segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Marcelo – o Homem só


Ao volante do carro que gostaria de trocar em breve, Marcelo Rebelo de Sousa, sem máquina e sem partidos, como há cinco anos, mas agora também sem selfies e sem afetos, um só tema: a pandemia e a morte. Vemo-lo a votar em Celorico de Basto, e voltamos a vê-lo à hora do fecho das votações, a chegar a sua casa, em Cascais. Os jornalistas já lá estão à sua espera. Mas é como se não estivessem, com toda a calma, retira um fato do banco de trás, e várias pastas da mala do carro, e num vai vem entre o carro e a casa, vai arrumando as coisas com toda a parcimónia. E os jornalistas limitam-se a dar-nos a ver o Presidente, o estadista. Finalmente, fecha a porta. Mas voltamos a vê-lo meia hora depois na rua, a pé, com uma saca de plástico, e lá dentro traz o seu jantar que foi buscar a um restaurante ali perto, em take away: um bife, arroz e salada de tomate. E só o voltamos a ver entre as 23 e 24 horas, para o seu discurso de vitória na Faculdade de Direito de Lisboa, sem mais ninguém, um homem absoluto, qual eremita, qual Homem de Vitrúvio.




Marcelo, mas não há marcelistas. Com o número de mortos Covid-19 a galopar, não há espaço para outra coisa senão tratar da pandemia. É um presidente popular, mas não é nenhum cara de pau, nem nenhum populista, e com essas premissas leu o seu discurso: 
«Os portugueses querem sair deste quase ano de vida dilacerada, para um horizonte de esperança e sonho. É inconcebível que, no 50º aniversário de Abril, não se possa dizer que não somos mais livres, justos, solidários, do que no início da caminhada. […] A principal lição destas eleições é uma: se a pandemia durar e for mais profunda, tudo o resto correrá pior, durará mais, será mais difícil de recuperar. O mais urgente do urgente chama-se combate à pandemia. Temos de fazer mesmo tudo para travar e inverter um processo que está a pressionar as nossas estruturas de saúde. Temos de garantir aos nossos heróis que não há dois Portugais, o deles sempre no limite - e o nosso a viver de longe ou a tratar distraidamente demais o drama de tantos milhares de portugueses.» 

Sozinho, o indivíduo só se tem a si mesmo, desesperadamente preso a si mesmo, surgindo a angústia que, como Kierkgaard, se torna metáfora da noção de responsabilidade como culpabilidade. O conceito de angústia revela a indecisão do homem, o "pathos" em que o indivíduo chega à consciência de si mesmo e se declara face ao Nada (Deus?), reconhecendo o seu destino inexorável de mortal e, precisamente porque esta pandemia simboliza a "rutura do mundo", ou seja, a morte. É que o isolamento, em que estamos obrigados pelo “Confinamento” atrai a obsessão da morte. E a obsessão da morte traz o isolamento. 

Marcelo reza, é um católico praticante, devoto. Mas também é um Homem da Renascença, um Vitruviano de Leonardo da Vinci, símbolo do universo como um todo, porque apesar de tudo rege-se pela razão. Colocado no centro do mundo, o Homem tem perante si o caminho livre para chegar a si mesmo e, ou, a qualquer lugar. O lugar do Homem não está circunscrito; o seu lugar é o próprio universo, o Ser Universal. Procura salvar os portugueses, não pelo reconhecimento e submissão a Deus, mas pelo conhecimento e pela ciência. É por isso um Humanista da Renascença, que projeta a sua ilimitada confiança no futuro, para o qual tende o progresso da Humanidade. Está convencido de que se iniciou um novo ciclo, encontrado o caminho que conduz à verdade, sem "a venturas". O Homem é autossuficiente e pode aperfeiçoar-se através das suas próprias forças.

O Humanismo exalta a razão humana, a lógica e a experiência no plano do conhecimento e a vontade no plano da ação, isto é, o poder para dominar, controlar e governar os apetites e as paixões. O Homem é, pois, capaz de guiar-se a si mesmo, desde que, por meio da razão e da vontade, estabeleça normas de conduta e códigos para todos os aspetos da vida prática. 

O avanço dos conhecimentos e da técnica trouxe novas vacinas, e as pesquisas em todos os campos do saber permitem que tenhamos fé que vamos continuar a retardar a morte do velho envelhecido. Curar doenças tidas como incuráveis, aumentar a capacidade cerebral, alargar o espírito, aumentar os prazeres dos sentidos.  

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