensibilidade prática. Apreender a “simetria quebrada, escondida da nossa vista por um campo que permeia o espaço”, é tão maravilhoso como apreender um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, ou uma pintura de Amadeo de Souza-Cardoso. Descobrimos algo novo sobre o mundo, e isso permite-nos apreciar melhor a sua beleza. 



Os papeis da ciência experimental e teórica tornaram-se bastante distintos, particularmente em física de partículas. Os teóricos, entre os quais há um nome que todos conhecem – Einstein, têm sido demasiado bons. E quem o diz são os físicos das máquinas, os experimentalistas, que têm passado a vida desde Einstein a comprovar que os teóricos estavam certos. O desafio dos físicos engenheiros tem sido mais ao nível da construção das máquinas e do engenho experimental para provar que afinal os físicos teóricos estavam certos.

Os engenheiros, no entanto, não têm estado a dormir. O que têm feito também não tem sido coisa pouca. As máquinas melhoraram a passos largos o domínio daquilo que parecia inalcançável há bem pouco tempo. O Grande Colisionador de Hadrões permite a colisão de partículas umas contra as outras com uma energia nunca-antes alcançada pela humanidade. Nem imaginada.

Hoje os teóricos de partículas rabiscam equações em quadros de lousa enormes até encontrarem um padrão. E depois os das experiências vão copiá-las para as testar. Daí é extraída a primeira conclusão: funciona ou não funciona. Os melhores teóricos acompanham de perto as experiências. E os melhores experimentalistas dão palpites aos teóricos. Mas ninguém é mestre nas duas coisas. As teorias científicas, no início, é como se fossem postas num pedestal. E depois é lançado o desafio aos práticos para ver se as conseguem refutar. É esse o primeiro caminho experimental, antes de saberem o que podem fazer com elas. Foram raros aqueles que ficaram famosos por terem demonstrado experimentalmente que a teoria estava certa. E hoje todos os dias lidamos com coisas, como por exemplo os telemóveis, e nem damos conta de quanta teoria física e tanto trabalho experimental está por trás desse banal objeto. A fama ficou com quem a teorizou primeiro. Mas alguns experimentalistas tornaram-se famosos por terem deitado abaixo teorias canónicas.

A astrofísica não deve ser confundida com a cosmologia, pois esta ocupa-se da estrutura geral do universo e das leis que o regem num sentido mais amplo. Embora ambas muitas vezes sigam caminhos paralelos, frequentemente considerado como redundante, há diferenças quanto ao objeto de estudo. A astrofísica reúne físicos e astrónomos em que predomina a física teórica com as suas leis aplicadas às estrelas e galáxias pela física observacional. Algumas áreas de estudo para astrofísicos incluem suas tentativas para determinar as propriedades da matéria escura, energia escura e buracos negros. Ao passo que a cosmologia, mais um ramo da astronomia do que da física, interessa-se mais pela origem do Universo e a sua evolução numa perspetiva mais metafísica e especulativa, embora respeite todo o rigor do método científico. Por outro lado, os cosmólogos são os herdeiros dos precursores: Copérnico e Newton, de um tempo em que ainda não havia propriamente físicos a estudar os corpos celestes e as suas leis.

A partir do início do século XX, com a teoria da relatividade de Albert Einstein, surgia a cosmologia moderna, com um artigo de 1917: "Kosmologische Betrachtungen Zur Allgemeinen Relativitätstheorie" (Considerações cosmológicas sobre a teoria da relatividade geral). Nesse trabalho, Einstein analisava, sob a luz da relatividade, o universo como um todo, introduzindo o conceito de constante cosmológica. A cosmologia física com o desenvolvimento de novos telescópios, ainda no início do século XX, foi possível estudar o universo em escalas então inexploradas. Um pioneiro no estudo sistemático das galáxias além da nossa Via Láctea foi o americano Edwin Hubble, que notou que a maioria das galáxias parecia estar a afastar-se da nossa, e que a velocidade de afastamento aumentava com a distância da galáxia em relação à nossa. Tal observação, confirmada posteriormente, tornou-se uma lei empírica, conhecida hoje como lei de Hubble, e era uma 'prova' experimental da expansão do universo: as galáxias afastam-se umas das outras devido à expansão do espaço entre elas.

A física de partículas tem as suas raízes nos atomistas da Grécia antiga. Matéria e Energia representavam arranjos diferentes de um pequeno número de átomos fundamentais. Nesses tempos não se chamavam cientistas, mas filósofos. E o alto conhecimento também não estava compartimentado. Estavam tão interessados em saber o que era a realidade, bem como seria o sentido de uma vida ética antes da morte. Tinham a noção que também eles eram parte do Universo. Faziam perguntas do género: “Se a realidade é simplesmente uma ação combinada dos átomos, onde podemos encontrar o propósito e o significado de tudo isto?”

Tudo isto pode ser fácil de dizer, mas como é que estes cientistas dizem que tudo é feito do mesmo quando umas coisas são duras e outras são moles; umas são leves, outras são pesadas; umas são líquidas, outras são gasosas; umas são transparentes, outras são opacas; umas estão vivas, outras não? Para os Antigos – gregos, babilónios, chineses – eram cinco as coisas de que tudo era feito: terra, água, ar, fogo, e um quinto elemento (éter ou quintessência). Aristóteles desenvolveu estas ideias, sugerindo que cada elemento procura um estado natural particular, como por exemplo a terra tender a cair e o ar tender a subir. Misturando os elementos em diferentes combinações, poderíamos explicar todas as diferentes substâncias que vemos à nossa volta. Demócrito, um filósofo grego anterior a Aristóteles, fez a sugestão original de que tudo o que conhecemos é composto por determinadas peças minúsculas indivisíveis, às quais chamou átomos. Dois mil trezentos e noventa anos depois da morte de Demócrito estou aqui agora a dizer que o átomo é divisível, consistindo de um núcleo de protões e neutrões à volta do qual orbita um certo número de eletrões. E que os protões e neutrões ainda são divisíveis por partículas mais pequenas designadas quarks. Isto até parece que estou a brincar, não estarei a exagerar? Só precisamos de três partículas elementares para obter qualquer coisa, como um ser humano, ou um vírus: eletrões, quarks up e quarks down? 

Bem, há, na realidade, 12 tipos de matéria, e mais um grupo de partículas mediadoras de forças que as juntam todas umas às outras: 6 quarks que interagem fortemente e ficam confinados dentro de conjuntos maiores como os protões e neutrões; 6 leptões que conseguem viajar individualmente pelo espaço. Não é a imagem mais arrumada do mundo, quando metemos estes tipos todos de partículas num saco, misturamos bem, e depois tanto podemos tirar de lá pedras, gatos ou carros. E bate tudo certo com dados experimentais.

E a matéria negra e a energia escura? E Deus? Ah! Tinha-me esquecido de dizer que os astrofísicos e cosmólogos de agora são todos ateus. Mas, entretanto, os experimentalistas confirmaram que o bosão de Higgs existe mesmo. E os teístas vieram logo a correr e dizer que o bosão de Higgs era a partícula de Deus. O bosão de Higgs era uma partícula diferente, uma espécie de patinho feio. Em termos técnicos é uma partícula mediadora de forças, mas diferente das outras. Do ponto de vista de um físico de partículas, o bosão de Higgs parece um suplemento arbitrário e caprichoso. Se não fosse ele o Universo até seria uma estrutura bela. Assim, é uma enorme confusão, mas bate certo! 

Lederman, um dos grandes físicos experimentais do mundo, que ganhou o Prémio Nobel da Física em 1988, por ter descoberto que existe mais de um tipo de neutrinos, é tido como o culpado de os crentes em Deus terem chamado ao bosão de Higgs a partícula de Deus. De facto, é o título de um livro cativante sobre física de partículas e o bosão de Higgs que escreveu em parceria com Dick Teresi. E Lederman explicou que usaram aqui a expressão “partícula de Deus” porque o editor não gostou da expressão original que era “partícula Maldita”. Peter Higgs, de quem provém o nome canónico, disse com uma gargalhada: “Fiquei realmente irritado com aquele livro. E penso que não fui o único.” Os físicos têm uma relação complicada e longa com Deus. Lederman usou o conceito de Deus como uma metáfora conveniente. Quando falam metaforicamente de Deus, os físicos estão simplesmente a ceder à natural tendência humana para antropomorfizar o mundo físico. E do ponto de vista do marketing, ao fazer arregalar os olhos de gente crente comum, dá jeito para vender livros.

Foram precisos milhares de cientistas: para construir o Grande Colisionador de Hadrões; para fazer as experiências; para analisar os dados. Para no fim se descobrir que afinal o bosão de Higgs existe. E que se concluiu, quarenta anos depois, que o físico teórico Peter Higgs, afinal estava certo. Mas os físicos experimentais só lhe deram razão 40 anos depois, tempo durante o qual todos os cientistas do mundo duvidavam se era verdade o que Higgs afirmava. A 4 de julho de 2012, poucas horas depois dos seminários que anunciaram a descoberta do bosão de Higgs, Lyn Evans foi questionado sobre como esperava que os jovens recebessem as notícias: “Inspiração. Estes grandes projetos têm de ser inspiradores para que os jovens amem a ciência. É essencial entusiasmar os jovens pela ciência”.

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