sábado, 27 de março de 2021

Trava-línguas ou a trava da língua?






Trava-línguas são conjuntos de palavras, como por exemplo: "Três pratos de trigo para três tigres tristes" – não frases no sentido proposicional. E dá-se pelo nome de trava-línguas precisamente pela sua dificuldade de pronunciar rapidinho e de uma assentada. Podendo ser um bom exercício, sobretudo com crianças, para aperfeiçoar a pronúncia. De resto, são também uma boa diversão. Os trava-línguas fazem parte das diversões orais da cultura popular. O que as torna apelativas é o desafio de reproduzi-los sem errar. E não há melhor entusiasmo numa criança do que um bom desafio. Portanto, uma brincadeira que agrada sempre, e mais ainda quando certas palavras, na atrapalhação, descambam para a asneira, ou seja, o palavrão obsceno.




Por outro lado, existe a parlenda – sequência discursiva composta por palavras rimadas e/ou repetidas, que lhe conferem um carácter musical. Outro divertimento infantil que não tem apenas uma utilidade lúdica, mas também uma utilidade em mnemónica (uma lengalenga para facilitar a memorização de algo, ligando ideias e factos). Rimas fáceis, infantis, rápidas e rítmicas. É usada, em muitas ocasiões, para brincadeiras populares. Normalmente é uma arrumação de palavras sem acompanhamento de melodia, mas às vezes rimada, obedecendo a um ritmo que a própria metrificação lhe empresta. A finalidade é entreter a criança, ensinando-lhe algo. As parlendas parecendo cantilenas não são cantadas. São lengalengas declamadas, sendo em forma de texto, na medida em que preenchem uma grande variedade de livros infantis, mas com acentuações performativas ou prosódicas. Portanto, um dos processos iniciáticos da criança na leitura dos livros. E que os adultos adoram, porque lhes dão fórmulas verbais indeléveis para a sua memória futura. 





A trava da língua ou freio, é uma “prega” fina de tecido fibroso (tipo membrana), presente na boca por baixo da língua. Isto deteta-se logo nos primeiros meses em que o bebé tem dificuldade em alimentar-se, mas em certos casos pode passar despercebido até à idade em que a criança começa a falar e apresenta dificuldade em pronunciar os L, R, N e Z. E também atrapalha a criança se lhe dermos uma flauta, ou outro instrumento de sopro, e se verifica então a sua dificuldade em soprar. Ora isto é fácil de resolver, basta dar um pequeno golpe nessa membrana com uma tesoura. Bem entendido, por um profissional de saúde, que tanto pode ser uma médica como uma enfermeira. Tecnicamente chama-se frenectomia.

Naturalmente, este assunto remete-me para as minhas memórias de infância, e mais uma vez para a minha avó Maria, com quem eu me criei, e um dia lhe ouvi estas palavras: “Este rapaz está a precisar que lhe cortem a trava da língua”. Mas ouvi-lhe muito mais vezes dizer: “Fecha, mas é, a taramela”, quando já não estava para nos ouvir dizer mais disparates. Mas noutras ocasiões dizia: “Parece que se te entaramelou a língua, meu filho . . .”, quando tivemos um mau desempenho numa prova oral na Escola; ou quando interrogado sobre alguma patifaria, ficava embaraçado e começava a titubear.




Ora, a taramela é uma peça de madeira que gira em torno de um prego, ou desliza por uma calha na madeira, para fechar as portas das lojas das alfaias agrícolas, ou das cortes do gado. Em certas regiões também lhe dão o nome de cravelho. Mas em jargão popular das nossas terras campestres também significa língua, vozearia ou falatório. Portanto, qualquer pessoa que é tagarela, o povo diz que dá à taramela. Daí que quando ficamos enrascados o povo também diga: “que se nos entaramelou a língua”.


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