quarta-feira, 3 de março de 2021

Anticorpos monoclonais e nanocorpos anti-SARS-CoV-2


Estudo publicado recentemente na revista Nature mostra resultados promissores com o uso de anticorpos monoclonais contra o SARS-CoV-2. E c
ientistas do Instituto Karolinska, na Suécia, descobriram que um pequeno fragmento de anticorpo, a que chamam nanocorpo, e que se liga à proteína spike (espícula) do coronavírus, tem a capacidade de bloquear a entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas. Os anticorpos monoclonais já estão bem consolidados na medicina, sendo usados principalmente no tratamento do cancro e outras doenças inflamatórias. Dessa forma, o uso de anticorpos monoclonais para o tratamento da Covid-19 pode alterar o curso da doença. Os nanocorpos são fragmentos de anticorpos que ocorrem naturalmente na família dos camelídeos, como alpacas, lamas e dromedários, e podem ser adaptados aos seres humanos. Tal foi obtido injetando a proteína spike do SARS-CoV-2 nesses animais, que após 60 dias foram recolhidas amostras de sangue. E então verificou-se uma forte resposta imunológica a essa proteína. 

Como já é sabido, o SARS-CoV-2 utiliza a proteína de superfície, denominada spike, para se ligar ao recetor ACE2 da célula humana e entrar nela. Esta proteína possui 2 subunidades, responsáveis pela ligação às células, e pela fusão da membrana viral à membrana celular. O anticorpo, denominado 47D11, foi capaz de inativar os vírus SARS-CoV e SARS-CoV-2. Então os pesquisadores reformularam o anticorpo 47D11 para se tornar anticorpo IgG humano recombinado. Os testes mostraram a eficácia do anticorpo monoclonal 47D11 em inativar o vírus SARS-CoV-2 em cultura de células. Para já, esta inibição, que foi bem sucedida, resulta apenas de experiência in vitro. Portanto, ainda é preciso passar pelos testes em animais, e só depois dar início aos testes em humanos.  

Seja como for, anticorpos monoclonais e nanocorpos, produzidos por engenharia genética, estão a dar boas perspetivas quanto à sua utilização no tratamento da Covid-19. Anticorpos monoclonais e nanocorpos representam a última versão da chamada imunização passiva, uma terapia pioneira dos finais do século XIX que salvou muitas crianças. Muitos milhares de crianças com difteria receberam soro de cavalo que continha um elevado número de anticorpos contra a toxina da difteria, com resultados inestimáveis. Por outro lado, no campo das doenças infeciosas, um anticorpo monoclonal do vírus sincicial respiratório faz parte do padrão de tratamento de bebés com um risco elevado de desenvolver bronquiolite. Também um cocktail de anticorpos monoclonais é atualmente utilizado no tratamento do Ébola em conjunto com a vacinação. E agora surge um complemento adicional com os nanocorpos. Estes terão a vantagem de serem produzidos a um custo menor e mais facilmente do que os anticorpos monoclonais. O recente aparecimento de várias variantes do SARS-CoV-2, está a alertar a comunidade científica para o desenvolvimento de alternativas ou complementos à vacina. 

Anticorpos monoclonais são anticorpos produzidos em laboratório por um único clone de um único linfócito B parental, que é clonado e imortalizado, produzindo sempre os mesmos anticorpos, em resposta a um agente patogénico. Esses anticorpos apresentam-se iguais entre si em estrutura, propriedades físico-químicas e biológicas, especificidade e afinidade, ligando-se por isso ao mesmo antigénio. Técnicas de engenharia genética permitem que anticorpos sejam adaptados ao organismo humano, os chamados anticorpos monoclonais humanizados. Desta forma, sem alterar a afinidade do anticorpo com o respetivo antigénio, tornou-se possível empregar os anticorpos monoclonais de maneira continuada, em procedimentos terapêuticos. Antes da descoberta da técnica do hibridoma, eram produzidos apenas anticorpos policlonais, o que requeria um grande número de animais imunizados e não imortalizava as células produtoras de anticorpos. A técnica do hibridoma contribuiu para a redução do número de animais utilizados. Além disso, a técnica oferece outras vantagens: alta especificidade; alta afinidade; maior facilidade de caracterização.

Os nanocorpos oferecem várias vantagens porque são mais fáceis de produzir em escala e em custo de forma segura. Depois do sucesso da primeira etapa da pesquisa, os cientistas clonaram, enriqueceram e analisaram sequências de nanocorpos dos linfócitos B, para determinar quais eram as partículas mais adequadas para uma avaliação posterior. Eles perceberam que uma delas em especial, a Ty1 (batizada assim em homenagem à alpaca, que se chama Tyson), neutraliza o SARS-CoV-2. Isso porque a Ty1 se liga à parte da spike que conecta o recetor celular ACE2, o ponto de entrada na célula humana. Como o lugar fica ocupado pelo nonocorpo, o vírus não consegue entrar na célula e, assim se evita a doença. Tudo isto pode ser visto por microscopia crioeletrónica.

O sistema imunitário de Lamas e alpacas é o ideal para os cientistas o redesenharem em laboratório. Os anticorpos de lamas e alpacas são relativamente pequenos e muito mais acessíveis à engenharia genética do que os anticorpos humanos. É como redesenhar a chave que tem de abrir a fechadura do coronavírus. Os anticorpos da lama, por si, não abrem a fechadura do vírus. Mas é acessível ao engenheiro genético, com a sua biologia molecular, pegar nessa chave (o anticorpo da lama) e polir partes dessa chave até girar na fechadura do vírus. 

Isto é o que eles chamam: "sistema imunológico adaptativo". O vírus não tem como invadir as células humanas. Essencialmente, faz-se no laboratório o que todos os sistemas imunológicos fazem no corpo. Se o vírus sofrer uma mutação repentina, pode-se fabricar, em pouco tempo no laboratório, um novo nanocorpo que funcione. Este é um tipo de terapia imunológica humana que aumenta a imunidade de uma pessoa através de anticorpos previamente preparados para anular o vírus. E esta técnica permite produzir anticorpos (nanocorpos) específicos contra o SARS-CoV-2 em grande escala.

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