quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Doação + autoestima = felicidade



Este artigo é mais um ensaio encabeçado por uma pergunta: Como se pode saber ser feliz? 

Os autores que estudam o tema da felicidade dizem que não é a saúde nem a riqueza material que faz as pessoas serem mais felizes. Então o que sará?

Bem, serão várias coisas relacionadas com a qualidade de vida, com a liberdade, a autoestima, independência pessoal e muito mais. Comecemos, por exemplo, pela capacidade de controlar a própria vida e ter boas relações com as outras pessoas, a começar pela família e amigos. Mas não devem ser entendidas como meios para a felicidade, como se a felicidade fosse uma coisa ou um fim. Não faz sentido procurar a felicidade diretamente. Em vez disso a amizade, o gosto profissional, a probidade e sei lá que valores é que valem como fins por si, e a felicidade é obtida indiretamente, como de fosse um efeito secundário. Os nossos propósitos estarem focados na procura da felicidade é como se estivéssemos à procura do Ser e o Nada, um erro, portanto - uma utopia, uma ilusão, ou o que lhe quisermos chamar. A felicidade é uma coisa que nos assalta no percurso do caminho da prática de certos valores. 
E também não faz sentido perguntar se somos felizes, porque automaticamente deixamos de o ser. 

Epicuro é um daqueles clássicos gregos a que os filósofos gostam de evocar quando começam a discorrer sobre o tema da felicidade. Ele recomendou uma vida simples, a melhor forma de evitar sofrimento e angústias. Os Estoicos são outros que tal, ao acrescentarem que um homem sábio não depende de coisas, e de nada que não consiga controlar, como riqueza, a saúde e opinião que os outros possam ter a nosso respeito. Em contrapartida, são qualidades pessoais interessantes para a felicidade, para além do otimismo e o bom feitio, capacidades performativas tais como: adaptação a novas situações; competência na resolução de problemas; empatia relacional. Não é pelo facto de sermos finitos que vamos deixar de ser felizes, e deixar de encontrar um sentido para as nossas vidas. 

A religião ao longo da História, tem sido o pouco a que as pessoas comuns, que não são filósofos, se costumam agarrar com o fito de serem felizes. Mas de que modo a religião nos pode ajudar nisso? Esta pergunta revela-se enigmática, porque parte do princípio que a nossa vida é controlada por uma força estranha, sobrenatural. Ora, para que um sentido de vida não seja absurdo terá que ser encontrado e depois oferecido por cada um a si próprio. O melhor que podemos dizer é que cada vida tem o seu próprio sentido particular e que nos compete a nós dar sentido à nossa vida, e a mais ninguém. Uma pessoa determina o sentido da sua vida particular adotando os valores pelos quais ela pensa que vale a pena viver. Há, com certeza, valores que qualquer pessoa pode subscrever: ter relações pessoais amistosas; viver uma vida consistente com os seus talentos e orgulhar-se com o que faz; gostar de aprender e de compreender como as coisas são; contribuir para um mundo melhor.

Um exemplo por ser muito conhecido: Bill Gates -  tendo aparecido várias vezes em primeiro lugar, ao longo das últimas duas décadas no ranking dos indivíduos mais ricos do mundo. E, todavia, afirma que aceita a ideia de que o dinheiro não pode comprar a felicidade. Sendo uma pessoa racional, começou a fazer doações à ciência no sentido de esta se empenhar na descoberta de medicamentos que tenham como efeito nada menos que a cura de doenças que ainda hoje matam milhões de crianças nas latitudes mais pobres do planeta. Bill Gates não é caso único, é claro, mas funciona como paradigma, ou um protótipo quando abordamos estas questões do dinheiro, da riqueza e da felicidade. Muitos dos doadores confiam mais na sua livre iniciativa para fazerem beneficência como grandes mecenas, do que entregar esse dinheiro ao Estado através dos impostos, e deixar as decisões e escolhas à mercê da classe política. E isto porque atribuem as suas altas capacidades para enriquecer mais a si próprios do que à sorte, confiando mais nas suas capacidades racionais do que emocionais. 

Ora, esta ideia desses grandes mecenas parece paradoxal, porque intuitivamente somos levados a pensar que o altruísmo e a generosidade estão mais ligados à emoção do que à razão. A expressão “pessoa de bom coração” é a expressão que mais se utiliza para referenciar as boas ações das pessoas, que andam associadas mais aos afetos do que aos raciocínios. Mas, todavia, os factos mais recentes dos doadores de órgãos e de fortunas indiciam o contrário.

Melhorar a autoestima e ser mais feliz é isso, é dar. Há como em tudo na vida humana, verdadeira gente humana que não faz por menos: doar um rim, doar metade do fígado a outra pessoa que nem conhecem. A autoestima racional é um elemento importante da felicidade, dizem os especialistas em ética que têm estudado estes casos. Dizem eles que são as crenças racionais sobre o mundo que melhor orientam as pessoas para aquilo que devem fazer, nomeadamente para bem dos seus próprios interesses.

As decisões éticas corretas são aquelas que toda a gente com bom senso compreende que não faria sentido ser de outra maneira. Não existe forma melhor do que o pensamento ponderado com razão e bom juízo. É verdade que nada do que venho expondo explica o que são os valores razoáveis. Mas, para uma longa linhagem de filósofos que remonta pelo menos até Aristóteles, a autoestima é uma coisa verdadeiramente sentida em bases concretas. É pela racionalidade que chegamos à conclusão que somos todos iguais, que os outros são como nós, em que as suas vidas e o seu bem-estar são tão importantes quanto os nossos. Por conseguinte, a pessoa racional sabe que a sua autoestima melhora se também se preocupar com o bem-estar e os interesses também dos outros. A base mais sólida da autoestima é viver uma vida com ética, uma vida em que a pessoa contribua o mais possível para um mundo. E por mais estranho que possa parecer, o verdadeiro altruísta é aquele que considera que para o ser não precisa de fazer nenhum sacrifício. Não é um verdadeiro altruísta aquele que tem necessidade de perguntar a Jesus: "Mestre, o que devo fazer para ganhar a vida eterna?" É claro que Jesus disse ao homem da pergunta, uma pessoa rica e abastada, para se desfazer de tudo o que tivesse e o desse aos pobres. O altruísmo implica distanciamento das nossas coisas e dos nossos desejos mais preciosos. O autossacrifício não pode ser conditio sine qua non do altruísmo, ainda que Hobbes tenha virado o bico ao prego – para fazer valer a sua teoria de que todos fazíamos o bem em última instância por egoísmo – quando disse que ao dar esmola ao pobre se sentia bem por ver um mendigo contente, e isso era a prova de como ele era egoísta.

Por conseguinte, e concluindo, é irracional dizer-se que fulano não fez nada de especial ao ajudar alguém, porque isso não lhe custou nada, ou não teve que fazer nenhum sacrifício para dar essa ajuda. Partindo daí, é errado dizer que não foi altruísmo ajudar sem sacrifício. Ora, aquilo que realmente importa no altruísmo é a genuína preocupação, sem esperar nada em troca, com o bem dos outros. Será escusado metermos aqui qualquer teoria da conspiração. Se quisermos educar os nossos jovens a encorajarem-se pelas boas ações, não nos devemos concentrar na questão do sacrifício. Ao invés, devemos concentrar-nos no facto de nos sentirmos mais felizes pelo nosso contributo para o bem-estar dos outros. Nesta forma de interpretarmos o altruísmo, o que mais importa é o bem que resultou, independentemente de isso nos ter tornado mais felizes, ou de termos ficado na mesma. Ou dito de outra forma: independentemente de isso envolver um ganho ou uma perda para o “altruísta”.

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