Ao volante do carro que gostaria de trocar em breve, Marcelo Rebelo de Sousa, sem máquina e sem partidos, como há cinco anos, mas agora também sem selfies e sem afetos, um só tema: a pandemia e a morte. Vemo-lo a votar em Celorico de Basto, e voltamos a vê-lo à hora do fecho das votações, a chegar a sua casa, em Cascais. Os jornalistas já lá estão à sua espera. Mas é como se não estivessem, com toda a calma, retira um fato do banco de trás, e várias pastas da mala do carro, e num vai vem entre o carro e a casa, vai arrumando as coisas com toda a parcimónia. E os jornalistas limitam-se a dar-nos a ver o Presidente, o estadista. Finalmente, fecha a porta. Mas voltamos a vê-lo meia hora depois na rua, a pé, com uma saca de plástico, e lá dentro traz o seu jantar que foi buscar a um restaurante ali perto, em take away: um bife, arroz e salada de tomate. E só o voltamos a ver entre as 23 e 24 horas, para o seu discurso de vitória na Faculdade de Direito de Lisboa, sem mais ninguém, um homem absoluto, qual eremita, qual Homem de Vitrúvio.
«Os portugueses querem sair deste quase ano de vida dilacerada, para um horizonte de esperança e sonho. É inconcebível que, no 50º aniversário de Abril, não se possa dizer que não somos mais livres, justos, solidários, do que no início da caminhada. […] A principal lição destas eleições é uma: se a pandemia durar e for mais profunda, tudo o resto correrá pior, durará mais, será mais difícil de recuperar. O mais urgente do urgente chama-se combate à pandemia. Temos de fazer mesmo tudo para travar e inverter um processo que está a pressionar as nossas estruturas de saúde. Temos de garantir aos nossos heróis que não há dois Portugais, o deles sempre no limite - e o nosso a viver de longe ou a tratar distraidamente demais o drama de tantos milhares de portugueses.»
Sozinho, o indivíduo só se tem a si mesmo, desesperadamente preso a si mesmo, surgindo a angústia que, como Kierkgaard, se torna metáfora da noção de responsabilidade como culpabilidade. O conceito de angústia revela a indecisão do homem, o "pathos" em que o indivíduo chega à consciência de si mesmo e se declara face ao Nada (Deus?), reconhecendo o seu destino inexorável de mortal e, precisamente porque esta pandemia simboliza a "rutura do mundo", ou seja, a morte. É que o isolamento, em que estamos obrigados pelo “Confinamento” atrai a obsessão da morte. E a obsessão da morte traz o isolamento.
Marcelo reza, é um católico praticante, devoto. Mas também é um Homem da Renascença, um Vitruviano de Leonardo da Vinci, símbolo do universo como um todo, porque apesar de tudo rege-se pela razão. Colocado no centro do mundo, o Homem tem perante si o caminho livre para chegar a si mesmo e, ou, a qualquer lugar. O lugar do Homem não está circunscrito; o seu lugar é o próprio universo, o Ser Universal. Procura salvar os portugueses, não pelo reconhecimento e submissão a Deus, mas pelo conhecimento e pela ciência. É por isso um Humanista da Renascença, que projeta a sua ilimitada confiança no futuro, para o qual tende o progresso da Humanidade. Está convencido de que se iniciou um novo ciclo, encontrado o caminho que conduz à verdade, sem "a venturas". O Homem é autossuficiente e pode aperfeiçoar-se através das suas próprias forças.
O Humanismo exalta a razão humana, a lógica e a experiência no plano do conhecimento e a vontade no plano da ação, isto é, o poder para dominar, controlar e governar os apetites e as paixões. O Homem é, pois, capaz de guiar-se a si mesmo, desde que, por meio da razão e da vontade, estabeleça normas de conduta e códigos para todos os aspetos da vida prática.
O avanço dos conhecimentos e da técnica trouxe novas vacinas, e as pesquisas em todos os campos do saber permitem que tenhamos fé que vamos continuar a retardar a morte do velho envelhecido. Curar doenças tidas como incuráveis, aumentar a capacidade cerebral, alargar o espírito, aumentar os prazeres dos sentidos.
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