terça-feira, 2 de março de 2021

Inclusão para transições de género


Freddy McConnell, jornalista multimédia inglês, é um Homem Trans, que quer ser registado como pai do filho, mas o Tribunal de Família de Inglaterra e Gales não autoriza, porque o deu à luz como mãe. A decisão tem precisamente por base o facto de este Homem Trans, ser na verdade, a mãe biológica da criança. Freddy McConnell, de 32 anos, nasceu mulher, mas sente-se homem há vários anos. Mudou de género, mas manteve os órgãos reprodutores femininos e engravidou em 2017, com recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida. O bebé nasceu em 2018, mas Freddy McConnell não pode registar-se como pai, de forma neutra, como progenitor. Teve de o fazer como mãe. Ou seja, psicologicamente ele não se reconhece como mulher, mas sim como homem. É esse o significado de nova identidade por transição de género. O juiz do tribunal de família entendeu que, segundo a lei inglesa, quem engravida e dá à luz o bebé, é mãe, independentemente de a sua identidade por transição de género ser um homem. E se é mãe, não pode ser pai, porque o poder da ubiquidade, que confere a um indivíduo ser dois indivíduos, não existe. Para o juiz Andrew McFarlane, ser mãe ou pai não depende do género, mas sim do papel na conceção do bebé.




Também para o Código Civil Português mãe é quem dá à luz o bebé: “Relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento”. No entanto, na Holanda, por exemplo, é possível que um homem transgénero seja pai do bebé que fez nascer como mãe. É, agora, medicamente e legalmente possível a um indivíduo ser reconhecido como do género masculino, e ao mesmo tempo engravidar e dar à luz o seu filho. Ainda que o género dessa pessoa seja masculino, o estatuto parental é de mãe, uma vez que é determinado pelo seu desempenho no nascimento da criança. 

Renée Richards talvez tenha sido o primeiro caso de atleta transgénero no desporto, pelo menos oficialmente. Portanto, Richard Raskind é uma Mulher Trans. Em meados da década de 1960, viajou pela Europa vestida de mulher, com a intenção de fazer cirurgia de redefinição. Durante a faculdade, Richards vestia-se como uma mulher, o que na época transsexualismo era considerado uma perversão, uma forma de insanidade mental. Entretanto, acabou por desistir de fazer a cirurgia de redefinição de sexo. Casou-se com a modelo Barbara Mole em junho de 1970, e juntos tiveram um filho em 1972, Nicholas. Mas em 1975 divorciaram-se. Tal como nasceu, homem, competia nas provas masculinas de ténis. 



 
A sua luta pela identidade de género não foi fácil, tendo chegado a gerar na sua pessoa confusão sexual, depressão e tendências suicidas. Nessa altura ainda não se percebia que identidade de género nada tinha a ver com orientação sexual. Então, consultou um especialista e começou a receber injeções hormonais e a projetar uma mudança de vida. Richards resolveu finalmente submeter-se à mudança de sexo por cirurgia. A estreia numa prova feminina ocorreu em 1977, no US Open, em Nova Iorque, após ter sido autorizada por decisão do Supremo Tribunal de Nova Iorque. Renée foi várias vezes campeã. Em 1981, com 47 anos, reformou-se do ténis. Agora passava a exercer exclusivamente a sua profissão de oftalmologista, em Newport Beach, na Califórnia.




De acordo com o Comité Olímpico Internacional (COI), órgão que regula o desporto olímpico, atletas que realizaram o processo de transição para Mulher Trans devem apresentar um limite de 10 nanomol de testosterona por litro de sangue pelo menos um ano antes de disputarem um campeonato. Os que passaram para Homem Trans, por sua vez, podem competir sem restrições. A Associação Internacional de Federações de Atletismo (AIFA) tem uma postura mais rígida no que diz respeito à inclusão de atletas transgénero em provas femininas da modalidade. A cartilha nas pistas exige que os atletas informem a AIFA sobre a identidade de género com três meses de antecedência e pede que se incluam os detalhes do processo, qual o tratamento feito e a situação atual de cada competidor. Os exames avaliam as hormonas através do sangue e da urina, se houve intervenção cirúrgica, qual o processo escolhido para a transição, os medicamentos e as atividades ao longo do tratamento. Há também o cuidado de observar se a redefinição foi feita antes ou depois da puberdade, e há quanto tempo decorreu o procedimento. A avaliação é feita pelo chefe da equipa médica da AIFA e, caso uma atleta não seja aprovada, pode recorrer ao tribunal arbitral da modalidade. De 33 entidades que regulam as modalidades presentes nas Olimpíadas de Tóquio 2020 em 2021, 13 seguem o planeamento do Comité Olímpico Internacional (COI) dirigido aos atletas que mudaram de género. A cirurgia, neste caso, não está em questão. O COI afirma ainda que as federações são livres para aplicarem as suas próprias regras para os transgénero nas competições organizadas pelas diversas entidades. 




CeCé Telfer 
nasceu na Jamaica como indivíduo do sexo masculino. Mudou-se para o Canadá quando tinha 12 anos, antes da família finalmente se estabelecer em New Hampshire. Agora é uma atleta jamaicana-americana que, em 2019, se tornou a primeira mulher abertamente transgénero a ganhar um título da NCAA enquanto estudante atleta na Universidade Franklin Pierce. Telfer competiu pela primeira vez na divisão masculina de 2016 a 2017, mas depois de sair e iniciar a sua transição de género foi autorizada a competir na divisão feminina. Ela ficou em primeiro lugar nos 400 metros barreiras em junho de 2019. De acordo com as regras da NCAA, atletas transgénero podem competir em eventos femininos depois de completar um ano civil de tratamento de supressão de testosterona. 

Após a sua vitória nos 400 metros barreiras, Telfer deu uma entrevista elogiando os treinadores, detalhando como tomaram medidas para proteger o seu bem-estar físico e mental durante a competição, contratando seguranças adicionais e aconselhando-a a ficar fora das redes sociais por 48 horas após a sua vitória para ajudar a limitar a sua exposição a comentários e postagens transfóbicas. Numa entrevista 
Telfer negou que a testosterona lhe tenha dado vantagem sobre atletas cisgénero, explicando que ela estava em terapia hormonal há algum tempo e que os seus níveis de testosterona eram mais baixos do que a média dos das mulheres. Além disso, Telfer explicou que a sua altura, que é de 1,80 m, a colocou em desvantagem, pois o seu tamanho lhe dá resistência ao vento, e porque os obstáculos das mulheres são colocados muito mais próximos do que os obstáculos dos homens. Registos das performances de Telfer antes do início da hormonoterapia mostraram uma perda de força física, massa muscular e peso. 

Há muito que se comenta a respeito da inclusão dos Trans no desporto. A presença de atletas que realizaram a transição de género tem crescido progressivamente. Registos comprovam a ocorrência de tais casos desde a década de 1970, mas, se no passado apenas alguns ganhavam a permissão para competir, atualmente há novas regras estipuladas em prol da inclusão e a quebra de tabus. Muita polémica gira em torno do assunto, que ganha destaque com uma série de exemplos à volta do mundo. A estrela do ténis Martina Navratilova, por exemplo, causou alvoroço ao afirmar que atletas nascidos com o sexo masculino não deveriam competir entre mulheres. A tenista, considerada a maior de todos os tempos, vencedora de 17 Grand Slams, foi logo chamada de transfóbica, mas não deixou de expressar a sua opinião pelas redes sociais. “Claramente, isto não pode ser certo. Tu não te podes proclamar uma mulher e estar apta a competir contra mulheres. É preciso haver padrões, e ter um pénis e competir como mulher não se encaixa neste padrão”, disse a ex-tenista de 64 anos em seu perfil no Twitter, que conviveu com Renée Richards na altura em que jogava. Na mesma rede social, uma atleta Trans, Rachel McKinnon, que nasceu rapaz e fez a transição para mulher, e que venceu uma prova de ciclismo de estrada, organizada pela Federação Internacional de Ciclismo, não concordou com Martina Navratilova: “Genitais não entram na disputa desportiva. Que parte do pénis está relacionada com o ténis?”. 

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