quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Roleta-russa


"Roleta-russa" é uma expressão metafórica que se usa naquelas situações de incerteza em que as pessoas se encontram, potencialmente perigosas, mas que ainda assim se quer correr o risco com ações nitidamente temerárias, mas com pretensos ares de bravura, raiando a imprudência.  

Mikhail Lermontov [1814-1841]no romance “Herói do Nosso Tempo” - um escritor, poeta e pintor romântico russo, conhecido por "o poeta do Cáucaso", o poeta russo mais importante após a morte de Alexander Pushkin em 1837, e a maior figura do romantismo russo - é dos primeiros escritores a introduzir o tema na literatura. A sua influência na literatura russa continuou a fazer-se sentir nos tempos modernos, não apenas através da sua poesia, mas também através da sua prosa, uma espécie de fundação do romance psicológico na tradição da literatura russa.




Em "O Herói do Nosso Tempo", o protagonista Gregory Alexandrovich Pechorin diz que não há predestinação. Propõe que se faça um jogo com apostas. Começa por colocar vinte peças de ouro sobre a mesa. Um tenente dos dragões do czar, de origem sérvia - Vulič - com paixão pelo jogo, aceita o desafio. Vai ao armário onde estão armas de vários calibres, umas carregadas outras não, e pega numa à sorte. Ninguém sabe as pistolas que estão carregadas e as que não estão. Vulič pergunta: "Senhores! Quem me vai pagar 20 peças de ouro? Encosta a pistola à testa e pede a Gregory para atirar uma carta ao ar. Mal a carta toca o chão, ele prime o gatilho. Nada acontece. Vulič volta ao armário e pega noutra pistola ao acaso. Mas desta vez aponta a arma para a tampa de uma panela pendurada sobre a janela, e não à sua cabeça. Puxa o gatilho e ouve-se um disparo. Um estrondo e fumaça que se espalha pelo aposento.

Existem várias versões e lendas que explicam a origem deste jogo: uma versão diz que os oficiais do exército russo jogaram este jogo mais com o intuito de impressionar o inimigo com a sua bravura. Em 1917, quando tudo se precipitava para o fim, os oficiais russos acreditavam que estavam a perder não apenas o país, a família e dinheiro, mas também a honra e o prestígio perante os seus aliados. Sentados em qualquer lugar à volta de uma mesa entre amigos, era frequente, de repente, um dos oficiais pegar no revólver, colocar apenas uma bala no tambor, rodar o tambor, e depois encostar o cano à têmpora e puxar o gatilho. A probabilidade de o cérebro do oficial ir pelos ares era de um em sete. Às vezes era o que acontecia. O revólver mais utilizado pelo exército russo no início do século XX era o revólver Nagan M 1895. Há descrições de armas de seis tiros, mas a deles era de sete. Nos contos e romances a referência era a de seis tiros. 

Bem, no fim de contas, a "roleta russa" é mais um produto da ficção que se estendeu também ao mundo cinematográfico. Incontáveis ​​tramas foram criadas em torno desta peculiar faceta humana. Até chegou a correr a versão de que tinha sido o escritor norte-americano Georges Arthur Surdez quem cunhou o termo "roleta russa" . Ele havia publicado um conto homónimo na revista “Collier”, em 1937. No conto, o protagonista é um soldado francês que narra o seu testemunho: oficiais russos a jogar à roleta russa com toda a banalidade, chegando algumas vezes a acontecer à mesa dos cafés. Mas a verdade é que nenhum escritor russo do período anterior à Revolução Bolchevique de 1917 aflora sequer o vocábulo “roleta-russa”, seja em obras biográficas ou históricas, seja em obras de ficçãoAté mesmo o trecho de Lermontov descreve uma situação em que se usava uma arma de tiro único, carregada ou não, e não um revólver.   




No filme de 1978 – The Deer Hunter, três soldados americanos são capturados durante a Guerra do Vietname e forçados a jogar roleta russa enquanto os seus captores apostam nos resultados. Uma variação especialmente brutal do jogo: só o último jogador é que não morre. O jogo acontece numa sala de bambu por baixo da qual os outros prisioneiros são mantidos. De modo que o sangue dos perdedores escorre para baixo sobre os futuros concorrentes. Mike, visita Steven numa instalação de veteranos com ambas as pernas amputadas, e um braço paralisado. Steven quando regressou soube que a sua Angela lhe foi infiel, e por isso recusa-se voltar para casa. O que era intrigante era Steven estar a receber regularmente grandes somas de dinheiro vindas do Vietname. E conta isso a Mike. Este ao saber isso, diz que desconfia que é Nick que está por trás desse mistério. Depois de convencer Steven a voltar para Angela, Mike volta ao Vietname em busca de Nick. Vagando por Saigão, uma cidade num estado de caos brutal, Mike acaba por encontrar Julien, e pede-lhe que o leve ao sítio onde se encontra Nick.

Mike, finalmente consegue entrar no antro do jogo da roleta-russa. Vê Nick na mesa de jogo. Mal consegue sentar-se à sua frente, enfrenta-o, tentando a via da persuasão. 
Nada consegue. Nick havia-se tornado um profissional daquele jogo macabro. Nick nem sequer reconhece Mike. Mike insiste desesperadamente tentando trazer Nick de volta à razão. Mas Nick, que agora é um viciado em heroína, mantém-se indiferente. Mike entra no jogo disparando contra a sua cabeça, e ao mesmo tempo vai evocando memórias dos tempos em que eles iam à caça na sua terra. Nick finalmente sorri, mas já é tarde demais. Puxa o gatilho e Mike começa a ver o sangue a jorrar da cabeça de Nick, morrendo à sua frente. 

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