O protesto que juntou mais de duas mil pessoas, começou por volta das 15:00 no Parque Eduardo VII. Os manifestantes desceram a Avenida da Liberdade em direção à Praça do Rossio, em Lisboa. Na sua maioria negacionistas, reclamam a posição das autoridades e dos meios de comunicação social perante a pandemia. A maioria dos mais de dois mil que saíram à rua na capital apresentou-se sem máscara e pareceu ignorar o distanciamento social. Perante as advertências das autoridades alguns contestaram, mas muitos acabaram por dispersar.
As crenças das pessoas assentam em conteúdos proposicionais. Qualquer crença tem de ter um conteúdo proposicional. Qualquer crença pode ser considerada verdadeira ou falsa. E qualquer crença pode ser justificada ou injustificada, racional ou irracional. Ora, como é possível, que por esta Europa venham para a rua pessoas provocar distúrbios porque não acreditam que o SARS-CoV-2, o vírus causador desta pandemia, e que os obriga a ficar em casa, exista? A crença dessas pessoas é falsa, injustificada e irracional. Mas é um facto que essas pessoas existem.
Um conteúdo proposicional é construído a partir de conceitos. Teríamos de admitir que essas pessoas são incompetentes no manejo conceptual acerca de vírus e pandemias. Mas será isto suficiente para justificar essa "bacorada", ou será que tem de haver mais alguma coisa, como certo tipo de "lavagens maliciosas ao cérebro" das pessoas mais ignorantes e mais vulneráveis, por parte de gente mal-formada com agendas perniciosas?
Em Kassel, uma cidade no centro da Alemanha, vários milhares de manifestantes reuniram-se numa praça, sem distanciamento físico e sem máscara, tendo um grupo tentado forçar a passagem através de um cordão policial o que levou as autoridades a dispersá-los usando gás pimenta. Alguns manifestantes mostravam cartazes onde se lia "fim do confinamento" e "rebeldes do corona". O protesto foi convocado pelo movimento "Querdenker" ou "Anti-conformista", que organizou algumas das maiores manifestações "anti-corona" (contra as restrições impostas para combater a covid-19) na Alemanha desde o início da pandemia. O movimento reúne membros da extrema-esquerda, seguidores de teorias da conspiração, críticos da vacinação, bem como partidários da extrema-direita. A incidência acumulada de covid-19 na Alemanha nos últimos sete dias voltou a subir e está próximo de 100 novos casos por 100.000 habitantes, nível que, a manter-se, implicará um passo atrás na reabertura da sociedade alemã.
Por outro lado, há pessoas que estão contaminadas pelo fenómeno da pós-verdade ou das verdades alternativas, que inserem na proposição da crença a cláusula "para mim". Assim, eles dizem: "para mim, a covid é uma invenção das farmacêuticas." É uma 'verdade alternativa', para elas. Isto só pode ocorrer no contexto de um grupo de seres humanos estarem organizados de uma maneira particular. Ou seja, pode haver razões 'não epistémicas' para certas crenças (que não importa a verdade da crença, mas apenas vantagens pragmáticas dessa crença). E é aqui que reside o problema das falsas crenças, em que as pessoas se agarram a razões pragmáticas, não epistémicas, para terem como verdadeiras crenças estapafúrdias.
Seja como for que essas pessoas construam a racionalidade das suas crenças, elas acham, por exemplo, que têm boas razões para acreditar, por exemplo, que a Terra é plana, ainda que seja redonda como toda a gente sabe. E não são tão poucas assim as pessoas nos Estados Unidos que se batem pela tese da Terra plana. Os nossos antepassados pensavam que sabiam que a Terra era plana, e tinham essa crença como conhecimento. Mas estavam errados. É caso para dizer que os atuais crentes da Terra plana deitaram às urtigas o conceito de conhecimento, que tem de ser não apenas justificado, mas também verdadeiro.
Existe uma corrente de pensamento filosófico que defende a teoria da construção social do conhecimento. E não é a construção de 'coisas' que está aqui em causa, mas a construção de 'factos'. É um facto que 'um dólar' vale Xis euros e Y libras. E é um facto que uma peça de metal não é uma peça de metal, mas 'um euro'. O facto de um pedaço de papel ser 'um dólar' é um facto socialmente construído. Mas é um facto contingente. Poderia não ter existido se as necessidades e as circunstâncias tivessem sido outras.
Até aqui nenhum problema. Mas aquilo que disse Kant já nem todos os filósofos o acompanharam. E então o que disse Kant? Que o mundo tal como o vemos, uma parte é construída pela nossa mente. Mas também disse que não é à vontade do freguês. Pelo contrário, a nossa mente é obrigada a construir um mundo obedecendo a leis da natureza.
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