quinta-feira, 18 de março de 2021

Intrigalhada kremliniana. De Brejnev a Gorbachev



Gorbachev com Reagan

O dia 10 de março de 1985 foi um domingo, mas Gorbachev, 54 anos [Mikhail Sergeevitch Gorbachev – Stavropol, 2 de março de 1931 - 90 anos ], Só voltou a casa do trabalho ao fim da tarde. Pouco depois, o médico Yevgeniy Chazov, 55 anos 
[1929 - 91 anos], Ministro da Saúde [1987-1990], telefonou-lhe para o informar que Chernenko morrera pelas 19:20.
Konstantin Chernenko, 73 anos [1911-1985] – sucedeu a Yuri Andropov como Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética [1984-1985] cujo sucessor foi Mikhail Gorbachev; sucedeu a Yuri Andropov como Presidente da União Soviética [1984-1985] cujo sucessor foi Andrei Gromiko; e chefe do Politburo da União Soviética [1971-1984].

Chazov também informara outros superiores: o primeiro-ministro Tikhonov; o ministro dos negócios estrangeiros Gromyko; o chefe do departamento geral do Comité Central 
Klavdy Bogoyubov. E marcou uma reunião de emergência do Politburo para as dez horas dessa noite.

Gorbachev tinha a certeza de que seriam vários os colegas do Politburo com esperança de vir a suceder a Chernenko. Além de Grishin, 71 anos, e de Grgory Romanov, 62 anos, imaginou que Tikhonov, 80 anos, provavelmente também estaria interessado na sucessão, e que o profundamente vaidoso Gromyko, 76 anos, sofria de um irreprimível desejo pelo poder. Gromyko não considerava Gorbachev um estadista “sério”, pelo que se juntara a Grishin e a Tikhonov, numa tentativa de o afastar da direção das reuniões do Politburo durante a doença de Chernenko. Mas a sucessão acabou por ser tranquila. Os outros adversários não só se submeteram a Gorbachev, como começaram a adular o novo líder que teria o destino de todos eles nas mãos.


Brejnev com Nixon

Até 1962, aproximadamente, o posto de Khrushchev na liderança soviética permaneceu sólido, mas em vista da derrota na crise dos mísseis, políticas demasiado liberais e diversos comentários inoportunos, os membros do partido começam a se preocupar com o futuro do país. Para piorar a situação, a economia estava de rastos, um descalabro, o que aumentou ainda mais a pressão. Aparentemente, Brejnev, 57 anos [Leonid Ilitch Brejnev 1906-1982] tinha-se mantido leal a Khrushchev. Mas em 1963 viu-se implicado numa conspiração iniciada pelo arménio Anastas Mikoyan, cujo objetivo era depor Khrushchev. Neste ano, sucede a Frol Kozlov na liderança do Comité Central, e passa a ser, por esse posto, o sucessor oficial de Khrushchev

Em 14 de outubro de 1964, aproveitando as férias de Khrushchev, os conspiradores executaram o seu golpe de estado e o retiram do poder, instituindo um triunvirato, cuja versão soviética seria denominada troika. Brejnev passa a Secretário Geral do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética [1964-1982], que é o líder máximo do Partido Comunista da União Soviética; Alexey Kosygin no lugar de Primeiro-Ministro; e o chefe de estado ou Presidente da União Soviética passa a ser Anastas Mikoyan [1895-1978], que depois é substituído por Nikolai Podgorny [1903-1983]- [entre 9 de dezembro de 1965 e 16 de junho de 1977]. Sucede-lhe Brejnev [1977-1982]

No final de 1978, ano em que Gorbachev foi para Moscovo e passou a fazer parte do Comité Central, uma central de vapor que fornecia calor a vários distritos de Moscovo falhou. Quando milhares de residentes recorreram a aquecedores elétricos, o excesso de consumo rebentou uma central elétrica, pelo que foram muitas as pessoas que receberam o Ano Novo em casas de banho à luz das velas, aquecidas por água quente. Ao mesmo tempo, Brejnev, obviamente enfermo, condecorava colegas idosos do Kremlin que mal se conseguiam mexer. Shakhnazarov, um funcionário de topo do Comité Central, foi despromovido por escrever ficção científica com implicações heréticas, por traduzir em privado o 1984 de George Orwell, e por apoiar Vladimir Vysotsky, cujas canções Andropov havia cantado uma ocasião à fogueira em Kislovodsk, num encontro de férias com Gorbachev.

Entre a chegada de Gorbachev a Moscovo e a morte de Brejnev, seis elementos governavam o país: Brejnev [19/12/1906 - 10/11//1982]; Suslov [21/11/1902 - 25/01/1982]; Gromyko [18/07/1909 - 02/07/1989]; Andropov [15/06/1914 - 09/02/1984]; Dmitry Ustinov [30/10/1908 - 20/12/1984]; Chernenko [24/09/1911 - 10/03/1985].

Gorbachev teve que aprender de imediato os meandros internos do Kremlin. Alexei Nikolayevich Kossygin [1904-1980], Primeiro-ministro entre 1964 e 1980, deu os parabéns a Gorbachev pela promoção. Mas Andropov fez questão de alertar Gorbachev que Alexei Nikolayevich o estava a cortejar, inclusivamente deixando-se discutir com ele na frente de Brejnev, que este num dos seus dias bons saiu em defesa de Gorbachev. Certo dia, quando Brejnev adormeceu a meio de uma reunião, outros membros agiram como se nada se passasse. Gorbachev consternado, queixou-se a Andropov. Mas este recordou-lhe que a estabilidade do partido, do país, e até do mundo, exigia que todos apoiassem Leonid Ilitch. As reuniões do Politburo decorriam à volta de uma mesa muito comprida, com Brejnev no topo, e Gorbachev na outra extremidade, cuja pasta era a da Agricultura. A mesa era tão comprida e a dicção de Brejnev tão arrastada, que Gorbachev mal distinguia o que ele estava a dizer. À direita de Brejnev sentava-se Suslov, e à esquerda Kosygin até ser substituído enquanto Primeiro-ministro por Nikolai Tikhonov. A Agricultura costumava ser o cemitério político do responsável. Não havia liberalização do processo de decisão nos níveis mais baixos, nem liberdade de escolha para as quintas coletivas e estatais. Tudo chegava prescrito do topo. Em 1981, Gorbachev, apesar de o seu gabinete ser um espaço muito pequeno, de teto baixo e venezianas, onde o ar cheirava à carpete sintética, começou lentamente a alargar o seu portefólio além da Agricultura, pese embora o facto de ter sido alertado que tal iniciativa levaria a desconfiança no Politburo.

Em julho de 1982, durante um um dos seus poucos momentos de lucidez, Brejnev pressionou Andropov a assumir o poder, telefonando-lhe a dizer que o ia transferir do KGB para o aparelho do Comité Central, à frente do Secretariado. Quando os secretários do Comité Central se reuniram para uma sessão formal, Andropov declarou subitamente: "Está na altura de começar" e pegou na cadeira. Ao ver Andropov lá sentado, Chernenko pareceu desabar, desaparecendo no fundo do seu cadeirão. Tinha acontecido uma espécie de "golpe-de-estado" debaixo do nariz de todos os presentes. Quando finalmente Brejnev morreu a 10 de novembro de 1982, Andropov já tinha todo o caminho desbravado. Substituiu o Primeiro-ministro Tikhonov por Gorbachev, despedindo outros preferidos de Brejnev por liberais como Gorbachev. A ideia de Andropov de reforma económica era visar preguiçosos e falsos doentes, levar a polícia a deter quem estivesse em lojas, banhos públicos e salões de beleza, quando deveria estar a trabalhar. Perto do final de 1982, Andropov disse a Gorbachev: "Mikhail, não se limite à agricultura. Tente envolver-se em todas as áreas da política. Aja sempre como se um dia vier a ter nas mãos a responsabilidade total. Estou a falar a sério".

Em maio de 1983 Gorbachev esteve de visita de uma semana ao Canadá. E o embaixador soviético no Canadá era Aleksandr Yakovlev, um homem que em breve se tornaria um colaborador chave no projeto prestroika de Gorbachev. Yakovlev assistiu ao discurso secreto de Khrushchev em 1956, que lhe "arrepiou o cérebro", com a sua exposição a poetas liberais durante o degelo a abrir-lhe um "mundo novo e belo". Mas também Yakovlev mantinha uma consciência dupla, ainda um escravo de uma representação tortuosa, mas tentando não se perder na imundície. O Canadá proporcionou a Yakovlev uma visão próxima e demorada do capitalismo democrático, além de bastante tempo para pensar nas lições que poderia dar à URSS. Em julho de 1983, Gorbachev convocou Yakovlev de volta a Moscovo para dirigir o Instituto para a Economia Mundial e para as Relações Internacionais da Academia de Ciências. Gorbachev estava a preparar-se para o futuro, mas ele ocultava-o cuidadosamente. Os elementos do seu círculo interno sabiam que esse tema era tabu.

Tatyana Zaslavskaya, Yegor Ligachev e Nikolai Ryzhkov são outros nomes importantes nesta rampa de lançamento de Gorbachev antes de tomar as rédeas definitivas do poder. Depois de 26 de dezembro de 1983, assumir o controlo do departamento do Comité Central, e começar a trocar os oficiais geriátricos do partido por aspirantes a reformistas, Ligachev e Gorbachev tornaram-se ainda mais chegados. Mas trocavam apenas palavras isoladas e mensagens escritas, uma vez que partiam do princípio de que tinham os gabinetes sob escuta. Nikolai Ryzhkov, apenas dois anos mais velho do que Gorbachev, engenheiro de formação, partilhava a opinião de Gorbachev de que o sistema estava apodrecido. Em 1983, quando Andropov o nomeou chefe chefe do novo departamento económico, Ryzhkov já reparara nos esforços vigorosos e determinados de Gorbachev para alargar os seus interesses além da agricultura, e também como os líderes superiores, com ciúmes dos seus privilégios, o tentaram fazer desaparecer. Ryzhkov acabaria por romper com Gorbachev.

Entretanto a saúde de Andropov deteriorara-se, a sua insuficiência renal precisava de diálise. A última sessão do politburo a que assistiu teve lugar a 1 de setembro de 1983. Para a sessão de dezembro escreveu um texto dizendo que durante a sua ausência forçada fosse Gorbachev a conduzir as sessões. Mas Chernenko e Tikhonov (primeiro-ministro), numa manobra de golpe de teatro, conseguiram dar a volta de modo a ser Chernenko (Kostya) e não Misha (Gorbachev). Andropov viria a morrer a 9 de fevereiro de 1984. Chernenko sucedeu a Andropov. Gorbachev afinal, não teve que esperar muito, pois Chernenko viria a morrer a 10 de março do ano seguinte. E foi melhor assim, porque quando chegou a hora da eleição de um novo secretário-geral, o nome de Gorbachev já era incontornável.

Chernenko estava de tal modo doente que por vezes tinha de ser levado em braços para a sala de reuniões do Politburo antes de os colegas serem convidados a entrar. E no último momento acabava por ser Gobarchev a presidir às sessões. E Tikhonov continuava a tentar virar Ligachev contra ele. Mas Gorbachev, para além do vigor da idade que contratava com a decrepitude dos outros líderes, era muito erudito e transbordava de simpatia com o seu sorriso. Gorbachev queria associar-se a pessoas novas que fossem capazes de pensar pela sua própria cabeça. E queria que a União Soviética se abrisse ao mundo, e provar que ao visitar a Itália e a Grã-Bretanha, podia ainda provar que estava à altura dos líderes estrangeiros. 

A ocasião para a viagem a Itália surgiu com o funeral de Enrico Berlinguer, o líder do partido comunista italiano que era muito crítico dos soviéticos desde a invasão da Checoslováquia e depois do Afeganistão. Inicialmente o Politburo não queria enviar Gorbachev devido às suas "tendências democráticas", que entretanto mudou de ideias devido à sua facilidade em falar com os italianos sem ser agressivo. Gorbachev leu Antonio Gramsci, o filósofo marxista italiano. Mikhail e Raisa Gorbachev viajaram depois até londres a 15 de dezembro de 1984. Com a nova guerra fria em curso, a primeira-ministra Margaret Thatcher procurava aproximar-se dos líderes comunistas, e Gorbachev era a pessoa certa naquele momento histórico, depois de ter sido nomeado presidente do Comité de Negócios estrangeiros do governo soviético, ainda que fosse um posto honorífico que, regra geral, pertencia ao segundo-secretário do partido.

A 16 de dezembro, a senhora Thatcher, o marido Denis e ministros do gabinete e seus assessores aguaradavam os Gorbacheves no Grande Salão. Gorbachev entra no salão com um sorriso rasgado, animadíssimo. Thatcher recordou que que Raisa vestia um elegante traje de estilo ocidental que ela própria vestiria. Raisa Gorbachev era encantadora, educada, tão diferente das esposas dos líderes anteriores. Ela fez questão de confidenciar que queria que todos soubessem que não era mais uma daquelas esposas macambúzias de lenço na cabeça. Quanto ao diálogo que se estabeleceu entre os dois líderes políticos, isso é outra história enigmática. Thatcher concentrou-se no estilo de Gorbachev: "Ele sorria, ria-se, usava as mãos para enfatizar as palavras, modulava a voz, seguia um argumento até ao fim, e era um argumentador arguto. Não parecia, de todo, desconfortável, gostei dele".

Quando o líder do partido trabalhista Neil Kinnock o pressionou, em privado, quanto aos direitos humanos, sobretudo no caso do dissidente Natan Sharansky, que há sete anos estava numa prisão soviética, Gorbachev respondeu com um chorrilho de obscenidades e de ameaças contra "montes de esterco" e espiões como Sharanky, e era na prisão que ele iria ficar. Em 1986 Gorbachev iria dar ordens para o libertar numa troca de prisioneiros mais vasta. Enquanto os Gorbacheves estavam em Londres, Ustinov morreu em Moscovo, a 20 de dezembro. Gorbachev atalhou a viagem e regressou a casa. Nos dois meses e meio que se seguiram, a saúde de Chernenko agravou-se.

A prática estalinista de acelerar a morte do caruncho do soviete supremo da União Soviética desaparecera havia muito. Apenas se mantiveram umas escaramuças menores perpetradas pelos adversários de Gorbachev no Politburo que preferiam Grishin como sucessor de Chernenko. Mais do mesmo, setenta anos de idade, e uma carreira absolutamente apagada. A 7 de março de 1985, Chernenko terá perguntado a Gromyko: "Não acha que está na altura de me afastar?". A isso, o fleumático Gromyko respondeu: "Não há necessidade de apressar os acontecimentos, Konstantin Ustinovich". Três dias depois, Chernenko morria a 10 de março, e no dia 11 de março Grishin confirmou a desistência: "Não podemos nem vamos nomear alguém que não Mikhail Sergeevitch Gorbachev.

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