sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Velhos e Eutanásia



«Velhos estão a morrer. E nem todos de corona. Toda a gente, naquela altura da vida a que se convenciona chamar “de certa idade”, tem medo. Não são precisas palavras, o medo lê-se no corpo, e lê-se com clareza no corpo dos velhos. 
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Os mais velhos estavam acompanhados. O velhote caminhava em passinhos trémulos, como uma criança a aprender a andar. Caminhava curvado, e notava-se que a altura do esplendor da vida não tinha sido aquela, tinha sido mais alto, a velhice obrigava-o a curvar-se como um prédio empenado. Um velho tem tantas coisas de criança, incluindo a impaciência e a lágrima fácil. 
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Ao contemplar os velhos do hospital, o medo dos corpos assustados com a novidade incompreensível da doença que gosta de atacar os velhos, os doentes, os pobres, os fracos, recitei o poema em pensamento não conseguir comer um pêssego porque escorrega das mãos e os ossos não seguram os sólidos, trata-se de sobreviver à solidão a que este vírus condenou os velhos. 
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O telemóvel de última geração não salvará os velhos. Já ninguém lê livros. E a idade não deixa ler. Na solidão das salas e das casas, a companhia que lhes resta, no cansaço do dia, é a televisão.» 
«O diploma que está prestes a sair do Parlamento não chegará a Belém antes de dia 17. E como o Presidente tem 20 dias para promulgar ou vetar isso dá-lhe folga para se quiser, só decidir depois das eleições. Certezas sobre se a lei será vetada ou promulgada só depois da esperada reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo tem dito que o facto de como católico convicto ser contra a eutanásia nunca poderá determinar a sua decisão na hora de vetar ou promulgar uma lei. Possibilidade da “antecipação da morte” em casos de “sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”»
Em vez de eutanásia prefiro dizer morte voluntária. Em todo o caso, numa altura em que a velhice em Portugal, como em todo o mundo, está a ser dizimada por esta pandemia, e por causa disso a transtornar a cabeça dos governantes, e a pôr a vida dos países de pernas para o ar, à partida, poderá ser difícil de compreender como falar-se de morte voluntária numa altura destas. Nas palavras de um psiquiatra do Hospital Magalhães Lemos, numa recente entrevista, a dimensão do suicídio em Portugal é maior do que os números podem fazer crer, pois há ocultação e suicídios mascarados. Este psiquiatra defende que o suicídio é tão disfuncional como qualquer homicídio. Ele sabe do que está a falar pois tem trabalhado em programas de prevenção do suicídio. Há cerca de um milhão, ou talvez mais, de mortes por suicídio todos os anos no mundo. Por razões de estigma cultural os registos de suicídio no Alentejo são mais elevados do que no norte de Portugal. É uma questão de défice de registo. Mas uma coisa é verdadeira: em períodos de pandemia a taxa de suicídios desce.

Falar do suicídio é como se, para chegarmos à claridade, tivéssemos de empurrar uma porta de madeira muito pesada que oferece resistência à pressão, rangendo nos gonzos. E depois de passarmos o umbral em vez de vermos luz, mergulharmos em trevas. O mundo do suicídio é um mundo fechado. É um tabu.

Por isso, não era bem deste suicídio que queria falar. É da morte voluntária a que alguns chamam suicídio assistido, que os órgãos de comunicação social insistem em chamar eutanásia, palavra simultaneamente estigma e tabu, cheia de mitos. Aquele que se elimina a si próprio é um suicida. Ao passo que o suicidário é o que transporta em si a morte voluntária mas obedecendo a um projeto ou programa político, ou religioso. Há o assassinato-suicídio que se refere a uma situação em que o autor de um homicídio se suicida após a morte da(s) vítima(s). O que parece ser um pacto geralmente é na realidade um assassinato. Um pacto de suicídio são aqueles casos, em todo o caso raros, de casais de idosos sem descendentes ou família por perto, decidem os dois pôr termo à vida em simultâneo. São casais idosos. E há um outro caso especial que é o suicídio ao ralenti ou em câmara lenta. Ou seja programado a longo prazo por si e para si de uma forma lenta e sistemática, invariavelmente suave, não violenta. E há o ataque suicida, quando um atacante comete um ato de violência contra outros (geralmente um grande número de pessoas), normalmente para atingir um objetivo militar ou político, que resulta na sua própria morte. Estes casos de suicidas são considerados como atos de terrorismo.

A morte voluntária é um modo de morrer. Só que é livre e controlada pela própria pessoa. É claro que não é por dar na real gana de alguém. É uma decisão que tem razões que o coração desconhece, uma causa, portanto, seja ela um cancro ou Alzheimer, ou ocorra por causa de uma outra coisa.

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