segunda-feira, 29 de março de 2021

1900, um filme de Bernardo Bertolucci, 1976




1900, um filme de Bernardo Bertolucci, 1976 - é conhecido por ser um dos filmes mais longos alguma vez realizados. 317 minutos na sua versão original, em muitos países foi apresentado em duas partes. O filme estreia em 25 de abril de 1945, o dia em que a Itália é libertada dos fascistas.

Os camponeses de uma propriedade na Emília-Romagna juntam-se com os seus partidários para mandar para a prisão o latifundiário Alfredo Berlinghieri [Robert De Niro]. Um homem de meia-idade chamado Átila Mellanchini [Donald Sutherland] e uma mulher chamada Regina [Laura Betti] são vistos a fugir da fazenda, mas são atacados por mulheres.

A narrativa volta para o início do século. Nascido no dia da morte do compositor Giuseppe Verdi – 27 de janeiro de 1901 – Alfredo Berlinghieri [Robert De Niro] e Olmo Dalcò [Gérard Depardieu] vêm de lados opostos do espectro social. Alfredo é de uma família de ricos latifundiários liderados por seu popular avô (também chamado Alfredo ou Alfredo, o Velho) e cresce com a sua prima Regina. Olmo é um camponês ilegítimo nascido de uma jovem solteira que já teve vários filhos. Seu avô, Leo, é o capataz e porta-voz dos camponeses que realiza um duelo de inteligência com o ancião Alfredo, que mascara um profundo respeito mútuo. Como Alfredo é um pouco rebelde e despreza a falsidade da sua família, em particular o pai cínico e covarde Giovanni, ele faz amizade com Olmo, um socialista. Durante esse tempo, Leo lidera insurgências contra as condições injustas na fazenda.

Alfredo Berlinghieri e Olmo Dalcò  conservam uma pura amizade durante toda a infância, apesar das diferenças sociais das suas famílias, e passam muito tempo na companhia um do outro. Olmo é alistado no exército italiano em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Alfredo é ensinado a administrar a grande plantação familiar sob a orientação de seu pai. Quando Olmo regressa da guerra passado mais de um ano, a amizade com Alfredo mantém-se sólida. No entanto, Giovanni, depois do suicídio do ancião Alfredo, contrata para capataz Átila Mellanchini. Tomado pelo fascismo incutido por Giovanni, Átila passa a aplicar o sistema de crenças fascista na sua relação com os trabalhadores. Vivem-se os conturbados anos 20 e Olmo relaciona-se num namoro com Anita 
[Stefania Sandrelli], uma mulher que compartilha o seu entusiasmo pela causa dos direitos dos trabalhadores. Juntos, Olmo e Anita lideram vários protestos, com fervor, contra os proprietários de terras.

Entretanto Giovanni morre, e Alfredo assume o seu lugar. Casa com Ada [Dominique Sanda], uma linda e recatada francesa, e já entrada a década de 1930, ele se mostra o seu lado fraco, curvando-se aos fascistas. Ada, confrontada com a realidade do vazio do seu casamento com Alfredo, refugia-se na bebida. Ganha a simpatia dos trabalhadores, desprezando a sua subjugação ao capataz Átila Mellanchini. Anita, morre no parto, mas o bebé sobrevive, uma menina, que Olmo lhe põe o mesmo nome - Anita. Já adolescente a jovem apoia as crenças socialistas do pai. Enquanto Olmo assume o seu fatídico papel de líder entre os pobres agricultores e as suas famílias, ele entra em conflito várias vezes com Átila, que revela as suas  tendências psicopáticas, quando mata um gato, e uma criança no casamento de Alfredo e Ada, imputando as culpas a Olmo. E vai cometendo mais atrocidades, como matar a velha Pioppi para lhe ficar com a propriedade. Ada acaba por deixar Alfredo.

Dando um salto, ultrapassando a Segunda Guerra Mundial, a classe dominante fica à mercê da classe trabalhadora. Átila confessa os assassinatos que cometeu ao longo dos anos, e é morto. Olmo regressa à propriedade a tempo de ver Alfredo a ser levado a um tribunal de trabalhadores para ser julgado. Alfredo é condenado à morte, mas a sua execução é impedida depois de Olmo testemunhar e sua defesa, que não era um fascista. E o sistema foi derrubado com o fim da guerra. Assim que o veredicto é alcançado, no entanto, Alfredo declara "O padrone está vivo", indicando que a luta entre as classes trabalhadora e dominante está destinada a continuar.

Bertolucci esboça um gigantesco painel do século XX, do início até ao fim da Segunda Guerra Mundial. Se o fascismo é a preocupação recorrente de Bertolucci, nada mais natural que ele fosse em busca das suas raízes. Daí o painel, cujo esboço começa com a oposição entre latifundiários e camponeses no início do século e o acirramento de posições entre uns e outros. Os apelos do comunismo de um lado e os do fascismo do outro, com as posições sendo progressivamente endurecidas pelo conflito. Essa ideia cinematográfica ganha corpo na história dos dois jovens que crescem juntos, que se separam, mas depois voltam a encontrar-se. Uma Itália contra a outra. Amando-se e odiando-se, conforme a circunstância, pessoal ou histórica. Numa dialética da convivência entre contrários, Bertolucci pensa uma Itália permanentemente dividida - como é até hoje, dois países que se odeiam.




O Quarto Estado é o pano de abertura do filme de 
Bertolucci - 1900. Quadro do pintor italiano Giuseppe Pellizza da Volpedo. O Quarto Estado, uma pintura a óleo sobre tela (293×545 cm) descreve um grupo de trabalhadores marchando em protesto numa praça, presumivelmente a Malaspina de Volpedo. O avanço do desfile não é violento, mas lento e seguro, para sugerir uma sensação de inevitável vitóriaː foi intenção de Pellizza dar vida a "uma massa popular, de trabalhadores da terra, que inteligentes, fortes, robustos, unidos, marcham como torrente esmagadora vencendo todos os obstáculos que surjam pela frente." Torrente (Fiumana) – uma outra pintura que Giuseppe Pellizza realizou três anos antes do Quarto Estado, à luz do brutal Massacre de Bava-Beccaris em Milão, 1898.

A pintura do Quarto Estado foi apresentado ao público pela primeira vez na Exposição Internacional de Arte Decorativa Moderna/Quadrienal de Turim de 1902, juntamente com outro quadro importante de Pellizza, Il tramonto. A obra não teve reconhecimento. O sucesso de O Quarto Estado junto do público não começou nas salas de exposições - como esperava Pellizza - mas na imprensa socialista e em inúmeras reproduções. No entanto, a conceção do Quarto Estado foi absolutamente exemplar: Giovanni Cena, depois da Quadrienal, escreveu que "é algo que vai permanecer e sem medo do tempo, porque o tempo o vai beneficiar".

Foi durante a permanência no Palácio Marino, lugar de elevado valor simbólico (como sublinhou o então prefeito de Milão, Antonio Greppi, que o culto de O Quarto Estado foi revivido; isto deveu-se principalmente ao magistério crítico de Corrado Maltese, que classificou a pintura como o "monumento maior que o movimento operário se podia vangloriar em Itália". Graças a Maltese, a pintura foi objeto da redescoberta pelos críticos contemporâneos, tornando-se o centro de inúmeras exposições e trabalhos de investigação, entre elas as monografias de Aurora Scotti - "Il quarto stato e Pellizza da Volpedo". E de Gabriella Pelissero - "Pellizza per il Quarto Stato". 

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