quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
O sentir - do sintoma ao sentimento
Sentir fome ou sede é um sintoma de algo de anormal no nosso corpo, que em termos fenomenológicos é uma experiência, e quando dizemos experiência significa que é do âmbito da consciência, mas que em termos fisiológicos não é mais do que um aviso valioso ao nível do sistema nervoso, em áreas especificas do cérebro, cuja finalidade tem a ver com a sobrevivência. Mas sem essa consciência, que nos faz agir, nada aconteceria. Se estivermos inconscientes não sentimos fome nem sede, mas fisiologicamente o equivalente estado do corpo pode estar a acontecer, e nós não podemos fazer nada, a não ser terceiras pessoas.
A sede pode ser dada por um sinal como a boca seca, que tem a ver com um desequilíbrio da homeostasia por défice de água. A fome provoca vários sintomas, os quais provocam reações não conscientes que se processam no hipotálamo. O hipotálamo segrega uma gama diversa de hormonas: opioides, serotonina, dopamina . . . As suas consequências últimas são traduzidas no sistema nervoso central por uma cadeia de experiências mentais de conhecimento de um mal-estar fenomenologicamente variado, mas que pode ir até à dor, em que a substância P é um elemento crucial nesse processo. Assim também o cortisol é libertado para combater a agressão subjacente à dor. Os sintomas homeostáticos traduzem tanto mensagens de mal-estar como de bem-estar. Os sintomas de bem-estar são processados nos córtices cerebrais das regiões insular e cingulada.
O sentir não se fica apenas pelos circuitos labirínticos do corpo que os arrumamos com a designação de sintoma. O sentir também se estende à vida social cujo nível de existência o imputamos à esfera do mental. Mas também utiliza alguns dos circuitos corporais que identificamos acima com os sintomas. A natureza serve-se exatamente dos mesmos circuitos e mecanismos para aquilo que designamos por sentimentos. Não negligenciemos, por exemplo, o que acontece no nosso corpo com a vergonha ou com o orgulho pela admiração social.
Por conseguinte, os sentimentos sociais não são puramente mentais. O amor ou a paixão, por exemplo, não se limitam a existir apenas no mundo a que chamamos mental, mas também implicam, e de que maneira, o corpo carnal, passe a redundância. E qualquer pessoa com experiência de vida quanto baste sabe muito bem que é assim. Não é preciso recorrer à chamada sabedoria popular, para saber que os sentimentos não são puramente mentais. E, claro, não são puramente físicos. Os sentimentos fazem parte de uma mente híbrida ou mente corpórea. Ou usando uma imagem corriqueira, os sentimentos são uma espécie de sanduíche: o que está no meio é o sentimento fenomenal ensanduichado por uma parte mental e uma parte corpórea.
Corpo e mente constituem um só ser e uma única existência. Sendo a mente uma essência representacional. E a partir daqui poderemos extrair a ideia do que é inteligência. Se a mente é um tipo de atividade representacional, que não existe sem um cérebro sustentado num corpo, então uma bactéria, ou até mesmo um vírus, não representam nada, porque não possuem uma mente. Todavia, segundo esta ideia, uma bactéria ou um vírus possuem atividade inteligente. Logo, a inteligência não implica necessariamente a existência de uma mente.
Os vírus são um fragmento de matéria, mas um tipo de matéria especial, organizada em código de ARN ou ADN (ácidos nucleicos), que em determinadas condições funcionam como instruções para replicação. Ou seja, a capacidade de reproduzir cópias de si mesmo à custa de uma célula de um hospedeiro vivo, servindo-se de matéria, energia, e informação incorporada no genoma da célula hospedeira. Célula que se serve de matéria, energia e de outras instruções incorporadas no genoma da célula, ácidos nucleicos (ADN e ARN). Ora, esta atividade dos vírus, se não é uma atividade inteligente, o que será?
E é a partir daqui que entramos em disrupção com certos conceitos de vida e de inteligência artificial. Um computador tem atividade inteligente, mas é uma inteligência derivada da inteligência humana. É uma espécie de inteligência por procuração. Ao passo que a inteligência dos vírus quando muito é uma procuração da natureza, tal como a humana. Para esse efeito quem legitima tanto a inteligência dos vírus como a inteligência humana é a mesma Natureza. Para nossa humilhação, só pode ser a Natureza a conferir essa inteligência, e não a espécie humana, que para a Natureza é uma espécie como outra qualquer. Logo, a inteligência é um fenómeno incorporado na matéria viva que nos antecedeu há quatro mil milhões de anos.
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